A civilização viva é um processo, não uma coisa. É o processo de gestação do Homem — a condição seminal da humanidade aperfeiçoada. Uma teoria enganosa, produto da mente europeia voltada à terra, fez da civilização uma morte de valores vivos. Mas a semente não está morta. A civilização não deve ser relacionada com a haste cristalizada, semelhante à palha, de uma planta quando começa o outono. Uma civilização assim não é a verdadeira civilização viva, é meramente o final de um ciclo cultural.
A cultura é o equivalente ao processo de mudança — da personalidade, que é um equilíbrio sempre instável de fatores individuais e coletivos. Origina-se de um impulso espiritual e monádico, o Um-que-é-no-começo, o "Avatar", a grande Pessoa Universal que, por assim dizer, enrola a mola do ciclo futuro, pois é um Agente direto, um ato de vontade incorporado do "Grande Indivíduo", o Ser Planetário. A cultura se desenvolve através de vicissitudes e transformações intermináveis, tal como o germe, o tronco e a raiz, as folhas e, finalmente, as flores e os frutos crescem — crescem da terra, presos à terra e às suas energias fisiológicas, positivas e negativas.
Por fim, a semente se forma dentro do fruto, e, quando isto acontece, a planta sazonal já começa a morrer. O tronco se enrijece. A cultura se transforma num conjunto de fórmulas estereotipadas de pensamento, de sentimento e de comportamento. Então, a semente cai no solo. As folhas já começam a se desintegrar na terra, para mais tarde se transformarem em adubo que libera substância química — elementos coletivos — para alimentar a nova planta que surgirá ao chamado da nova Primavera. Mas a semente não se desintegra. Ela vive, e esta vida é uma vida de totalidade concentrada e relativamente permanente, pois a semente contém em potencial a soma total das características e do poder da espécie.
A civilização viva é a semente do Homem, mas também é o processo que chama a semente à existência — o processo de individuação, e o processo no qual a semente morre como semente para que a nova planta possa existir — o processo de sacrifício. A civilização viva é o princípio criativo operando através da raça humana como um todo. Está especialmente manifestada no "último momento" do ciclo — quando tudo o que é vivo e fiel ao padrão arquetípico que está no começo é reunido numa síntese seminal, o alimento para uma humanidade ainda por vir. De acordo com o simbolismo profético, dois terços se perderão — isto é, desintegrar-se-ão como folhas e galhos e até mesmo como frutos. Mas um terço será salvo. Estes constituirão a semente — os Shistas: aqueles nos quais e através dos quais o princípio criativo tocará uma nova sinfonia de vida, quando a Primavera fizer o chamado e liderar a apresentação.
Estes atores que, como um grupo, constituem a semente, a orquestra, são aqueles que se tornaram "separados"; aqueles que passaram por um "segundo nascimento" — nascimento que sai do domínio das folhas decadentes para o da semente consagrada. Estes indivíduos eventualmente são treinados para executar seu trabalho em grupo. São treinados individualmente e como um grupo. Eles não deverão ser solistas, mas instrumentistas de uma orquestra. Precisam abrir mão de algo de sua "personalidade" (no sentido usual do termo) para que possa nascer uma "personalidade grupal": a orquestra. Precisam agir assim, caso pretendam permanecer na orquestra, porque a orquestra algum dia deverá executar uma partitura sinfônica.
Uma partitura é uma fórmula de relacionamento, um padrão de entidades simbólicas, chamadas notas musicais. Uma partitura é a raison d'être e o propósito da apresentação, e da orquestra. A partitura é a entidade abstrata, que é a forma da personalidade do grupo, que é a orquestra. Podemos imaginar que a orquestra seja reunida e treinada para executar apenas uma partitura sinfônica. Se for assim, então essa partitura é o arquétipo estrutural da personalidade do grupo que é a orquestra. Pois é a partitura que determinará quais instrumentos são necessários, e onde e quando cada um deverá tocar, para executar a parte que lhe é reservada.
E verdade que relacionamentos pessoais (amizade, antipatia etc.) poderão se desenvolver entre os instrumentistas como seres humanos dotados de emoção; mas tais relacionamentos precisam sujeitar-se sempre à meta única da personalidade grupal da orquestra: a execução da partitura. O conjunto básico e permanente dos relacionamentos entre os executantes é o determinado pela partitura a ser tocada. E um relacionamento arquetípico de trabalho e de propósito — um relacionamento criativo, e não um relacionamento pessoal ou individual-coletivo de sentimentos, dependendo em grande parte de humores e da influência sempre mutável de condições naturais ou momentâneas.
Uma ilustração como essa — suficientemente precisa — mostra de forma muito clara o papel que a astrologia pode ter no processo da cultura viva, e especialmente no processo de reunião, no futuro, de executantes, que por sua vez precisarão tornar-se "individuados" numa personalidade grupal: a orquestra. A astrologia revela a partitura da sinfonia e o lugar que cada instrumentista precisa ocupar na orquestra.
O tipo de astrologia que pode revelar a partitura de uma civilização por vir ainda não é conhecido, ao menos das pessoas comuns da geração presente. Não nos cabe dizer se alguns "adeptos" têm essa capacidade ou não. Mas tocamos no assunto de uma astrologia planetária como essa referindo-nos ao "criativo planetário" em nossos capítulos "A Chave para o Simbolismo Astrológico" e "Uma Classificação de Pontos de Vista Astrológicos". É duvidoso ser possível dizer muito mais que isso atualmente, mesmo podendo existir — e existem, se acreditarmos em A doutrina secreta de Blavatsky — homens que em todos os tempos foram treinados no conhecimento dos enredos dos ciclos planetários e cósmicos. O grande ciclo polar e suas assim chamadas eras zodiacais — tais como as eras pisciana e aquariana — indicam muito amplamente as características de grandes civilizações, à medida que elas crescem e decrescem nos continentes, que são seus corpos físicos. Recentemente têm sido feitas tentativas das mais interessantes para correlacionar as eras precessionais e civilizações passadas, e relacionar os signos zodiacais com as zonas de longitudes geográficas. Mas as afirmações são conflitantes, e a chave final pode ainda não ter sido descoberta. Ela pode depender da consideração da divisão em 7 ou 70 do grande ciclo polar, como já sugerimos, mais que da divisão, em doze partes, do movimento precessional dos equinócios ao longo do cinturão zodiacal equatorial, ou, ainda melhor, de uma correlação desses dois pontos de vista.
Mas existem outros ciclos planetários que são tão importantes quanto aquele que é criado pelo giro do eixo polar da Terra em cerca de 25.868 anos. Um ciclo de 10.000 anos, que simbolicamente poderia ser chamado ciclo do Buda, porque lida com o processo planetário da, digamos, "individuação cósmica" — novamente, um símbolo! —, foi sugerido na literatura teo- sófica durante a vida de H. P. Blavatsky (cf. The Mahatma Letters). Presumivelmente este ciclo refere-se à mesma coisa — no nível planetário — que o nosso já estudado ciclo de 28 anos, no nível da personalidade humana. E a diferença que existe entre três ciclos de 10.000 anos e o ciclo polar de 25.868 é a mesma que entre três ciclos de 28 anos e a medida tradicional de "três vintenas mais dez" da duração da vida do ser humano.
Cinco mil anos se passaram desde aquilo que os brâmanes chamam "o início do Kali Yuga" (3102 a.C.). Dois mil e quinhentos anos se passaram desde a vinda do Buda (cerca de 602 a.C.). E o ano de 1898 (ou o período de 1891 a 1898, que presenciou a morte de H. P. Blavatsky, bem como de Baha'u'llah) é tido como a marca do início de uma nova era — uma era que pode ser concebida como o período de gestação espiritual, ou talvez a primeira infância de um novo tipo de Individualidade humana no nível psicomental. 0 diagrama abaixo interpretará um ciclo assim em termos do horóscopo astrológico convencional, e pode ser interessante para mentes interessadas com tal simbolismo cósmico. Com base em tais ciclos planetários, poderá ser tentada, algum dia, uma nova história espiritual da humanidade. Mas nosso conhecimento dela, obviamente, é muito incompleto no presente.
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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.
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