sábado, 27 de agosto de 2016

A Divisão do Espaço, por Howard Sasportas



ESPAÇO, TEMPO E LIMITES

O ser humano é uma parte do todo que chamamos de "Universo"; uma parte limitada no tempo e no espaço.
Albert Einstein

De acordo com a Bíblia, Deus começou Sua grande obra criando o universo, e dividindo-o depois em diversas partes. Ele fez os céus separados da Terra, a luz separada das trevas e o dia separado da noite. Na tentativa de entender e de dar um sentido à existência, os seres humanos mostram esta mesma tendência em dividir a totalidade da vida em várias partes componentes e em fases. Da mesma maneira, a carta de nascimento, o mapa de uma existência individual, reflete este seccionamento da vida em diferentes setores cuja soma total forma um todo.

A Divisão do Espaço

Não importa quão casual o universo às vezes possa parecer; ele é, no entanto, claramente organizado. Cíclicos e previsíveis, os corpos celestes tentam manter seus caminhos e ater-se a seus próprios movimentos. Talvez com o intuito de atribuir um significado e uma ordem a suas vidas, nossos ancestrais humanos observaram uma relação entre os eventos celestes (os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas) e a vida na Terra. Faltava-lhes, porém, uma estrutura de referência na qual pudessem se basear para planejar e marcar as posições destas luzes que se movem no céu. Para conseguir isso o espaço foi dividido em diversos setores, sendo então classificado.

Os astrólogos modernos enfrentam o mesmo problema: como dividir o espaço para criar uma estrutura de referência pela qual se possa identificar as posições dos corpos celestes. Isso ocorre de um ponto de vista geocêntrico de tal maneira que o Sol, a Lua e os planetas parecem mover-se num amplo espaço circular ao redor da Terra. Este espaço estende-se por mais ou menos 8 ou 9 graus de cada lado do que é conhecido como eclíptica — o caminho aparente do Sol ao redor da Terra —, e é chamado de Cinturão Zodiacal. A eclíptica é então dividida em doze signos de 30° cada, começando com 0o de Áries, o ponto em que o caminho do Sol cruza o Equador Celeste (o equador da Terra projetado no espaço) no Equinócio da Primavera. Neste sentido, os signos do Zodíaco (Áries, Touro, Gêmeos etc.) são subdivisões da eclíptica, o aparente movimento anual do Sol ao redor da Terra (ver Figura 1). As posições dos planetas são colocadas dentro (contra) destas divisões da eclíptica, mostrando em que signo cada um dos planetas está passando a cada dia do ano (ver Figura 2).





Os planetas, cada um com sua velocidade, passam continuamente através dos diversos signos. O Sol leva cerca de um mês para passar através de um signo e praticamente um ano para fazer o círculo completo de todos os signos através da eclíptica. A Lua leva cerca de dois dias e meio em cada signo e precisa de 27 dias e 1/3 para atravessar todos os doze signos. Urano leva aproximadamente 7 anos para passar num signo e praticamente 84 anos para completar um círculo. Conforme dissemos no Capítulo I, um planeta descreve uma determinada espécie de atividade que se expressa de acordo com a natureza do signo em que se encontra.


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Extraído do livro As Doze Casas, de Howard Sasportas.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A Paisagem da Vida, por Howard Sasportas



Existem três ingredientes básicos que se combinam para formar uma carta astrológica: os planetas, os signos e as casas. Os planetas representam impulsos, induções e motivações psicológicas peculiares. Como verbos, eles descrevem uma certa ação que está acontecendo; por exemplo, Marte assevera, Vênus harmoniza, Júpiter expande, Saturno restringe, e assim por diante. Os signos representam doze qualidades de ser ou doze atitudes perante a vida. O impulso de um planeta se expressa através do signo em que está colocado. Marte assevera de maneira ariana ou taurina, Vênus pode harmonizar de maneira geminiana ou canceriana, e assim por diante. As casas, no entanto, mostram áreas específicas da vida de cada dia ou em que campos de experiência tudo isso está acontecendo. Marte em Touro manifesta-se de maneira lenta e firme, mas seu posicionamento na casa determina a área exata da vida em que a sua ação lenta e firme pode ser observada mais obviamente, seja na carreira da pessoa, fazendo com que ela aja deste ou daquele modo, seja em seus relacionamentos, na escola etc. Uma explicação bem simples seria: os planetas mostram o que está acontecendo, os signos mostram como está acontecendo e as casas mostram onde está acontecendo.

Servindo de lente para focalizar e personalizar a cópia heliográfica planetária dentro da paisagem da vida atual, as casas trazem a carta para a Terra. Mesmo assim, o significado e a função das doze casas é geralmente o menos compreendido de todos os fatores básicos da astrologia. A proposta deste livro é examinar de que modo uma avaliação correta dos signos e dos planetas em cada uma das doze casas pode nos orientar com vistas à nossa verdadeira identidade, iluminando o caminho para a nossa autodescoberta e a revelação do nosso plano de vida.

Existem algumas razões pelas quais o completo significado das casas tem sido tantas vezes desdenhado. Muitos livros sobre astrologia se detêm no significado "exterior" de cada casa e negligenciam seu princípio básico mais sutil e fundamental. A menos que o âmago do significado de uma casa seja alcançado, a verdadeira essência dessa casa fica perdida. Por exemplo, a 11ª Casa é normalmente conhecida como a "casa dos amigos, de grupos, das esperanças e dos desejos". A primeira vista, isso pode parecer estranho — o que amigos e grupos têm a ver com esperanças e desejos? Por que essas coisas todas estão englobadas debaixo de uma mesma casa? No entanto, quando o princípio mais profundo e básico da casa é explicado, a conexão torna-se clara. O centro da 11ª Casa é "a pressão para nos tornarmos maiores do que já somos". Fazemos isso ligando-nos a algo maior que o nosso eu separado — alinhando-nos com amigos e círculos sociais, reunindo grupos, nos identificando com causas que nos tirem de dentro de nós e nos englobem num esquema mais amplo de coisas. Mas o desejo de sermos maiores do que já somos também tem de ser acompanhado pela capacidade de considerar novas e diferentes possibilidades. Em outras palavras, esperar e desejar algo nos transporta para além das imagens e dos modelos existentes de nós mesmos. Antes de termos um sonho realizado, precisamos ter um sonho. Entendida dentro do contexto do desejo que temos de ampliar nossa esfera de experiência já existente, a classificação da 11ª- Casa como sendo a dos "amigos, grupos, das esperanças e desejos" começa a ter sentido no relacionamento entre eles.

A maneira convencional pela qual a influência dos planetas e dos signos nas casas tem sido interpretada é outro obstáculo para uma completa avaliação do significado de cada casa. Considerando os eventos como circunstâncias meramente externas que nos acontecem, a astrologia tradicional interpreta os posicionamentos numa carta sob uma luz determinante e fatalista, e deixa de compreender a parte que nos toca ao absorver o que nos acontece. Um astrólogo orientado apenas para ver acontecimentos, por exemplo, poderia dizer a um homem com Saturno na 11ª Casa, algo como: "Seus amigos vão limitá-lo, desapontá-lo." Isso pode até ser verdade, mas qual é o bem que essa interpretação pode trazer?

A premissa filosófica sobre a qual a astrologia psicológica se baseia é a de que a realidade de uma pessoa brota de sua paisagem interior de pensamentos, sentimentos, expectativas e crenças. Para o homem com Saturno na 11ª Casa, o fato de ter problemas com amigos é apenas a pontinha do iceberg — a manifestação exterior de alguma coisa que ele mesmo é responsável por criar. Sua dificuldade em se relacionar com companheiros é a manifestação superficial de algo bem mais profundo: o temor de expandir os próprios limites para incluir algo além de si mesmo. Ele quer tornar-se maior do que já é — para se identificar com algo além do sentido existencial do eu; no entanto, fica temeroso de colocar em risco a identidade que já tem. A 11ª Casa o impele a englobar uma realidade maior, mas Saturno diz "pare, preserve o que você já conhece". Entendido desta maneira, não são os amigos que o restringem, mas suas próprias restrições é que limitam os seus amigos. O astrólogo que mostra esse dilema introduz esse homem no pórtico da mudança. Confrontar essas apreensões, examinar suas origens e mostrar as possíveis maneiras de lidar com seus temores: eis as chaves que abrem a porta para posterior crescimento e desenvolvimento. Quando considerados dentro do contexto de abrir seu potencial e realizar seu plano de vida, as dificuldades deste homem com amigos torna-se uma necessária e produtiva fase de experiência. Com este Saturno na 11ª Casa, em vez de evitar ou culpar os outros, é preferível ater-se a ele, e este é um dos caminhos que "vai fazer dele aquilo que ele deve se tornar". Esta interpretação da 11ª Casa é infinitamente mais benéfica do que o "lamento, meu chapa, mas seus amigos são péssimos".

Em seu livro A astrologia da personalidade, Dane Rudhyar, um pioneiro na astrologia centrada no indivíduo, propõe que a leitura de uma carta é a leitura do dharma da pessoa. Em trabalho posterior, As casas astrológicas, ele elabora um pouco mais esta afirmação, enfatizando que planetas e signos em cada casa oferecem "instruções celestiais" de como uma pessoa pode da maneira mais natural possível abrir seu plano de vida nesta área de existência. Tanto quanto possível, este livro interpreta os planetas e os signos através das casas sob esta perspectiva. No entanto, além de só indicar o mais autêntico modo de preencher nossas potencialidades intrínsecas, o posicionamento das casas também mostra a nossa predisposição inata para entender as experiências associadas com cada casa dentro do contexto dos signos e planetas que nela se encontram. Por exemplo, uma mulher com Plutão na 7ª Casa está inclinada desde o nascimento a contar com Plutão naquilo que diz respeito a essa casa. E mais: por ser Plutão o que ela espera dessa casa é precisamente Plutão o que ela irá encontrar.
Tudo o que vemos na vida é colorido por aquilo que esperamos ver. Solicitou-se a 28 estudantes que descrevessem o que viram quando um maço de cartas de baralho foi mostrado, uma por uma, numa tela. O que eles esperavam basicamente (ou o que era o modelo orientador) era a opinião prévia de que o maço de cartas consiste em quatro naipes: dois pretos (espadas e paus) e dois vermelhos (ouros e copas). Porém, quando o operador mostrava um seis de espadas vermelho muitos estudantes simplesmente recusavam a evidência que estava diante de seus olhos e convertiam nas suas descrições o seis de espadas vermelho em preto. Explicando melhor: quando o seis de espadas vermelho era mostrado na tela, eles nem notavam a incongruência da carta com suas próprias expectativas de como deveria aparecer um seis de espadas. Eles viam apenas aquilo que esperavam ver, não o que realmente estava sendo mostrado.

De maneira semelhante nossas expectativas arquetípicas, vistas através dos signos e dos planetas nas casas, nos precondicionam a certas maneiras de viver a vida. Portanto, a mulher nascida com Plutão na 7ª Casa vai tomar decisões com relação a associações sob o prisma deste planeta. Nesse sentido, ela está "presa" a Plutão nesta área da vida como a semente do carvalho está presa ao fato de se tornar um carvalho. Nada do que faça pode mudar o fato do planeta estar ali. Porém, se ela se conscientizar de que Plutão é o contexto pelo qual ela encara a 7ª Casa, algumas alternativas, que não existiam antes, se abrirão para ela.

Antes de mais nada, ela pode se perguntar qual a proposta de Plutão na 7ª Casa diante da abertura completa de seu plano de vida. Desta maneira, ela aceita e começa a cooperar com a sua natureza congênita. Em segundo lugar, em vez de culpar a vida ou outras pessoas pelo estado de coisas dessa casa, ela pode tentar entender o papel que ela mesma desempenhou em criar tais circunstâncias. Fazendo isso, estará infundindo maior propósito e significado às experiências de sua vida — que não são apenas acasos que acontecem com ela. Finalmente, se ela puder "usar" Plutão em suas conotações mais construtivas, não sofrerá mais do que o necessário neste aspecto. Por um lado, Plutão implica em derrubar e destruir todas as estruturas existentes. Por outro, representa a transformação e o renascimento de uma maneira completamente nova de ser.

Através da alteração da perspectiva na qual ela vê o que está se passando, ela consegue entender as interferências de Plutão como oportunidades necessárias para crescer e mudar. Encarando de frente e chegando a bons termos com o tipo de traumas associados a esse planeta, ela "modifica" seus planos e percebe que Plutão tem uma dimensão completamente diferente de experiência a lhe oferecer. Ela aprende aquilo que Paracelso observou há muito tempo, ou seja, que "a deidade que traz a doença também traz a cura".

Conhecimento implica em mudanças. Examinando o posicionamento das casas em nossas cartas, não estamos só encontrando pistas para achar o melhor caminho para atingir a vida nesta área; estamos também ganhando introspecção para as expectativas arquetípicas subjacentes que operam dentro de nós. Uma vez que nos tornamos conscientes de que temos uma tendência congênita para ver as coisas dentro de certo contexto, podemos começar a trabalhar construtivamente dentro de uma estrutura, e gradualmente ir expandindo seus limites de modo a permitir outras alternativas. Tendo isso em mente, o leitor pode usar este livro tanto como ferramenta para seu desenvolvimento pessoal como para se guiar na interpretação de uma carta. O significado sugerido para cada planeta e para cada signo através das casas tem a intenção de servir como um esboço amplo e geral que, espero, inspire mais e mais pensamentos e reflexões sobre a natureza de cada posicionamento.

Minhas sugestões não devem ser tomadas como um evangelho ou aplicadas com rigidez excessiva, e peço desculpas pelas limitações do formato deste "livro de receitas". Tenho plena convicção de que cada fator de uma carta astrológica só pode ser completamente apreciado à luz da carta inteira. Ainda assim, a expressão de qualquer posicionamento num horóscopo é ocorrência de certo fator do nível de consciência da entidade da qual deriva.

Uma mulher pode ter nascido na mesma hora, lugar e data que seu cachorrinho, e seus mapas astrológicos seriam exatamente os mesmos; porém, o cachorrinho vai expressar seu mapa de nascimento de acordo com seu grau de conhecimento e, a mulher, de acordo com o seu. Uma vez que nosso grau de consciência tem um papel tão crucial na determinação da "manifestação" e do significado dos posicionamentos num mapa, nenhuma interpretação rígida de qualquer fator pode ser fixada. Cada um de nós é mais do que a soma das partes do mapa. Cada um de nós tem potencial para maior conhecimento, liberdade e realização.

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Extraído do livro As Doze Casas, de Howard Sasportas.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A Integração da Personalidade de Grupo, por Dane Rudhyar



No entanto, o que tem significado prático muito maior em nossa atual vida humana é o uso que pode ser feito da astrologia para fazer surgir uma personalidade grupal real e harmoniosa. Este assunto é particularmente atual, já que existe tanta ênfase colocada no fator "grupo" em tantas atividades. Como um tema completo para discussão, ele está muito além do objetivo deste livro, e portanto não podemos tentar avaliar o significado, a importância e a validade dessa tendência moderna dirigida ao comportamento em grupo e à personalidade de grupo última. No entanto esta tendência é um fato, e a astrologia tem muito a dizer sobre o problema de delinear uma técnica para a reunião, harmonização e integração de tais grupos.

No sentido mais válido e real do termo, personalidade grupal é um fator de reconciliação entre o individual e o coletivo, no que se refere à sociedade humana. Por esta razão podemos considerar dois tipos de grupos: 1) as coletividades de indivíduos; 2) as individualidades feitas de elementos coletivos. No primeiro tipo, a ênfase está nos indivíduos; no segundo, na natureza coletiva dos elementos dominados por unia entidade, ou ideal, ou livro, ou imagem.
O segundo tipo de grupo é o que normalmente se encontra no presente estágio do desenvolvimento humano. Um grupo como este muitas vezes é um agregado de personalidades pouco individualizadas e ainda menos individuadas, ligadas muito proximamente ou por um líder verdadeiro ou por uni credo e autoridade liderante. Quanto menos individualizados os membros do grupo, mais homogêneo e permanente ele é. Quanto mais poderoso o líder, visível ou invisível, mais a liderança desperta emoções e compulsões à fé — mais estável a combinação de personalidades.

O primeiro tipo de grupo está apenas começando a aparecer no mundo moderno, e muitas vezes onde menos se suspeitaria. Neste caso o grupo é realmente uma associação (ou companhia, ou camaradagem cooperativa) de indivíduos diferenciados e autoconfiantes reunidos para um trabalho comum, para poder dar continuidade a um propósito comum e demonstrar um ideal válido para todos. O grupo se mantém unido por uma realização comum e, num certo sentido, por uma "qualidade" de vida comum, mais que por uma crença comum. Tem muito pouco que ver com sentimentos pessoais — no sentido usual do termo. Não admite nenhuma çompulsão, exceto a do propósito comum e a da necessidade de empreender um trabalho em conjunto. Seu postulado básico é que cada indivíduo deve ser livre para elaborar seu próprio destino de uma maneira natural e individual; que ele deveria fazer o que sabe melhor, e que a atividade do grupo não só não deve impedir o jogo do individualmente criativo mas, ao contrário, destina-se a estimulá-lo e melhorá-lo, a dar-lhe maior significado, mais poder, maior escopo e permanência de ação.

Obviamente, a dificuldade é que, a não ser que as ações criativas livres de um indivíduo se entrosem com as ações criativas livres de outros indivíduos, a não ser que todas essas ações cooperem harmoniosamente entre si, em relacionamento de tempo e espaço, sem sacrificar o valor essencial da espontaneidade e do bem-estar — com certeza haverá conflito e luta. Resumindo, a não ser que os elementos componentes do grupo combinem estruturalmente, como as peças de um quebra-cabeças, um grupo desse tipo não pode atuar satisfatoriamente por qualquer período longo de tempo. Pois se devesse existir cooperação real (trabalhar juntos) entre indivíduos que não se harmonizem estruturalmente e a priori, então alguns desses indivíduos necessariamente precisariam alterar seu ritmo criativo, e ao fazer isto transformar-se naquilo que não são — uma vez assegurado, é claro, que eles realmente fossem o que arquetipicamente são antes de se encontrarem para constituir um grupo.

Esta última sentença enfatiza o duplo problema: primeiro, os indivíduos que deverão constituir um tal grupo na maioria das vezes não estão realmente individuados. Não são completamente fiéis à sua própria mônada e a seu próprio arquétipo. Ainda são personalidades incompletas quanto à formação e não-integradas. Por esse motivo, não há definição e inadulterabilidade em seu comportamento e em seus processos de criação. Não são nem sólidas nem estáveis. Seguem humores, sentimentos e todo tipo de imperativos não-estruturados. São desconhecidos — para si mesmos bem como para seus associados. Constituir um grupo real com tais pessoas é como executar uma sinfonia com músicos que não estão seguros da nota que irá soar quando tocarem seus próprios instrumentos.

A outra dificuldade (no caso dos associados serem personalidades bem definidas e plenamente individuadas) é como encontrar um certo número de indivíduos como esses, que se harmonizem estruturalmente — ao menos no que se refere ao seu relacionamento criativo como a meta comum. Exceto por alguma percepção supranormal intuitiva e direta das características estruturais de todos os indivíduos dentre os quais pudessem ser selecionados os que deveriam constituir o grupo, a astrologia é a única solução para o problema.

Lidamos aqui com o problema complexo de estabelecer e interpretar de modo correto relacionamentos válidos entre as cartas de nascimento de dois ou mais indivíduos. Estudar como isto pode ser feito também ultrapassa a finalidade deste livro. Tudo que desejamos afirmar agora é que, ao menos teoricamente, isto pode ser feito satisfatoriamente. Na prática, há inúmeras dificuldades a levar em conta.

A primeira é determinar a natureza exata do relacionamento considerado. Muitas vezes vimos duas pessoas trazerem suas cartas de nascimento para pedir conselho sobre se deveriam casar-se ou não. Nossa resposta a isso é sempre: para que vocês querem casar? Que tipo de relação conjugal esperam? Com que propósito? Nem todas as pessoas casam com o propósito, consciente ou inconsciente, de formar um lar, criar filhos e tudo mais. O casamento pode ser regenerador. Pode produzir uma repolarização espiritual. Pode libertar os dois parceiros de complexos e inibições. Coisas que podem não incluir lar, filhos ou mesmo o tipo usual de felicidade. O casamento pode ser uma harmonia dissonante, ou uma harmonia consonante. Pode ter o objetivo de ser permanente, ou apenas por um período. Pode incluir conflitos profundos e oposições de atitudes — e mesmo assim ser a verdadeira salvação, a verdadeira necessidade dos dois parceiros. Quem então desejará ter a responsabilidade de aconselhar duas pessoas a não se casarem por causa dos fortes conflitos e contrastes demonstrados na comparação das duas cartas?

Esta é uma dificuldade. Outra é a incerteza habitual quanto ao momento exato do nascimento de um indivíduo — quanto mais de dez ou vinte pessoas. Existem ainda outras dificuldades relativas ao fato de a psicologia do tipo de grupo que estamos considerando ser muito pouco compreendida; que, em tais grupos, relacionamentos secundários são formados quase que necessariamente, e em vários níveis. Mas, a despeito de tudo isso, pode-se dizer que a astrologia, pela comparação de cartas de nascimento, pode definir o tipo de relacionamento a ser esperado entre os indivíduos simbolizados por essas cartas. Vários outros métodos astrológicos, muito intrincados para serem detalhados, também podem ser usados para lidar com essa questão do relacionamento.

O resultado é que se poderia ser capaz de selecionar, através do estudo do relacionamento de suas cartas, digamos, doze indivíduos plenamente desenvolvidos, que fossem capazes de cooperar para a continuidade de um propósito comum maior que todos eles, de modo que as atividades de cada um continuassem exatamente fiéis a sua individualidade e a seu destino, mas de um modo tal que essas atividades se harmonizassem — como os desempenhos individuais dos músicos componentes de uma orquestra se combinam na apresentação orquestral de uma sinfonia. Nesta analogia orquestral, ser um primeiro violino ou uma segunda trompa francesa ou um primeiro baixo corresponderia à individualidade genérica das personalidades componentes do grupo (seu tipo racial, suas origens — em termos ocultos, seu "raio" de desenvolvimento), enquanto a individualidade individual seria simbolizada pela parte musical escrita que o músico deverá executar e que é a "assinatura" de sua função no grupo.

A astrologia não pode dizer muito, se é que pode, quanto à identidade genérica, mas pode lidar satisfatoriamente com a "partitura" ou o "projeto" da identidade individual. No caso da formação de uma personalidade grupal, o fator desconhecido é a "partitura" da personalidade grupal em si, mas mesmo nisso a astrologia poderia interpretar significativamente a carta de nascimento do grupo, tomando por momento de nascimento ou aquele em que ocorreu o primeiro movimento em direção à formação do grupo, ou aquele em que se deu a primeira manifestação concreta da atividade ou relacionamento de grupo.

Se prosseguirmos com a ilustração da orquestra, será preciso dizer que ela necessita de um lider? Obviamente ela precisa de um fator, ou princípio, ou propósito que a guie, mas não necessariamente uma personalidade liderante. Orquestras sem regente têm tido sucesso. Mas essa questão realmente está fora de nossa presente discussão e só poderia ser discutida considerando a relação que pode existir entre personalidades humanas e o "Indivíduo Maior" no nível planetário.

O que conta para nós agora é ó fato de a astrologia poder resolver o dilema básico da constituição de grupos ou de qualquer relacionamento entre duas ou mais personalidades. Se as pessoas que se relacionam são por natureza seguidores, crentes e devotos, a astrologia é de pouca utilidade. O relacionamento será forte e duradouro se houver um poder forte dominando o relacionamento. No casamento típico de seres fisiológica-emocionalmente centrados, este poder é sexo: o propósito racial e social domina o relacionamento. Nos grupos comuns — sejam eles chamados ocultos, religiosos ou políticos, ou até mesmo, no limite, uma quadrilha —, um líder, visível ou invisível, domina um conjunto de seguidores com seu forte poder individual. Tais grupos, bem como o casamento emocional, são partes do padrão cármico que rege os homens ainda não individuados, assim como necessidades e instintos biológicos regem o animal e a planta. Todas essas reações e combinações de desejos, impulsos, amores, ódio — todo esse nascer, morrer e renascer, pertencem ao coletivo, à imensa maré baixa e alta do processo vital — àquele mar infinito, incomensurável do vir-a-ser, que prossegue indefinidamente.

A astrologia pode fazer muito pouco em relação a tais fatores coletivos. Pode revelar as crises futuras inevitáveis e o fim do relacionamento. Mas que bem pode haver em dizer a uma pessoa, indefesa por não ser realmente una, que ela receberá um tiro dentro de tantos dias! Onde não existe liberdade — e há, de fato, pouca liberdade nos relacionamentos controlados por impulsos biológicos ou pela força psíquica cega da fé —, a astrologia é em geral mais destrutiva que construtiva. E liberdade só existe em função do indivíduo. Só o que é inteiro pode ser livre.

Em termos de grupos, somente grupos de verdadeiros indivíduos têm necessidade da astrologia, pois somente nesses grupos existe o problema de equilibrar a liberdade individual inerente e a eficiência do grupo; de como reter a forma individual dentro da estrutura grupal. Nenhum grupo de indivíduos é possível a não ser que esse problema seja resolvido. E resolver esse problema não significa que um líder deva selecionar os membros de sua "orquestra" astrologicamente. Melhor que isso, deveria significar que executantes individuais deveriam reunir-se com base num conhecimento estrutural astrológico de relacionamentos como esse.

Já nos referimos, em outro lugar, a um relacionamento significativo como esse entre indivíduos criativos como um "relacionamento do ar" em contraste com o "relacionamento da terra" ou "relacionamento de sangue", que cega emocionalmente e tende a reduzir os relata a uma massa pesada, poderosa talvez, mas nunca livre ou significativa em termos de indivíduos. Ansiamos por uma aristocracia de Pessoas Vivas integradas por uma vontade comum de servir à Vida e ao Homem, uma aristocracia criativa, uma aristocracia de Iguais em termos de igualdade-de-Alma, não de semelhança corpórea ou similaridade de dever; uma aristocracia que seria um grupo em virtude da auto consagração unânime de suas unidades a um propósito comum autoevidente para cada um e para todos. Este grupo seria dinâmico, móvel, sempre em ação — por pensamento ou ato: uma rede de centros de força e de liberações de poder, irradiando a energia do viver intenso e do relacionamento tenaz, não fugindo de nenhuma responsabilidade, pronto a servir em absoluta autodedicação à Causa, sempre criando valores, individualmente e em grupo; sempre agitando e fecundando mentes e almas. Não um corpo estático enraizado em isolamento autocomplacente, mas uma Idéia unânime operando concretamente em extrema diversificação através de muitos centros individuais atuando como focos para o Todo maior em condições amplamente diferentes; em todos os estados, países, classes, religiões; ubíquo, plástico, autorregenerador, livre de dogma, enraizado apenas em Vida e Propósito, universalístico — uma força móvel de Homens Livres e Mulheres Livres que ousam assumir a responsabilidade criativa de um Novo Mundo. Com uma ênfase um pouco diferente, Alice Bailey vem sustentando diante de seus alunos e do grande número de leitores de suas publicações o ideal de um Novo Grupo de Servidores do Mundo, universalista e espiritualmente criativo; e teósofos modernos vêm falando há mais de cinquenta anos, em graus variados de compreensão, a respeito de uma "Loja Branca" ubíqua de adeptos — que, como grupo, constitui o Ser Seminal do Último Dia de nosso ciclo planetário-humano.

Nestes casos e em outros que abordam um ideal de grupo mais ou menos semelhante, a ênfase básica sempre será colocada no significado criativo do indivíduo. Indivíduos cooperando, co-criando, companheiros que (em termos etimológicos) `comem do mesmo pão" de significado, "amigos" que fizeram de suas relações pessoais um vasto relacionamento de amizade viva — mas sempre indivíduos, porque o "Todo maior", meta da evolução planetária humana, só pode ser formado pela interação criativa de homens inteiros e, portanto, de indivíduos.

A astrologia, quando interpretada de modo simbólico e estrutural, pode orientar essa interação criativa de indivíduos e dar-lhe pleno significado. Como tal, ela se transforma numa arte de interpretação de formas simbólicas de relacionamento, e pode servir ao propósito da formação de grupos, porque em si lida com agrupamentos de fatores simbólicos e é um método prático de percepção do significado de grupos no processo de eles se tornarem plenamente individuados como personalidades integrais.

Nesse sentido, a personalidade aparece como o estágio final do processo de vida, e pode significar ou a Personalidade Crística humana, ou a "Pessoa Maior", que podemos chamar de Todo Planetário, ou, entre as duas, qualquer Personalidade Grupal que tenha características ciclicamente permanentes e individuais criativas. Mas são estas características individuais que dão forma e significado à Personalidade, porque em cada caso Personalidade é o estágio de atualização completa da Forma Individual. É o final cíclico, que é a completação do começo cíclico num organismo substancial. O indivíduo é a estrutura potencial; a personalidade plenamente individuada, o organismo real.

Significado reside nesta consumação do Último Dia do ciclo. É uma função da totalidade do todo individuado. Reside no polo individual de vida, em oposição à ausência de significado essencial das imensas ondas do coletivo. Só na totalidade há inteligência e compreensão — pois somente nela, por ser um momento final e ser plenitude, existe forma consciente de si mesma, e existe beleza. O processo do mundo não tem significado. Nenhum evento tem significado, salvo se a pessoa lhe atribui significado, a pessoa — ou qualquer ser, ou totalidade de seres relacionados em que exista inteligência, forma e plenitude.

O processo de vida não tem significado, salvo em termos do "último momento" de seu próprio ciclo, pois este "último momento" multiforme é Significado em si. O processo 'de vida também não tem forma, salvo em termos do "primeiro momento" de seu próprio ciclo, pois este "primeiro momento" é a Forma em si. Quanto às miriades de eventos que preenchem completamente, em fileiras de classes, inúmeros ciclos do começo ao fim, são apenas "acontecimentos" de elementos coletivos, exceto para aquele que é capaz de relacioná-los com sua própria "forma de destino", de inseri-los significativamente na estrutura de sua própria existência como self individual. Esta existência como self individual está no começo, e torna-se cada vez mais manifesta e concreta como Personalidade integrada à medida que cada momento é relacionado com ela, e por assim dizer carimbado com o símbolo criativo e a assinatura do "eu sou".

"No princípio era o Verbo" — e o Verbo é a estrutura individual do self. No início era a Forma. A astrologia, como "a ciência de todos os inícios" (Marc Jones), é portanto o revelador único da "forma" de todas as coisas que estão em processo de vir-a-ser. O significado é completado quando a forma potencial, e por trás dela a qualidade do Um-que-é-no-começo — a Mõnada —, se realiza como um organismo pleno, integrado. Só na integração é que o significado se faz real e criativo. O processo de individuação é aquele processo universal que termina na realização do significado. Começa com Forma e termina em Significado, e todo significado nasce no mais íntimo do indivíduo, mas de um indivíduo que, após constantes incorporações de conteúdos vitais coletivos, atingiu uma condição de plenitude como Personalidade integrada.

Existe o indivíduo — e existe a Vida. E Vida é um fluxo de energias vasto, ilimitado, disforme, que obedece apenas a uma Lei: a Lei do Equilíbrio, da harmonia — ou da ação compensatória. A partir desta Lei, que envolve a trindade movimento, espaço e tempo, surge o tipo de atividade que chamamos cíclica. Essencialmente, todos os ciclos são oscilações como de um pêndulo — ou chame-os vibrações. E todas essas oscilações, infinitas em sua pequenez ou vastidão, são desprovidas de meta, de significado. Elas são — e esse fato é o substrato de tudo, mas nada significa em particular. Obviamente essas oscilações têm quatro momentos básicos, exemplificados pelos quatro momentos cardinais da jornada anual do Sol: solstícios, pontos de desequilíbrio mais distante, equinócios, pontos de equilíbrio instável. Estes são os quatro grandes símbolos do ciclo de mudanças, o ciclo de energias naturais, biológicas, que aumentam e diminuem, de maneira não intencional.

Contudo, para o homem que se tornou indivíduo e estabeleceu uma consciência individual no nível mental da vida, onde a Forma é revelada e o Significado surge a partir de vidas vividas em plenitude, os Quatro sem-significado transformam-se nos Três, nos quais existe significado. Este significado é o domínio do começo, meio e fim. Este é o domínio do alfa e do 8mega integrados no Cristo vivo — o homem que é inteiro e pleno de semente. Quando este estado crístico é alcançado, os Três se fundem no Um eterno, e o domínio do espírito renasce. Renasce em todo ser crístico, pois não é um fato postulado, mas uma realidade que só emerge dentro da estrutura individual de completação, a partir da atribuição individual de significado a cada momento, experimentado em beleza.

E essa completação na beleza e na harmonia a paz que sempre reconstrói o espírito de novo. Espírito é a consumação criativa de cada momento. Espírito é a integração de começo e fim numa síntese que renasce e recebe significado a cada momento. E o ciclo concentrado dentro do Agora. É o Agora Criativo.

Que o poder desse Agora Criativo possa iluminar cada um de nossos momentos com significado! E verdade que há beleza e significado em cada momento — porque em cada momento o indivíduo pode atingir integração e alegria, que é criativa, que promove novos ciclos e afirma a vontade nobre do destino em direção ao desconhecido. Os céus não são mais radiantes, a forma das constelações não é mais luminosa e reveladora que a percepção, em nosso self mais íntimo, de que somos inteiros, de que, na totalidade que é criativa, tudo aquilo que é e que será se realiza no Agora. Oh! Na verdade — AGORA — tudo é belo! O Todo é belo.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A Astrologia e o Processo de Civilização, por Dane Rudhyar



A civilização viva é um processo, não uma coisa. É o processo de gestação do Homem — a condição seminal da humanidade aperfeiçoada. Uma teoria enganosa, produto da mente europeia voltada à terra, fez da civilização uma morte de valores vivos. Mas a semente não está morta. A civilização não deve ser relacionada com a haste cristalizada, semelhante à palha, de uma planta quando começa o outono. Uma civilização assim não é a verdadeira civilização viva, é meramente o final de um ciclo cultural.

A cultura é o equivalente ao processo de mudança — da personalidade, que é um equilíbrio sempre instável de fatores individuais e coletivos. Origina-se de um impulso espiritual e monádico, o Um-que-é-no-começo, o "Avatar", a grande Pessoa Universal que, por assim dizer, enrola a mola do ciclo futuro, pois é um Agente direto, um ato de vontade incorporado do "Grande Indivíduo", o Ser Planetário. A cultura se desenvolve através de vicissitudes e transformações intermináveis, tal como o germe, o tronco e a raiz, as folhas e, finalmente, as flores e os frutos crescem — crescem da terra, presos à terra e às suas energias fisiológicas, positivas e negativas.

Por fim, a semente se forma dentro do fruto, e, quando isto acontece, a planta sazonal já começa a morrer. O tronco se enrijece. A cultura se transforma num conjunto de fórmulas estereotipadas de pensamento, de sentimento e de comportamento. Então, a semente cai no solo. As folhas já começam a se desintegrar na terra, para mais tarde se transformarem em adubo que libera substância química — elementos coletivos — para alimentar a nova planta que surgirá ao chamado da nova Primavera. Mas a semente não se desintegra. Ela vive, e esta vida é uma vida de totalidade concentrada e relativamente permanente, pois a semente contém em potencial a soma total das características e do poder da espécie.

A civilização viva é a semente do Homem, mas também é o processo que chama a semente à existência — o processo de individuação, e o processo no qual a semente morre como semente para que a nova planta possa existir — o processo de sacrifício. A civilização viva é o princípio criativo operando através da raça humana como um todo. Está especialmente manifestada no "último momento" do ciclo — quando tudo o que é vivo e fiel ao padrão arquetípico que está no começo é reunido numa síntese seminal, o alimento para uma humanidade ainda por vir. De acordo com o simbolismo profético, dois terços se perderão — isto é, desintegrar-se-ão como folhas e galhos e até mesmo como frutos. Mas um terço será salvo. Estes constituirão a semente — os Shistas: aqueles nos quais e através dos quais o princípio criativo tocará uma nova sinfonia de vida, quando a Primavera fizer o chamado e liderar a apresentação.

Estes atores que, como um grupo, constituem a semente, a orquestra, são aqueles que se tornaram "separados"; aqueles que passaram por um "segundo nascimento" — nascimento que sai do domínio das folhas decadentes para o da semente consagrada. Estes indivíduos eventualmente são treinados para executar seu trabalho em grupo. São treinados individualmente e como um grupo. Eles não deverão ser solistas, mas instrumentistas de uma orquestra. Precisam abrir mão de algo de sua "personalidade" (no sentido usual do termo) para que possa nascer uma "personalidade grupal": a orquestra. Precisam agir assim, caso pretendam permanecer na orquestra, porque a orquestra algum dia deverá executar uma partitura sinfônica.

Uma partitura é uma fórmula de relacionamento, um padrão de entidades simbólicas, chamadas notas musicais. Uma partitura é a raison d'être e o propósito da apresentação, e da orquestra. A partitura é a entidade abstrata, que é a forma da personalidade do grupo, que é a orquestra. Podemos imaginar que a orquestra seja reunida e treinada para executar apenas uma partitura sinfônica. Se for assim, então essa partitura é o arquétipo estrutural da personalidade do grupo que é a orquestra. Pois é a partitura que determinará quais instrumentos são necessários, e onde e quando cada um deverá tocar, para executar a parte que lhe é reservada.

E verdade que relacionamentos pessoais (amizade, antipatia etc.) poderão se desenvolver entre os instrumentistas como seres humanos dotados de emoção; mas tais relacionamentos precisam sujeitar-se sempre à meta única da personalidade grupal da orquestra: a execução da partitura. O conjunto básico e permanente dos relacionamentos entre os executantes é o determinado pela partitura a ser tocada. E um relacionamento arquetípico de trabalho e de propósito — um relacionamento criativo, e não um relacionamento pessoal ou individual-coletivo de sentimentos, dependendo em grande parte de humores e da influência sempre mutável de condições naturais ou momentâneas.

Uma ilustração como essa — suficientemente precisa — mostra de forma muito clara o papel que a astrologia pode ter no processo da cultura viva, e especialmente no processo de reunião, no futuro, de executantes, que por sua vez precisarão tornar-se "individuados" numa personalidade grupal: a orquestra. A astrologia revela a partitura da sinfonia e o lugar que cada instrumentista precisa ocupar na orquestra.

O tipo de astrologia que pode revelar a partitura de uma civilização por vir ainda não é conhecido, ao menos das pessoas comuns da geração presente. Não nos cabe dizer se alguns "adeptos" têm essa capacidade ou não. Mas tocamos no assunto de uma astrologia planetária como essa referindo-nos ao "criativo planetário" em nossos capítulos "A Chave para o Simbolismo Astrológico" e "Uma Classificação de Pontos de Vista Astrológicos". É duvidoso ser possível dizer muito mais que isso atualmente, mesmo podendo existir — e existem, se acreditarmos em A doutrina secreta de Blavatsky — homens que em todos os tempos foram treinados no conhecimento dos enredos dos ciclos planetários e cósmicos. O grande ciclo polar e suas assim chamadas eras zodiacais — tais como as eras pisciana e aquariana — indicam muito amplamente as características de grandes civilizações, à medida que elas crescem e decrescem nos continentes, que são seus corpos físicos. Recentemente têm sido feitas tentativas das mais interessantes para correlacionar as eras precessionais e civilizações passadas, e relacionar os signos zodiacais com as zonas de longitudes geográficas. Mas as afirmações são conflitantes, e a chave final pode ainda não ter sido descoberta. Ela pode depender da consideração da divisão em 7 ou 70 do grande ciclo polar, como já sugerimos, mais que da divisão, em doze partes, do movimento precessional dos equinócios ao longo do cinturão zodiacal equatorial, ou, ainda melhor, de uma correlação desses dois pontos de vista.

Mas existem outros ciclos planetários que são tão importantes quanto aquele que é criado pelo giro do eixo polar da Terra em cerca de 25.868 anos. Um ciclo de 10.000 anos, que simbolicamente poderia ser chamado ciclo do Buda, porque lida com o processo planetário da, digamos, "individuação cósmica" — novamente, um símbolo! —, foi sugerido na literatura teo- sófica durante a vida de H. P. Blavatsky (cf. The Mahatma Letters). Presumivelmente este ciclo refere-se à mesma coisa — no nível planetário — que o nosso já estudado ciclo de 28 anos, no nível da personalidade humana. E a diferença que existe entre três ciclos de 10.000 anos e o ciclo polar de 25.868 é a mesma que entre três ciclos de 28 anos e a medida tradicional de "três vintenas mais dez" da duração da vida do ser humano.

Cinco mil anos se passaram desde aquilo que os brâmanes chamam "o início do Kali Yuga" (3102 a.C.). Dois mil e quinhentos anos se passaram desde a vinda do Buda (cerca de 602 a.C.). E o ano de 1898 (ou o período de 1891 a 1898, que presenciou a morte de H. P. Blavatsky, bem como de Baha'u'llah) é tido como a marca do início de uma nova era — uma era que pode ser concebida como o período de gestação espiritual, ou talvez a primeira infância de um novo tipo de Individualidade humana no nível psicomental. 0 diagrama abaixo interpretará um ciclo assim em termos do horóscopo astrológico convencional, e pode ser interessante para mentes interessadas com tal simbolismo cósmico. Com base em tais ciclos planetários, poderá ser tentada, algum dia, uma nova história espiritual da humanidade. Mas nosso conhecimento dela, obviamente, é muito incompleto no presente.





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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.


terça-feira, 23 de agosto de 2016

Astrologia e Processo de Individuação, por Dane Rudhyar



A formulação de uma técnica por meio da qual a astrologia pudesse servir de fator essencial no processo de individuação está fora do escopo deste livro. E até mesmo duvidoso se a humanidade em grande escala está preparada para fazer uso construtivo de uma técnica potencial de integração como essa. Como no caso de todas as assim chamadas técnicas esotéricas de desenvolvimento espiritual ou integração da personalidade apresentadas em grupos teosóficos, ou rosa-cruzes ou "ocultistas" em geral, parece ser necessário que os que utilizam uma técnica como essa procedam de modo constante e cuidadoso, o que requer algum tipo de orientação pessoal ou ao menos alguém que responda perguntas e avalie resultados — fisiológicos bem como psicológicos. Isto não significa que as técnicas de integração sejam misteriosas ou envoltas em glamour. Ao contrário, elas são procedimentos muito prosaicos, mas, em termos relativos, são processos psicológicos forçados, que dependem, em sua maior parte, do uso da imaginação criativa — e podem "dar errado" com a mesma facilidade que qualquer tipo de psicanálise. A não ser que aqueles que tentem já estejam integrados em suas profundezas, ou estejam prontos para prosseguir persistente e constantemente "até o fim", seria muito melhor que nem sequer começassem.

Isto é bem evidente mesmo onde apenas esteja em jogo o uso do simbolismo astrológico e a leitura casual de cartas de nascimento e de progressões. Um pouco de conhecimento astrológico é uma das piores coisas que pode acontecer a alguém que não esteja estabelecido solidamente em seu próprio existir como self. O principiante habitual de astrologia muitas vezes adquire as noções mais extravagantes. Ele ainda não digeriu os fundamentos da astrologia — como são poucas as pessoas que realmente o fizeram! e já está manipulando promiscuamente, em casa e na companhia de seus amigos, ácidos e explosivos psicológicos. Que não ocorram maiores danos se deve apenas ao fato de que mesmo aqueles que leem a respeito de astrologia ou a estudam vagamente não acreditam nela num sentido vital. Estão portanto protegidos por sua descrença relativa.

Qualquer uso deliberado de símbolos astrológicos, da carta de nascimento e das progressões de alguém com propósitos profundos e vitais, envolveria perigos psicológicos ainda maiores. Isto jamais deveria ser tentado, a não ser que se esteja solidamente embasado e convencido da validade da atitude que desenvolvemos — demasiado brevemente — neste livro: a atitude simbólica. Por esta razão, não podemos apresentar nestas páginas um quadro muito coerente e menos ainda completo do modo pelo qual a astrologia poderia ser usada deliberadamente como uma técnica de individuação. No entanto, podem ser oferecidas várias sugestões e pontos de orientação, e as citações de alguns panfletos nossos a respeito de astrologia harmoniosa e psicologia harmoniosa que se seguem poderão provar ser de utilidade:

Vivemos num mundo de símbolos. Cada objeto que nos rodeia, cada forma de Inteligência, cada alma, é um símbolo. O Princípio Criativo produz formas viventes perpetuamente, formas que são verdadeiras obras de arte, representações simbólicas de um ou de outro dos aspectos infinitamente variados do Ser universal, todo-abrangente.

A psicologia contemporânea lida essencialmente com a interpretação de símbolos. Tenta libertar a psique humana das imagens depressivas e pervertidas do subconsciente da raça, isto é, de interpretações erradas dos símbolos essenciais da vida humana — seja individual ou coletiva — criadas pelo passado.

Para poder libertar em cada indivíduo a capacidade de interpretação desimpedida dos símbolos de seu próprio viver, portanto para devolver à pessoa a liberdade de interpretar a vida espontaneamente, em termos de seu próprio centro criativo de viver, a nova psicologia recorre a sonhos e outras representações simbólicas do inconsciente, pois neles poderão ser encontradas as imagens espantosas, os retratos auto-reveladores, que estabelecerão um contato entre a personalidade confusa, inibida e sua fonte criativa. Quando este contato ocorre, quando esta revelação das atividades criativas submersas do centro vital interno leva a alma a perceber sua própria identidade semelhante a um deus, inicia-se um processo que queima o resíduo e as cristalizações do passado e libera as energias criativas da identidade livre. Isto é liberação.

A consciência do homem, escravizada por fetiches de todos os tipos, s6 pode ser liberada pelo poder de criar símbolos perpetua e espontaneamente e assim dar significado e nobreza à vida. Este é o segredo da Arte de Viver. É o fundamento da verdadeira psicologia. S6 o criador é livre, porque s6 ele não depende do simbolismo do passado, mas é capaz de viver no ato de criar sempre novos símbolos.

Este processo de liberação pode ser iniciado pela quebra da hipnose do passado e libertando o individual de seu hipnotizador, o são importantes. O que importa são os significados que lhes atribuamos. É somente dando aos eventos o significado centrado em nossa própria alma que os tornamos reais. Não existe nenhuma realidade, exceto aquela que criamos pela própria atividade do viver contínuo. Portanto eventos não acontecem, nós acontecemos; nós os tornamos construtivos ou destrutivos. Portanto nós precisamos saber o que somos mais que saber o que os eventos poderiam ser. A Astrologia Harmônica lida com a Forma do Homem integral, com os símbolos de sua totalidade de ser, com o arquétipo de seu destino na Terra. É o meio pelo qual a Imagem da alma pode ser interpretada, delineada e manifestada à consciência pessoal externa. Portanto ela é capaz de dar início ao processo criativo de combustão interna e repolarização que — se o indivíduo realmente tenciona realizar a tarefa de regeneração — leva à liberação. Levará à liberação não em virtude de algo externo entrando no indivíduo, mas por meio do poder que a forma verdadeira da alma possui de compelir a imagem embaçada da personalidade a moldar-se à semelhança de seu arquétipo, uma vez que este seja retirado do Inconsciente para o Consciente, onde ele começa a operar como realidade criativa.


A abordagem acima deste assunto é complementada pelo ponto de vista descrito nos parágrafos seguintes, que formulam de modo conciso ideias que podem ser encontradas espalhadas neste livro:

A Astrologia Harmônica lida unicamente com o problema da forma. Portanto, é um fundamento seguro para a "arte de viver" . Lida com forma não como mero elemento estético, mas como um vaso de integração para forças em evolução. Assim a filosofia da astrologia é a filosofia da forma. Ninguém pode aproximar-se das descobertas da astrologia de um modo completamente integrativo se não tiver entendido o propósito da forma na vida, e os resultados alcançados pela vida na construção, manutenção e desintegração de formas. Pode-se dizer que tudo em astrologia gira em torno dessa operação tríplice.

O que é um corpo humano? É uma forma relativamente permanente, na qual forças biológicas são focalizadas e levadas a servir a um propósito único. Circulação, digestão, respiração, reprodução constituem processos funcionais resultantes da harmonização e integração de muitas forças vitais. Quando se instala a desintegração, e a harmonia das forças operantes no corpo é perturbada, ocorre doença e por fim morte.

Eras de evolução terrestre, coletiva, trouxeram o corpo humano a um ponto de relativa perfeição como um todo orgânico. Mas a evolução do organismo psicomental, ou Abna, do ser humano está muito longe de ter atingido esse ponto, em termos genéricos. O ser humano deveria ser o construtor de seu organismo psicomental. Ele é construído pela harmonização e integração de elementos coletivos, `forças da alma", tudo que herdamos no nascimento ou assimilamos ao longo da vida — de forma que estes elementos se transformam numa "teia orgânica de energias" convenientemente diferenciadas e inter-relacionadas: um todo vivente, cuja totalidade é o self (no sentido dado por Jung a este termo).

O ser humano deveria ser o harmonizador das forças de seu Destino, o construtor de seu próprio "Templo de Salomão" . Mas como ele pode fazer isto permanentemente, a não ser que conheça: 1) a natureza das energias com as quais precisa lidar e as leis de suas atividades cíclicas; 2) o plano da construção? Se ele não conhece aquelas, provavelmente naufragará no fluxo inesperado das energias; se não viu o plano da construção, como pode saber onde colocar os materiais que assimilou? Ele provavelmente construirá uma parede onde deveria haver um pilar, e escavará buracos sob colunas destinadas a suportar o peso de cúpulas.

A astrologia nos ajuda a ver — ao menos intelectualmente — a visão de nossa Forma arquetípica. Ela nos diz o que fazer com as energias que trabalham em nós ao longo de nossos dias, não como destruí-las ou "regê-las" com mão de ferro, mas como equilibrá-las umas com as outras; ensina-nos especialmente que essas energias não têm o direito de usurpar as prerrogativas de nosso self e de se proclamarem a si mesmas como "eu" — pois elas são partes e não o todo, e "eu" — quando verdadeiramente entendido e operando — é a totalidade do todo. O "eu" real no entanto é a totalidade não tanto dos conteúdos de nosso ser total, quanto da forma arquetípica desse ser total. Nesse sentido, é um `eu" relativamente imutável. De fato ele é a mônada, a qualidade abstrata que nós somos, como manifestações particulares da vida universal. Este "eu" — a essência de nossa Forma Arquetípica — no entanto não é real até que sua Forma arquetípica seja transformada num organismo substancial — tanto no nível físico quanto no psicomental.


Muito do que foi dito acima pode precisar ser entendido num sentido puramente simbólico, mas uma idéia deveria emergir claramente, e esta é a ideia de que a carta de nascimento de um indivíduo é a "assinatura" da identidade cíclica, a Forma ou Imagem de sua divindade essencial. Considerada como um todo, ou seja, esteticamente, ela é o símbolo daquilo que o indivíduo almejar ser. Portanto é seu "talismã mágico". Enquanto personalidade flutuante e em evolução, ele precisa identificar-se com a totalidade de sua carta de nascimento. Mas — e isto é essencial — a carta-natal nunca deverá ser considerada indicadora de conteúdos vitais, mas apenas como uma estrutura de identidade. Nenhum planeta jamais deveria ser considerado uma entidade ou coisa em si, representando certos conteúdos vitais, pois identificar-se com um planeta destruiria — ou ao menos tenderia a destruir — a totalidade da personalidade. A identificação só pode se referir ao Padrão da carta como um todo.

Esta distinção é absolutamente essencial, pois todo o mal (temporário) de uma vida surge do fato de um tipo de energia na personalidade ter se fortalecido tanto a ponto de impor sua vontade sobre a personalidade inteira. Então dizemos: "Eu odeio", "Estou com raiva", "Amo", que mostra a identificação do "Eu" com uma função ou energia da psique. O homem que está integrado não está mais sujeito a tais acidentes ou catástrofes. Ele pode dizer: "Existe ódio, ou raiva, ou amor surgindo em mim. Mas eu — a essência da Forma arquetípica — vejo e observo esta agitação; e devo contrapor a ela o peso combinado das outras funções que estão operando dentro de mim, e assim a harmonia total do todo do qual sou a totalidade não será perturbada; terá havido apenas um reajustamento de equilíbrio de forças — e esses reajustamentos são frutíferos, pois ajudam a evitar as cristalizações de uma determinada combinação interna de energias ou funções. Se sou um tipo fortemente intelectual, devo dar boas-vindas a uma forte agitação emocional, pois ela dará à minha função intelectual algo para fazer além de elaborar pensamentos intelectuais sobre isto ou aquilo. Ela os forçará a se combinarem com forças de minhas profundezas há muito tempo não utilizadas, para equilibrar o surgimento da emoção forte, e isto vitalizará meu intelecto".

Harmonizar — nunca destruir. A emoção forte significa poder. Ela convoca conteúdos vitais das profundezas orgânicas vivas. Estes conteúdos são necessários para a completação da personalidade. Tudo que existe é necessário - mas em seu lugar apropriado e com ênfase apropriada em relação ao propósito do todo. Uma pessoa menos qualquer coisa não pode tornar-se um "deus". Nem se tiver excesso de alguma coisa. A personalidade plena é um organismo, isto é, um todo equilibrado, operativo.

Podem existir, ou melhor, existem outros caminhos em direção a estágios de vida que podem ser chamados transcendentes ao homem, como o conhecemos. Se postulamos o principio de que qualquer todo eventualmente deverá encontrar-se como parte de um Todo maior, então o destino humano é operar como uma parte no "Indivíduo Maior" — embora possamos escolher, definir e circunscrever este "Indivíduo". Se isto for verdade, então podem existir vários "caminhos" pelos quais pode ser efetuada esta identificação do "indivíduo menor" como tal com a função que ele pode ou deveria ocupar no "Indivíduo Maior". Assim o ocultismo menciona diversos "caminhos" de desenvolvimento espiritual, diversos margas ou yogas, segundo os quais o homem pode chegar mais próximo de urn nível cósmico de funcionamento dentro do "Indivíduo Maior".

Seja como for, a abordagem que estamos enfatizando neste livro — e que acreditamos ser a abordagem típica e natural do ponto de vista astrológico — pode ser resumida pelas palavras: harmonização, integração, completação. Ela se baseia numa compreensão de forma, num equilíbrio, operação equilibrada e síntese. Ela é coroada e adquire significado pelo trabalho do criativo, o único através do qual o conflito entre o individual e o coletivo é resolvido — resolvido por ação significativa, simbólica, criativa, liberadora de poder. Envolve o uso de imaginação criativa. Envolve uma abordagem estética em contraposição à ética. Exige do indivíduo que tenha a coragem de se colocar como indivíduo, de assumir responsabilidade consciente, de encarar o futuro como um pai — e (falando misticamente) como um sacrifício ao ciclo que será introduzido através de seu ato criativo. Exige, além disso, compreensão — e beleza: intuição e autocultura. Sendo um todo criativo, ele deveria saber como enfrentar, como um todo, situações inteiras: o que significa intuição e aquela compreensão que ultrapassa a intelecção. Sendo um projetor de sua própria imagem, deveria atender ao dever que toda pessoa precisa revelar, e projetar em sua própria vida o máximo de beleza — de corpo, alma e mente — de que sua herança o tomou capaz.

Este é o caminho da integração da personalidade, o caminho do significado criativo, o caminho da liberação de poder através da Forma. A qualidade oculta deste caminho pode ser procurada nos números 1, 4, 7, que por adição cabalista somam — como já vimos — 28. Símbolos novamente. Mas a intuição é desenvolvida pela utilização de tais símbolos. Intuição leva à verdadeira "vidência" — e o vidente é aquele que vê em cada coisa da Vida um significado vivo. Todas as coisas lhe revelam suas formas arquetípicas, suas "cartas de nascimento" essenciais. Todas as coisas são conhecidas por seus "nomes" vitais. E somente isto dá poder a um ser humano, pois dar o nome correto é ter poder sobre a coisa ou sobre o processo nomeado — e também é compreender com aquela "compreensão criativa", e só ela, como Keyserling revela tão belamente, pode dar à luz ao "novo mundo", pelo qual todos os homens de compreensão, nobreza e visão espiritual não só anseiam, mas trabalham.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Os Pontos de Vista Astrológico e Psicológico Correlacionados, por Dane Rudhyar



Primeiramente remetemos o leitor ao capítulo: "Individual, coletivo,. criativo" etc., no qual se estabelece a base para uma correlação entre astrologia e psicologia analítica, e também ao capitulo precedente, no qual os elementos básicos da psicologia de Jung estão sucintamente descritos. Naquele produzimos uma fórmula que define as várias fases de qualquer ciclo e de todos os ciclos de vida e isolamos os três termos básicos do ciclo: começo, meio e fim, correspondendo ao Um-que-é-no-começo — o processo do vir-a-ser —, a síntese-seminal. Sem tentar repetir nossas afirmações, podemos agora dizer que a principal diferença entre as abordagens astrológica e psicológica é que, enquanto esta não vê nada além do "processo de vir-a-ser-inteiro" enquanto se desdobra em duração bergsoniana através de miríades de transformações, a primeira afirma que a totalidade última alcançada no final do processo já está lá no próprio início do processo, mas apenas como um ideal abstrato e uma mera potencialidade.

Se nos remetemos à trindade de elementos que então definimos — qualidade, estrutura e substância —, podemos perceber que qualidade ou mônada inicial se relaciona com, ou é projetada em, elementos substanciais que lentamente se organizam como corpos orgânicos através de um processo evolutivo. Este processo perdura ao longo do ciclo e termina, se bem-sucedido, no aperfeiçoamento de um corpo (no nível fisiológico) e de uma Alma (no nível psicomental), que são a própria exteriorização e manifestação da mônada inicial, agora operando como o self. Assim, o começo e o fim são idênticos no que se refere à qualidade, mas no fim esta qualidade está plenamente manifestada num corpo substancial, enquanto no começo é apenas uma potencialidade abstrata.

Do ponto de vista do espírito (unidade), o propósito do processo é dar à mônada uma nova experiência criativa e completar relacionamentos incompletados no ciclo ou ciclos passados. Do ponto de vista da substância (multiplicidade), o propósito do processo é organizar os muitos elementos que constituíam os resíduos de ciclos passados num corpo perfeito construído à semelhança de Deus, a mônada. Do ponto de vista da estrutura, ou forma, ou mente, o processo é uma experiência estética de beleza e ritmo.

A psicologia analítica assume o ponto de vista da substância, como o fazem todas as ciências empíricas. Ela lida com o processo permanentemente mutante da relação entre o individual e o coletivo. Todos os conflitos psicológicos, repressões, sublimações e assimilações são resultados da elaboração deste processo, assim como toda evolução. Mas a qualidade inicial, anterior ao processo, não muda fundamentalmente. A estrutura individual que exterioriza esta qualidade não muda ao longo da duração do ciclo. A totalidade do fim está latente na mônada do começo. Não está apenas latente. Está de fato trabalhando no próprio coração do processo como poder central de individuação. A energia do Um opera no núcleo de cada um dos Muitos gerados por este Um — mesmo que os Muitos não o saibam. Portanto, num sentido definido, a totalidade do futuro todo está atuando na construção progressiva desse todo. Passado e futuro como um operam dentro do presente. O final do processo está latente no começo, mas apenas se o processo for bem-sucedido. E ninguém pode dizer se ele será ou não bem-sucedido num determinado ciclo.

Estas últimas sentenças contêm uma orientação fundamental quanto à natureza e ao valor da astrologia. Mais que isto, elas são a chave para uma reconciliação entre dois antigos inimigos: livre-arbítrio e determinismo. Eles estão implícitos na filosofia do Tempo que esboçamos na primeira parte deste trabalho.

Escrevemos que toda mônada é a projeção criativa de um momento, o momento inicial do ciclo da mônada. A potência do momento se exterioriza em mônadas, que naquele exato momento iniciam seus ciclos individuais de vir-a-ser. É como se o Tempo tivesse um saco de sementes, do qual caíssem, a cada momento, sementes que se formariam à semelhança da natureza daquele momento. Cada semente é uma potencialidade dinâmica e estrutural de existência. Cada uma delas cai, como unidade individual (mônada), no solo do coletivo, assim como momentos caem no passado. Todas estas sementes recebem a atuação de uma multiplicidade de influências, que ou ajudam ou dificultam o processo de seu desenvolvimento, de potencialidade para a realidade, de semente para planta completada e florescente.

Miríades de sementes nunca se desenvolvem. Miríades de sementes começam a desenvolver-se, mas o crescimento é atrofiado, frustrado ou interrompido pelo insucesso na elaboração da relação entre sua existência como self individual e o coletivo. Isto equivale a dizer: as personalidades são atrofiadas, frustradas ou destruídas. Na personalidade existe uma certa quantidade de livre-arbítrio, desde que a mônada (que 6 atividade criativa pura, livre e espontânea) seja ativa — isto é, à medida que o fator individual domine o coletivo.

Se a semente se desenvolve até ser uma planta completa, então não há como a planta ser em realidade outra coisa que não aquilo que a semente era em potencialidade — mesmo assim a planta pode ser mais ou menos perfeita e forte em suas proporções. Não há nenhum agente externo ou Deus que determine de' antemão: 1) se existirá na realidade uma planta plenamente crescida; 2) quão perfeita esta planta crescida será, se o for. Mas a semente determina a estrutura orgânica e as características da planta terminada.

A bolota não é livre para tornar-se uma macieira, e a semente do carvalho tem certeza absoluta de ser uma bolota. Mas ninguém pode dizer se uma determinada bolota virá a ser um carvalho. Isto pode nem mesmo ter importância. O que parece importar é que um certo número de bolotas manterá a espécie do carvalho em manifestação, talvez numa força numérica definida. De modo semelhante, livros proféticos, por exemplo, costumam dizer que um terço dos homens será salvo, dois terços, perdidos. Não parece importar muito quem em particular será salvo ou perdido — ao menos não para o todo da espécie. Importa muito, é claro, para o indivíduo que é livre para escolher — livre para escolher se virá a ser aquilo que ele potencialmente é, ou não. Ninguém nunca é Ivre para tornar-se com êxito aquilo que não é. Tornar-se aquilo que não se é significa não ser nada. Tanto a realização de potencialidades quanto o fracasso são inerentes à mônada (portanto ao momento de nascimento). Estas potencialidades inerentes à mônada e ao momento de nascimento podem ser encontradas simbolizadas na carta de nascimento.

A maioria das pessoas tem uma concepção "individualizada", mas não "individuada" de "liberdade". Liberdade é a capacidade inerente de completar as características potenciais de nossa existência como self individual. Não é o poder de fazer o que nos agrada. Pois "agradar", aqui, refere-se meramente ao ego em seu estágio de rebelião contra quaisquer conteúdos de vida. Essa rebelião muitas vezes significa o desejo de fazer as coisas mais estúpidas e sem significado. Isto não é liberdade, mas o resultado daquela fase de "individualização" puramente negativa e separativa. "Eu não tenho nada que ver com os valores coletivos", diz o indivíduo que está para desabrochar. Mas o indivíduo maduro, por outro lado, diz: "Devo trazer o coletivo à focalização de meu próprio ser, e dar-lhe meu próprio significado".

A carta de nascimento de um indivíduo é o símbolo de sua liberdade, porque é o símbolo daquilo que ele é. Quanto mais livre um indivíduo, mais perfeita e nitidamente (nítido quanto aos contornos) ele é aquilo que é, mais clara é a forma de seu self individual, e portanto de seu comportamento. O coletivo sempre tende a embaçar os contornos de qualquer ser individual. Portanto, trabalha contra a liberdade do indivíduo, a não ser que o indivíduo possa "assimilar" os conteúdos coletivos do seu meio ambiente e de sua ancestralidade — isto é, a não ser que possa fazê-los "similares" àquilo que ele é essencial e arquetipicamente. Esta é uma tarefa enorme em nossa Era da Escuridão, ou, como dizem os hindus, Kali Yuga, uma tarefa cuja natureza e magnitude dificilmente são reconhecidas, mas que mesmo assim condiciona todo o desenvolvimento espiritual da personalidade e o sucesso do indivíduo em ser ao mesmo tempo fiel a seu padrão estrutural de identidade e rico de conteúdos de vida — tudo o que teve de ser assimilado.

Estas considerações determinam o escopo da astrologia. A carta de nascimento revela a estrutura potencial da mônada, isto é, o elemento puramente individual no nativo; portanto o elemento de liberdade e significado, que é o dote espiritual de todo ser humano. Mas a carta de nascimento não revelará se esta potencialidade virá a ser um fato, se esse processo de individuação será ou não bem-sucedido. Mesmo assim, conforme já escrevemos nos capítulos sobre "Progressões", a carta de nascimento revelará qual será a forma e a qualidade da Alma, se vier a ser; revelará também quais os ciclos gerais de desdobramento da personalidade e suas crises de crescimento. Mas nunca poderá dizer, a partir de fatores puramente astrológicos, e excetuando faculdades proféticas, se as crises serão enfrentadas com sucesso e, caso o sejam, quais serão os resíduos psíquicos acumulados no inconsciente pessoal como consequência do desgaste e da tensão.

Aquilo que a astrologia não pode revelar com bases puramente astrológicas, a psicologia analítica muitas vezes pode inferir dos dados que investiga. O analista lida diretamente com a personalidade, à medida que ela se transforma e se transformou. E se a personalidade chegou a uma certa idade e caso seu ser individual tiver sido pouco ativo, o analista pode deduzir com bastante precisão como será o restante da vida. O astrólogo poderia dizer ao analista quando virão as próximas crises, mas não poderá informar, a partir apenas da carta de nascimento e das progressões, como a personalidade enfrentará essas crises. O analista não pode dizer quando as crises virão, mas pode suspeitar como a personalidade enfrentará certas crises inevitáveis. Em outras palavras, o astrólogo e o analista olham dois aspectos diferentes do ser humano total. Seus pontos de vista são complementares. E complementam-se da mesma maneira que a ciência empírica e a religião (ou ocultismo) se complementam.

Essa afirmação não invalida as conclusões de capítulos anteriores quanto à analogia existente entre a relação da matemática com a física e a relação da astrologia com a psicologia analítica. Tanto a matemática (ou lógica) quanto a astrologia lidam com "forma pura", que existe apenas "no começo', como estrutura abstrata do futuro processo de vida. Por outro lado, física e psicologia analítica lidam com o domínio de fenômenos e do vir-a-ser, com as estruturas constantemente mutantes do processo de vida. "Forma" abstrata não evolui, mas "formações" evolutivas e corpos mudam constantemente — e assim, à luz do espírito (filosofia hindu), elas são o resultado da deterioração do ser e verdade primordiais — e, desse modo, são falsas e ilusórias. Mas, do ponto de vista da substância, "forma abstrata" é meramente uma ideia intelectual, um produto da vontade de estabilidade e de preservação inerente ao homem e que tantas vezes leva a uma fuga da realidade. Realidade, para a substancia, é o processo de um mundo em mutação. Mas, para o espírito, é a estrutura monádica imutável (imutável no que se refere ao ciclo inteiro).

Esta dualidade de ponto de vista é uma expressão do eterno dualismo inextirpável de todo o viver. Em Psychological Types, C. G. Jung estuda criticamente muitos aspectos deste dualismo básico — como, por exemplo, realismo e nominalismo na filosofia medieval. Ele ressalta que há duas atitudes basicamente irreconciliáveis, que são o resultado de dois tipos psicológicos fundamentais: introvertido e extrovertido.

Em outras palavras, ele tenta efetuar um tipo de reconciliação entre opostos de pensamento relacionando-os com as diferenças em tipos psicológicos. Tenta então mostrar como os impulsos básicos que motivam cada tipo podem ser integrados dentro da personalidade através da operação de urna "função transcendente", através da "fantasia criativa". Isto combina bem com nossa trindade de individual, coletivo, criativo. O introvertido é urna personalidade em que o equilíbrio de forças mostra uma ênfase no processo de individuação. O extrovertido é uma personalidade em que a coletivização é o processo dominante. Mas no verdadeiro "ato criativo", individual e coletivo se dão as mãos. As idéias coletivas do passado são focalizadas e individuadas no útero psicomental do criador e são liberadas ao mesmo tempo criativamente como novos elementos coletivos, como a "matéria da civilização", tornando-se assim, no foral, a própria substância da síntese última do Homem-total. No introvertido, a vida opera para dentro; no extrovertido, para fora. Mas no criador ela opera "em e através de". O criador, em seu nível mais elevado, é o que a sabedoria hindu chama de avatar. O avatar não é apenas a "hipótese" de um "Indivíduo maior". E a resposta a uma necessidade coletiva; é a resposta, por meio de um indivíduo, a uma necessidade coletiva que o indivíduo focalizou dentro de si mesmo — uma necessidade que ele superou, realizando-a.

Falando, agora, estritamente em termos de método prático, afirmamos que a astrologia poderia ser de máxima utilidade para o psicanalista, para o psiquiatra e também, é claro, para o educador que, se bem-sucedido, precisa ser antes de tudo — intuitivamente, se não intelectualmente — um psicólogo. Ela lhes daria alguma coisa objetiva na qual se apoiar e com a qual conferir dados subjetivos, tais como sonhos e os detalhes da história da vida de uma pessoa. Ela coordenaria todos estes dados subjetivos em termos de tendências estruturais da psique, tendências cujo ciclo de manifestação se tomaria objetivamente evidente com seus movimentos crescente e decrescente e seus momentos críticos. E verdade que o conhecimento prévio de crises psicológicas ou fisiológicas pode ser muito perigoso e desintegrador para a pessoa em que virão a ocorrer — perigosa à proporção que ela não é um indivíduo e, portanto, não é nem livre e nem criador de significados, mas seria de grande significado para o analista ou "conselheiro de vida", que neste século está tomando o lugar do padre confessor ou guru. Mesmo se tais "guias" forem dotados a priori de uma intuição aguçada — se forem "guias" verdadeiros! —, a carta de nascimento e as progressões daqueles que eles procuram guiar em direção à completação ainda assim seriam um acessório inestimável e um meio para conferir suas percepções intuitivas.

Isto pode ser ainda mais óbvio no caso do "psicólogo infantil.", pois aqui praticamente não há dados subjetivos para consultar, exceto os fornecidos pelos pais. As cartas de nascimento dos pais, quando correlacionadas à da criança, revelaria questões que só uma "análise" completa dos pais descobriria. Deveremos voltar a discutir este assunto de correlações entre duas ou mais cartas individuais, mas podemos ver de imediato como problemas conjugais seriam resolvidos muito mais facilmente se o psicólogo comparasse as cartas do marido e da esposa. Em muitos casos, o conhecimento obtido pelo psicólogo através de meios astrológicos — e, em termos gerais, por qualquer tipo de "curador" — não seria discutido como tal com o paciente, mas acrescentaria uma nova dimensão, por assim dizer, à compreensão do paciente que o analista obtém. Em outros casos, com pacientes convencidos da validade da astrologia, a referência a fatores astrológicos definidos provavelmente "marcaria ponto" de um modo mais impressionante que as sugestões usuais.

No entanto, nesses casos deveria estar claro que sempre que uma pessoa sente que planetas são entidades que a influenciam e fazem coisas, boas ou más, acontecerem, essa pessoa está psicologicamente machucada por essa convicção. Em termos psicológicos, o mesmo ferimento seria causado se a pessoa acreditasse estar sendo perseguida por um "mago negro" ou que um "irmão branco" lhe estivesse dando a salvação da alma ou outras dádivas de um ou de outro tipo. Todas essas crenças em poderes exteriores influenciando ou (como em geral é o caso) compelindo a personalidade desta ou daquela maneira constituem deteriorações da individualidade; levam à escravidão psicológica ou através da transferência do poder de iniciativa, ou, em termos coloquiais, por se "passar a bola" para alguma entidade fora de si.

Se Marte, enquanto planeta tangível, está influenciando você ou o está compelindo a ficar zangado, o que você pode fazer a respeito? Você pode lutar contra um planeta? Pode esconder-se dele? Talvez você faça como o brâmane que pensou em escapar de um aspecto planetário mortal ficando submerso em água durante o momento exato de maturação do aspecto — porque presume-se que a água seja um isolante de certas influências magnéticas planetárias — e que se afogou no processo. Talvez você tente "comprar" proteção de algum agente espiritual, igreja ou qualquer coisa. E o tempo todo o medo estará ali, trabalhando subconscientemente em você, ou mesmo de forma consciente — provocando exatamente as coisas temidas. Quanto mais um fator astrológico pernicioso for transformado numa entidade astrológica definida, maior o medo que se tem dele. Porque poderá parecer não existir nenhum recurso contra uma entidade assim — mesmo que se repita cem vezes: "O homem sábio rege suas estrelas!" Você pode "reger" um tornado ou um terremoto? Pode proibir um eclipse de ocorrer no dia de seu nascimento? Pode "reger" emanações cósmicas, ondas e coisas semelhantes, que fluem do Sol e "atingem" este ou aquele centro sensível de suas cartas — se forem forças reais, concretas, mensuráveis?

Realmente, não há nenhuma lógica no conceito — a não ser que este seja entendido como significando aquilo que Paracelso disse significai numa citação feita em nosso primeiro capítulo: "Os astros não nos forçam a nada que não estejamos dispostos a aceitar ... Eles são livres por si e nós somos livres por nós ... Nesse sentido, aquilo que é estabelecido pela astrologia simplesmente é uma correspondência holística e uma relação sincrônica de processo entre macrocosmo e microcosmo, entre a Pessoa universal, que alguns chamam de Deus, e a personalidade particular, que é o homem. Em outras palavras, o processo de vida atravessa o universal ao mesmo tempo que atravessa as miríades de particulares. Ambos estão como que encaixados no momento criativo, do qual o espírito no homem é a própria expressão. O momento opera através da mônada do homem e através da estrutura arquetípica essencial do homem (que é seu carmes). Aquele momento contém potencialmente o todo do padrão celeste de relacionamentos planetários e espaciais. Quando lemos a "carta dos céus", meramente lemos a estrutura simbólica do momento — e portanto de nosso próprio espírito, se o momento considerado for nosso primeiro momento de existência independente, isto é, o começo do ciclo de nosso self individual como um organismo integrando materiais terrenos.

Em outras palavras, o que nos "influencia" é apenas o momento, e acima de tudo nosso primeiro momento de existência como self. Podemos ler as características deste momento interpretando o padrão constituído pelos corpos celestes circundando o lugar de nosso nascimento; este padrão representa a projeção estrutural visível do Todo universal, à medida que este Todo — do qual somos uma parte — nos concerne. Mas nenhum corpo celeste material nos afeta como um indivíduo. O que atua sobre nossa personalidade — corpo e psique — é o poder criativo do momento. E esse poder criativo de nosso momento de nascimento é nossa própria mônada.

É claro que para nós há miríades de momentos que se seguem a este primeiro momento de existência como self. Tais momentos são partes de nosso "processo de vida" de desenvolvimento e precisam ser diferenciados do momento de nascimento, que é nossa mônada individual, e também do momento de morte, que é uma recapitulação e uma síntese. Eles acrescentam conteúdos a nossa personalidade, mas não alteram basicamente a estrutura arquetfpica de nossa existência individual como self.

Estes momentos do processo vital estão simbolizados na astrologia pelos trânsitos. E trânsitos não afetam a estrutura de nosso self individual; eles simbolizam o poder de modificar os conteúdos de nossa personalidade que cada momento sucessivo do processo vital, após nosso nascimento, tem. Tal "poder de modificação" não é destino! Não mais que o fato de cada estação milar. De uma variedade de alimentos você pode extrair, pela digestão, os mesmos elementos químicos básicos de que seu corpo necessita para poder preservar intacta sua estrutura orgânica. E verdade, algumas comidas podem fazê-lo engordar, outras causar males fisiológicos — e neste sentido você, enquanto organismo psicofisiológico, é afetado pelos alimentos que a estação e a localização geográfica oferecem. Mas se seu organismo for originalmente saudável, terá o poder de manter-se e funcionar criativamente com quase todo tipo de comida e em quase todo tipo de clima, pois o organismo saudável pode extrair o de que necessita da comida existente e, se necessário, transformar o que consegue de modo a adaptá-lo a seu propósito orgânico. Por exemplo: exploradores do Artico viveram exclusivamente de comida animal durante mais de um ano, seu organismo transformando quimicamente a proteína animal em elementos químicos que em geral são derivados do amido.

O mesmo se aplica a qualquer trânsito astrológico — porque se aplica àquilo que qualquer momento de nossa vida por assim dizer projeta em nossa personalidade psicofisiológica. Cada momento nos fornece "alimentos psíquicos" (ou, em termos mais gerais, experiências), cuja natureza podemos determinar por meio de um estudo do padrão de corpos celestes naquele momento. Alguns deles podem "concordar" mais conosco que outros. Alguns geralmente tendem a causar indigestão; outros, parecemos incapazes de assimilar ou até mesmo de ingerir. E assim a vida se torna mais ou menos satisfatória para nossos gostos pessoais.

Todavia, isto não significa destino, pois à proporção que formos originalmente inteiros (saudáveis) também seremos capazes de extrair do alimento de cada experiência os elementos psicológicos de que necessitamos para poder atender ao processo de completação de vida e individuação. E, portanto, naquela medida não somos afetados pelo poder dos momentos e somos livres deles — e de seus símbolos, os astros. Até a medida que formos inteiros como "indivíduos menores" — nesta medida não seremos afetados, e seremos livres do condicionamento que nos é imposto pela nossa posição no organismo do "Indivíduo Maior" do qual somos uma parte.

Mas e se não formos inteiros e originalmente saudáveis? Isto então se refere à nossa mônada e seu carena, e carena não é nada mais misterioso do que a estrutura arquetípica que exterioriza a qualidade particular dessa m6- nada, qualidade que, por sua vez, é uma expressão do primeiro momento de existência como self individual — o Um-que-é-no-começo. Esta é então nossa "fatalidade": de que somos o que somos. Obviamente o termo fatalidade neste sentido não tem muito significado. Em termos espirituais, não posso me perceber como aquilo que não sou. E claro que posso fazer imagens intelectuais de minha personalidade, sendo diferente daquilo que esta personalidade é de fato. Mas eu estou fazendo estas imagens, e não estou saindo de mim mesmo ao fazê-las. Estou apenas brincando com fantasmas coloridos, construindo castelos no ar; "compensando" certas condições psicológicas que são partes integrantes daquilo que sou. Portanto a "compensação" bem como todos os meus sonhos são partes integrantes daquilo que sou. Minha sensação de ser oprimido pelo destino é parte daquilo que sou. Simplesmente é a reação de algumas partes de meu ser total a outras partes com as quais elas estão em relação discordante ou dissonante.

Num outro sentido, esta é a mesma situação que Bergson discute no final de Creative Evolution, quando prova que não podemos conceber realmente o "caos". Caos para nós é sempre a ausência de uma certa ordem, e um tipo de ordem que compensa todos os tipos de ordem que normalmente esperamos. De modo semelhante, todas as coisas que "deveríamos gostar de ser" são meramente reações de certas partes de nosso ser total a outras partes dele, e essas reações em si são portanto partes de nosso ser total.

Em outras palavras, existência como self e destino são dois aspectos do mesmo todo, que, para utilizar termos modernos, é um continuum tempo-espaço dentro do continuum tempo-espaço maior que é o universo. Estes dois continuum interagem em todos os pontos, assim como todo e partes sempre interagem em cada ponto do organismo. Se uma parte é originalmente fraca, tenderá a quebrar facilmente sob pressão das demandas que lhe são feitas pelo todo. Por outro lado, por causa disto, o todo tenderá a proteger mais cuidadosamente aquela parte que é o elo fraco na corrente de seus relacionamentos orgânicos, e portanto é um ponto perigoso, um "calcanhar de Aquiles". Assim como já dissemos, uma carta de nascimento "fácil" significa pequena liberação de poder do Todo maior do qual somos partes; uma carta "difícil", uma maior liberação desse poder. O princípio de ação compensatória — básico para se considerar qualquer todo orgânico — está exemplificado aqui.

A sensação de fado, portanto, é apenas a reação de uma parte do ser todo a uma situação que a priori envolve essa própria sensação de fado. Ela é meramente uma sensação de pressão interna, tal como a sensação de liberdade é uma sensação de liberação externa. E uma sensação orgânica — em geral tanto no nível fisiológico quanto no psicológico, mas às vezes com ênfase num ou noutro. Permanece o fato: eu sou o que eu sou. Mas não nos esqueçamos de que esse ser-o-que-se-é se refere à forma do self, não aos conteúdos de personalidade. Essa forma pode ser tão universal e adaptável, que daria espaço para uma grande multiplicidade de conteúdos — de modo que a personalidade pode aparentar ser, realmente, todo-abrangente e todo-compreensiva em sua universalidade. Mas uma forma ela precisa ser, e essa forma é o condicionamento estrutural da totalidade, que é o ser self plenamente desenvolvido. Essa forma é a exteriorização da qualidade que emanou do momento que foi o ponto inicial do ciclo daquele eu-sou.

Por que então uma pessoa semelhante a Cristo e um ser humano desagradável podem nascer no mesmo momento — ou por volta do mesmo instante? Porque no primeiro caso a estrutura do self focaliza e libera energias universais do "Indivíduo Maior", enquanto no segundo caso tal estrutura é uma armadura pesada que não permite qualquer adaptação ao condicionamento universal e praticamente nenhuma assimilação de conteúdos vitais. Pode haver uma relativa identidade de estrutura (muitos patifes parecem-se a Cristo no que se refere à estrutura da cabeça), mas no primeiro caso aquela estrutura está cheia de luz gloriosa; no segundo, é vazia e carrega seu próprio peso. A astrologia pode determinar a partir de uma carta de nascimento se a personalidade que ela simboliza é brilhante de conteúdos universais ou vazia e escura? A astrologia não pode. É preciso mais que astrologia isolada e sem auxilio para poder dizer se uma carta se refere ao nascimento de uma vaca ou de um ser humano.

A astrologia não trata primeiramente de conteúdos vitais mas apenas da estrutura da entidade individual. Estritamente falando, é um sistema tão formal de conhecimento quanto a álgebra. Suas fórmulas se aplicam a quaisquer conteúdos — portanto, não incorporam o fado. Por esta razão a astrologia necessita da análise psicológica, que lida com conteúdos pessoais empiricamente determinados. A' astrologia é o elemento masculino: aquele que dá a fórmula. A psicologia é o elemento feminino: aquele que dá os conteúdos substanciais. Portanto, eles se complementam mutuamente na delimitação, e com o propósito de servir a integração do ser humano como um todo: a Pessoa Viva.


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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.

domingo, 21 de agosto de 2016

O Uso da Astrologia nos Processos de Individuação e de Civilização, por Dane Rudhyar



Esperamos que ao longo do todo de nossa discussão e reformulação da filosofia, do simbolismo e da técnica da astrologia, uma coisa se tenha destacado claramente: o fato de que a validade e o poder da astrologia dependem principalmente da maneira pela qual ela é levada a servir a meta universal de "mais totalidade" — a meta de individuação para o ser humano particular, a meta de Civilização Viva para a humanidade como um todo. Como um sistema de simbolismo coerente, a astrologia é um estudo intelectual dos mais fascinantes; como um sistema de adivinhação, é uma ferramenta notável para sondar a orla dos futuros eventos; como um fenômeno histórico, é única em nos permitir observar a mentalidade de culturas mais ou menos distantes — em espaço, bem como em tempo. Mas, mesmo assim, a não ser que a astrologia seja posta em uso como um revelador de significado vital e de padrões de relacionamentos orgânicos (ou, em termos gerais, holísticos), como meio de sondar as fórmulas secretas de todos os começos, tendo em vista levar-nos a um resultado melhor — em outras palavras, como técnica de integração da personalidade —, ela continua a ser mera especulação intelectual (como o seria uma álgebra que não pudesse ser aplicada a nenhum grupo de dados empíricos) — ou então um jogo perigoso de predição de futuro.

Expressamos esta visão de muitas maneiras e em vários lugares. Com base nela, demos ênfase à conexão entre astrologia e psicologia — e, se tivéssemos tido espaço para isto, poderíamos ter discutido as relações entre astrologia e todas as artes de cura física, ou então teríamos estudado o lugar que a astrologia poderia ocupar em outras artes, que todas juntas constituem o fundamento da "cultura" — da agricultura às belas-artes. Dizemos propositadamente "artes" e não "ciências". Pois a astrologia aplicada, sendo uma arte de interpretação baseada em: 1) dados científicos; 2) uma lógica de simbolismo —, lida essencialmente com a abordagem artística da vida, e não com a científica. Não existe uma real "ciência" de viver. Medicina, por exemplo, não é propriamente uma ciência, mas uma arte baseada na interpretação de dados cientificamente determinados. Psicologia analítica não é uma ciência, mas uma arte de interpretação de fatos empíricos cientificamente coletados e analisados. O termo ciência deveria ser reservado para as assim chamadas ciências exatas, tais como física, mecânica e astronomia, por um lado, e por outro para as ciências abstratas como a lógica e a matemática. Toda ciência aplicada se transforma numa arte sempre que é introduzido o elemento de interpretação individual. Quanto mais predominante ele é, mais verdadeiramente é uma arte — uma arte interpretativa.

Seja como for, o fato é que a astrologia, como a estudamos na segunda parte deste livro, está essencialmente relacionada com a psicologia, e seu principal propósito é contribuir para a completação bem-sucedida do Grande Trabalho do homem — aquele através do qual o homem alcança plenitude e totalidade operativa e, como resultado, se torna uma função orgânica ou célula dentro do Todo maior — o "Indivíduo Maior" ou o "Indivíduo Planetário" ou o Manu-Semente, ou o Logos, ou Deus — seja qual for o nome dado a este Todo maior seguinte, do qual a personalidade humana aperfeiçoada espiritualmente se torna uma parte. Nesta parte final, devemos definir, mais completamente que antes, a relação entre astrologia e psicologia, especialmente em termos do modo complementar através do qual ambas podem servir à meta acima definida. Devemos então delinear mais especificamente a contribuição da astrologia para a realização daquela meta: 1) para a personalidade humana no caminho da individuação; 2) com referência à nova civilização em formação e ao processo de formação de grupos que nela terá um papel tão importante.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.