A formulação de uma técnica por meio da qual a astrologia pudesse servir de fator essencial no processo de individuação está fora do escopo deste livro. E até mesmo duvidoso se a humanidade em grande escala está preparada para fazer uso construtivo de uma técnica potencial de integração como essa. Como no caso de todas as assim chamadas técnicas esotéricas de desenvolvimento espiritual ou integração da personalidade apresentadas em grupos teosóficos, ou rosa-cruzes ou "ocultistas" em geral, parece ser necessário que os que utilizam uma técnica como essa procedam de modo constante e cuidadoso, o que requer algum tipo de orientação pessoal ou ao menos alguém que responda perguntas e avalie resultados — fisiológicos bem como psicológicos. Isto não significa que as técnicas de integração sejam misteriosas ou envoltas em glamour. Ao contrário, elas são procedimentos muito prosaicos, mas, em termos relativos, são processos psicológicos forçados, que dependem, em sua maior parte, do uso da imaginação criativa — e podem "dar errado" com a mesma facilidade que qualquer tipo de psicanálise. A não ser que aqueles que tentem já estejam integrados em suas profundezas, ou estejam prontos para prosseguir persistente e constantemente "até o fim", seria muito melhor que nem sequer começassem.
Isto é bem evidente mesmo onde apenas esteja em jogo o uso do simbolismo astrológico e a leitura casual de cartas de nascimento e de progressões. Um pouco de conhecimento astrológico é uma das piores coisas que pode acontecer a alguém que não esteja estabelecido solidamente em seu próprio existir como self. O principiante habitual de astrologia muitas vezes adquire as noções mais extravagantes. Ele ainda não digeriu os fundamentos da astrologia — como são poucas as pessoas que realmente o fizeram! e já está manipulando promiscuamente, em casa e na companhia de seus amigos, ácidos e explosivos psicológicos. Que não ocorram maiores danos se deve apenas ao fato de que mesmo aqueles que leem a respeito de astrologia ou a estudam vagamente não acreditam nela num sentido vital. Estão portanto protegidos por sua descrença relativa.
Qualquer uso deliberado de símbolos astrológicos, da carta de nascimento e das progressões de alguém com propósitos profundos e vitais, envolveria perigos psicológicos ainda maiores. Isto jamais deveria ser tentado, a não ser que se esteja solidamente embasado e convencido da validade da atitude que desenvolvemos — demasiado brevemente — neste livro: a atitude simbólica. Por esta razão, não podemos apresentar nestas páginas um quadro muito coerente e menos ainda completo do modo pelo qual a astrologia poderia ser usada deliberadamente como uma técnica de individuação. No entanto, podem ser oferecidas várias sugestões e pontos de orientação, e as citações de alguns panfletos nossos a respeito de astrologia harmoniosa e psicologia harmoniosa que se seguem poderão provar ser de utilidade:
Vivemos num mundo de símbolos. Cada objeto que nos rodeia, cada forma de Inteligência, cada alma, é um símbolo. O Princípio Criativo produz formas viventes perpetuamente, formas que são verdadeiras obras de arte, representações simbólicas de um ou de outro dos aspectos infinitamente variados do Ser universal, todo-abrangente.
A psicologia contemporânea lida essencialmente com a interpretação de símbolos. Tenta libertar a psique humana das imagens depressivas e pervertidas do subconsciente da raça, isto é, de interpretações erradas dos símbolos essenciais da vida humana — seja individual ou coletiva — criadas pelo passado.
Para poder libertar em cada indivíduo a capacidade de interpretação desimpedida dos símbolos de seu próprio viver, portanto para devolver à pessoa a liberdade de interpretar a vida espontaneamente, em termos de seu próprio centro criativo de viver, a nova psicologia recorre a sonhos e outras representações simbólicas do inconsciente, pois neles poderão ser encontradas as imagens espantosas, os retratos auto-reveladores, que estabelecerão um contato entre a personalidade confusa, inibida e sua fonte criativa. Quando este contato ocorre, quando esta revelação das atividades criativas submersas do centro vital interno leva a alma a perceber sua própria identidade semelhante a um deus, inicia-se um processo que queima o resíduo e as cristalizações do passado e libera as energias criativas da identidade livre. Isto é liberação.
A consciência do homem, escravizada por fetiches de todos os tipos, s6 pode ser liberada pelo poder de criar símbolos perpetua e espontaneamente e assim dar significado e nobreza à vida. Este é o segredo da Arte de Viver. É o fundamento da verdadeira psicologia. S6 o criador é livre, porque s6 ele não depende do simbolismo do passado, mas é capaz de viver no ato de criar sempre novos símbolos.
Este processo de liberação pode ser iniciado pela quebra da hipnose do passado e libertando o individual de seu hipnotizador, o são importantes. O que importa são os significados que lhes atribuamos. É somente dando aos eventos o significado centrado em nossa própria alma que os tornamos reais. Não existe nenhuma realidade, exceto aquela que criamos pela própria atividade do viver contínuo. Portanto eventos não acontecem, nós acontecemos; nós os tornamos construtivos ou destrutivos. Portanto nós precisamos saber o que somos mais que saber o que os eventos poderiam ser. A Astrologia Harmônica lida com a Forma do Homem integral, com os símbolos de sua totalidade de ser, com o arquétipo de seu destino na Terra. É o meio pelo qual a Imagem da alma pode ser interpretada, delineada e manifestada à consciência pessoal externa. Portanto ela é capaz de dar início ao processo criativo de combustão interna e repolarização que — se o indivíduo realmente tenciona realizar a tarefa de regeneração — leva à liberação. Levará à liberação não em virtude de algo externo entrando no indivíduo, mas por meio do poder que a forma verdadeira da alma possui de compelir a imagem embaçada da personalidade a moldar-se à semelhança de seu arquétipo, uma vez que este seja retirado do Inconsciente para o Consciente, onde ele começa a operar como realidade criativa.
A abordagem acima deste assunto é complementada pelo ponto de vista descrito nos parágrafos seguintes, que formulam de modo conciso ideias que podem ser encontradas espalhadas neste livro:
A Astrologia Harmônica lida unicamente com o problema da forma. Portanto, é um fundamento seguro para a "arte de viver" . Lida com forma não como mero elemento estético, mas como um vaso de integração para forças em evolução. Assim a filosofia da astrologia é a filosofia da forma. Ninguém pode aproximar-se das descobertas da astrologia de um modo completamente integrativo se não tiver entendido o propósito da forma na vida, e os resultados alcançados pela vida na construção, manutenção e desintegração de formas. Pode-se dizer que tudo em astrologia gira em torno dessa operação tríplice.
O que é um corpo humano? É uma forma relativamente permanente, na qual forças biológicas são focalizadas e levadas a servir a um propósito único. Circulação, digestão, respiração, reprodução constituem processos funcionais resultantes da harmonização e integração de muitas forças vitais. Quando se instala a desintegração, e a harmonia das forças operantes no corpo é perturbada, ocorre doença e por fim morte.
Eras de evolução terrestre, coletiva, trouxeram o corpo humano a um ponto de relativa perfeição como um todo orgânico. Mas a evolução do organismo psicomental, ou Abna, do ser humano está muito longe de ter atingido esse ponto, em termos genéricos. O ser humano deveria ser o construtor de seu organismo psicomental. Ele é construído pela harmonização e integração de elementos coletivos, `forças da alma", tudo que herdamos no nascimento ou assimilamos ao longo da vida — de forma que estes elementos se transformam numa "teia orgânica de energias" convenientemente diferenciadas e inter-relacionadas: um todo vivente, cuja totalidade é o self (no sentido dado por Jung a este termo).
O ser humano deveria ser o harmonizador das forças de seu Destino, o construtor de seu próprio "Templo de Salomão" . Mas como ele pode fazer isto permanentemente, a não ser que conheça: 1) a natureza das energias com as quais precisa lidar e as leis de suas atividades cíclicas; 2) o plano da construção? Se ele não conhece aquelas, provavelmente naufragará no fluxo inesperado das energias; se não viu o plano da construção, como pode saber onde colocar os materiais que assimilou? Ele provavelmente construirá uma parede onde deveria haver um pilar, e escavará buracos sob colunas destinadas a suportar o peso de cúpulas.
A astrologia nos ajuda a ver — ao menos intelectualmente — a visão de nossa Forma arquetípica. Ela nos diz o que fazer com as energias que trabalham em nós ao longo de nossos dias, não como destruí-las ou "regê-las" com mão de ferro, mas como equilibrá-las umas com as outras; ensina-nos especialmente que essas energias não têm o direito de usurpar as prerrogativas de nosso self e de se proclamarem a si mesmas como "eu" — pois elas são partes e não o todo, e "eu" — quando verdadeiramente entendido e operando — é a totalidade do todo. O "eu" real no entanto é a totalidade não tanto dos conteúdos de nosso ser total, quanto da forma arquetípica desse ser total. Nesse sentido, é um `eu" relativamente imutável. De fato ele é a mônada, a qualidade abstrata que nós somos, como manifestações particulares da vida universal. Este "eu" — a essência de nossa Forma Arquetípica — no entanto não é real até que sua Forma arquetípica seja transformada num organismo substancial — tanto no nível físico quanto no psicomental.
Muito do que foi dito acima pode precisar ser entendido num sentido puramente simbólico, mas uma idéia deveria emergir claramente, e esta é a ideia de que a carta de nascimento de um indivíduo é a "assinatura" da identidade cíclica, a Forma ou Imagem de sua divindade essencial. Considerada como um todo, ou seja, esteticamente, ela é o símbolo daquilo que o indivíduo almejar ser. Portanto é seu "talismã mágico". Enquanto personalidade flutuante e em evolução, ele precisa identificar-se com a totalidade de sua carta de nascimento. Mas — e isto é essencial — a carta-natal nunca deverá ser considerada indicadora de conteúdos vitais, mas apenas como uma estrutura de identidade. Nenhum planeta jamais deveria ser considerado uma entidade ou coisa em si, representando certos conteúdos vitais, pois identificar-se com um planeta destruiria — ou ao menos tenderia a destruir — a totalidade da personalidade. A identificação só pode se referir ao Padrão da carta como um todo.
Esta distinção é absolutamente essencial, pois todo o mal (temporário) de uma vida surge do fato de um tipo de energia na personalidade ter se fortalecido tanto a ponto de impor sua vontade sobre a personalidade inteira. Então dizemos: "Eu odeio", "Estou com raiva", "Amo", que mostra a identificação do "Eu" com uma função ou energia da psique. O homem que está integrado não está mais sujeito a tais acidentes ou catástrofes. Ele pode dizer: "Existe ódio, ou raiva, ou amor surgindo em mim. Mas eu — a essência da Forma arquetípica — vejo e observo esta agitação; e devo contrapor a ela o peso combinado das outras funções que estão operando dentro de mim, e assim a harmonia total do todo do qual sou a totalidade não será perturbada; terá havido apenas um reajustamento de equilíbrio de forças — e esses reajustamentos são frutíferos, pois ajudam a evitar as cristalizações de uma determinada combinação interna de energias ou funções. Se sou um tipo fortemente intelectual, devo dar boas-vindas a uma forte agitação emocional, pois ela dará à minha função intelectual algo para fazer além de elaborar pensamentos intelectuais sobre isto ou aquilo. Ela os forçará a se combinarem com forças de minhas profundezas há muito tempo não utilizadas, para equilibrar o surgimento da emoção forte, e isto vitalizará meu intelecto".
Harmonizar — nunca destruir. A emoção forte significa poder. Ela convoca conteúdos vitais das profundezas orgânicas vivas. Estes conteúdos são necessários para a completação da personalidade. Tudo que existe é necessário - mas em seu lugar apropriado e com ênfase apropriada em relação ao propósito do todo. Uma pessoa menos qualquer coisa não pode tornar-se um "deus". Nem se tiver excesso de alguma coisa. A personalidade plena é um organismo, isto é, um todo equilibrado, operativo.
Podem existir, ou melhor, existem outros caminhos em direção a estágios de vida que podem ser chamados transcendentes ao homem, como o conhecemos. Se postulamos o principio de que qualquer todo eventualmente deverá encontrar-se como parte de um Todo maior, então o destino humano é operar como uma parte no "Indivíduo Maior" — embora possamos escolher, definir e circunscrever este "Indivíduo". Se isto for verdade, então podem existir vários "caminhos" pelos quais pode ser efetuada esta identificação do "indivíduo menor" como tal com a função que ele pode ou deveria ocupar no "Indivíduo Maior". Assim o ocultismo menciona diversos "caminhos" de desenvolvimento espiritual, diversos margas ou yogas, segundo os quais o homem pode chegar mais próximo de urn nível cósmico de funcionamento dentro do "Indivíduo Maior".
Seja como for, a abordagem que estamos enfatizando neste livro — e que acreditamos ser a abordagem típica e natural do ponto de vista astrológico — pode ser resumida pelas palavras: harmonização, integração, completação. Ela se baseia numa compreensão de forma, num equilíbrio, operação equilibrada e síntese. Ela é coroada e adquire significado pelo trabalho do criativo, o único através do qual o conflito entre o individual e o coletivo é resolvido — resolvido por ação significativa, simbólica, criativa, liberadora de poder. Envolve o uso de imaginação criativa. Envolve uma abordagem estética em contraposição à ética. Exige do indivíduo que tenha a coragem de se colocar como indivíduo, de assumir responsabilidade consciente, de encarar o futuro como um pai — e (falando misticamente) como um sacrifício ao ciclo que será introduzido através de seu ato criativo. Exige, além disso, compreensão — e beleza: intuição e autocultura. Sendo um todo criativo, ele deveria saber como enfrentar, como um todo, situações inteiras: o que significa intuição e aquela compreensão que ultrapassa a intelecção. Sendo um projetor de sua própria imagem, deveria atender ao dever que toda pessoa precisa revelar, e projetar em sua própria vida o máximo de beleza — de corpo, alma e mente — de que sua herança o tomou capaz.
Este é o caminho da integração da personalidade, o caminho do significado criativo, o caminho da liberação de poder através da Forma. A qualidade oculta deste caminho pode ser procurada nos números 1, 4, 7, que por adição cabalista somam — como já vimos — 28. Símbolos novamente. Mas a intuição é desenvolvida pela utilização de tais símbolos. Intuição leva à verdadeira "vidência" — e o vidente é aquele que vê em cada coisa da Vida um significado vivo. Todas as coisas lhe revelam suas formas arquetípicas, suas "cartas de nascimento" essenciais. Todas as coisas são conhecidas por seus "nomes" vitais. E somente isto dá poder a um ser humano, pois dar o nome correto é ter poder sobre a coisa ou sobre o processo nomeado — e também é compreender com aquela "compreensão criativa", e só ela, como Keyserling revela tão belamente, pode dar à luz ao "novo mundo", pelo qual todos os homens de compreensão, nobreza e visão espiritual não só anseiam, mas trabalham.
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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.
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