Este assunto muitas vezes confuso, que nos introduz ao conceito ainda mais geral de Partes, pode ser facilmente compreendido se recolocarmos, de um modo ligeiramente diferente, ideias várias vezes repetidas neste livro. Sabemos que o Sol representa o poder individuador, integrador, vitalizador, que torna o homem inteiro em qualquer plano de existência. Quanto à cruz espacial formada pela linha do horizonte e pela linha zênite-nadir no nascimento, vimos que constitui uma moldura simbólica para todas as operações de nosso ser individual, no qual e através do qual a natureza humana opera de um modo particular, que nos caracteriza como ser individual. Essa cruz representa, em outras palavras, a exteriorização — num padrão estrutural, funcional — daquela "qualidade" espiritual que é a essência suprema da existência humana individual. Define o modo particular através do qual a força vital do Sol age.
Isto é facilmente entendido uma vez que compreendamos que a posição zodiacal do Sol no momento da primeira respiração representa o ponto exato da órbita da Terra ao redor do Sol em que o nativo nasceu, enquanto a cruz da carta natal determina o momento exato do dia em que ocorreu o nascimento, assim o estágio exato da rotação diária da Terra ao redor do seu eixo.
O Sol num mapa representa a emanação dinâmica da qualidade essencial da existência humana individual, porque o movimento da Terra ao redor do Sol, envolvendo um deslocamento real no espaço, gera essas "qualidades essenciais". Cada uma dessas "qualidades" representa um aspecto particular da vida, um certo relacionamento entre a natureza humana e a fonte de toda vida no sistema solar. A órbita terrestre (o zodíaco) é a soma total de todas essas relações possíveis, portanto de todos os diferentes tipos (ou raios) de individualidades humanas.
Mas enquanto a Terra se desloca cerca de um grau em sua órbita, ela gira em torno de seu eixo, expondo sucessivamente todas as partes do globo à luz do Sol — em outras palavras, vitalizando todas as partes de si mesma, levando-as a serem fecundadas pelo significado daquele determinado relacionamento Sol—Terra. Veremos que qualquer ponto do globo (exceto muito perto dos polos) recebe esse impacto fecundador do Sol cerca de 365 vezes em um ano. Isto constitui (com uma ligeira discrepância, que discutiremos mais tarde) a realidade espiritual do grau como divisão do zodíaco.
O ponto a que queremos chegar é que existem apenas 365 (ou 360) tipos básicos de existência individual na Terra, sendo cada uma o resultado de um relacionamento particular e pleno entre a Terra e o Sol, simbolizado pelo grau zodiacal do Sol natal. Este relacionamento completo não é instantâneo, porque requer, para ser total, uma rotação completa da Terra em torno de seu eixo. Esta rotação leva todas as partes da Terra sucessivamente a um contato direto com as emanações do Sol (ao meio-dia). A cruz axial numa carta natal define uma fase específica deste movimento que distribui o poder do Sol por todo o ser (psique e corpo) do nativo. Em outras palavras, mostra a hora e o minuto do dia em que o nascimento ocorreu. Além disso, determina a estrutura desse ser inteiro, pois aquilo que constitui o ser individual particular é o modo particular de esta força vital solar ser distribuída por todo o organismo. Este "modo particular" se manifesta como a estrutura do organismo.
Os dois eixos da carta — e especialmente o Ascendente, que simboliza mais precisamente a "qualidade única" do indivíduo — determinam assim a estrutura essencial do corpo, bem como da psique. Além disso a relação Sol-para-Ascendente representa a relação entre a força vital individuadora no ser humano com o tipo estrutural de atividade que caracteriza seu ser individual. Esta relação pode ser estimada não apenas pela posição do Sol nas casas, mas também mais precisamente pela distância, medida em longitude zodiacal, entre o Ascendente e o Sol. Quando a medida dessa distância representa valores especialmente significativos (como por exemplo metade, um terço, um quinto, um sexto, um oitavo da circunferência total de 360 graus), a astrologia diz que se formam certos "aspectos" entre os dois fatores considerados — um assunto que discutiremos brevemente, num outro capítulo.
Podemos estender este princípio da relação Ascendente-para-Sol a outros planetas, porque planetas simbolizam modos diferenciados de atividade vital. O poder planetário é distribuído pela rotação axial da Terra a toda sua superfície, tal como a força vital solar. A posição de casa dos planetas refere-se à maneira como esta distribuição se efetua. Mas se desejarmos saber mais precisa e significativamente o caráter único desta distribuição como um fator de existência como self individual do nativo, teremos de determinar pontos que mantenham com o planeta considerado a mesma relação que o Ascendente mantém com o Sol, Em outras palavras, teremos de determinar, por inferência análoga ou por um tipo de simbolização de "segundo grau", os "Ascendentes dos planetas".
Veremos aqui ao que esse procedimento leva quando generalizado, mas por enquanto deveremos torná-lo por dado e ver como opera em seu caso mais importante: o da Lua. Nossa meta será definir o modo através do qual o poder da Lua é distribuído através do organismo. Para fazer isso, precisaremos erigir uma "cruz" simbólica, que estará para o ponto zodiacal da Lua como a cruz formada por horizonte e meridiano está para o Sol. Deveremos especialmente calcular o ponto do zodíaco que está em relação com a Lua, tal como o Ascendente com o Sol. Podemos nos referir a tal ponto abstrato como o "Ascendente da Lua". Este ponto foi usado em astrologia por muito tempo sob o nome Pars Fortuna: a Parte da Fortuna. Ele é encontrado pela adição das longitudes do ascendente e da Lua, subtraindo-se dessa soma a longitude do Sol.
Se o Ascendente representa a atividade característica do self individual, a Parte da Fortuna simbolizará então a atividade usual característica da personalidade egocêntrica, condicionada em grande parte por reações dos sentimentos e humores "lunares". No sistema sabiano, "a parte da fortuna em qualquer mapa indica aquele departamento da vida no qual ou através do qual o nativo ou expressa a si mesmo do modo mais vantajoso ou é forçado pela vida como um todo a expressar-se". Ao termo nativo deveríamos apenas acrescentar "como um ego consciente". A Parte da Fortuna representa a atividade congênita de um homem como um mero ego consciente — e descontando todas as suas intuições mais profundas e motivos inconscientes ou supraconscientes. Trata-se de sua reação estritamente pessoal à vida, das reações espontâneas da personalidade consciente que construiu, ou que a vida impingiu sobre ele.
Na astrologia medieval, dizia-se que a Parte da Fortuna representava a "riqueza" do nativo. De acordo com E. Parker, ali onde se encontra a Parte é o departamento da vida em que o nativo encontrará sua felicidade, isto especialmente em termos de posição de casa. As três interpretações têm uma relação bem definida. Pois o homem é feliz ao funcionar de acordo com suas reações pessoais espontâneas, e tanto felicidade quanto espontaneidade de reações pessoais em geral têm muito que ver com dinheiro, ou ao menos com cooperação social e crédito (de que o dinheiro é símbolo).
O valor da Parte da Fortuna, por exemplo, tornar-se-á bem claro para qualquer um que tenha observado indivíduos que a tenham em conjunção com Júpiter ou com Saturno. Aqui você tem dois tipos básicos de reações conscientes à vida: otimismo e pessimismo — com as modificações que possam ter em virtude de outros fatores. Você tem também, por um: lado, uma tendência a obter crédito e cooperação social para qualquer empreendimento pessoal; por outro, urna tendência de ser constantemente levado de voltara si mesmo, como um estrangeiro num país estranho, cujas reações naturais conscientes à vida talvez não sejam familiares e sejam assustadoras para- a coletividade na qual vive.
O mesmo procedimento descrito com referencia à Lua pode ser adotado com referência a todos os planetas. Os "Ascendentes". te todos os planetas são significativos e merecem ser estudados num tipo refinada de analise astrológica. Em termos práticos, um "ascendente" de grande valor:é o de Ura- no, ao qual demos o nome de Parte da Imaginação. Ela indica como o poder de projeção de imagens do inconsciente opera no ser individual e seu destino. Simboliza o gênio criativo do indivíduo, o modo de; contato com as fon tes mais profundas de seu ser, e suas reações a esse contato. O "Ascendente' da Lua revela reações conscientes a situações externas condicionadas por herança e meio ambiente. O "Ascendente" de Urano caracteriza reações inconscientes, criativas, a situações que afetam todo o campo da consciência.
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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.
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