Agora estamos considerando o domínio do ego particular, que é o campo de consciência centrado na percepção: "eu sou isto ou aquilo". Esta percepção do "eu" consciente de que ele é aquele ser particular e nenhum outro é o primeiro fator básico na vida consciente. Toda entidade viva precisa primeiro ser ela mesma como uma forma exclusiva e definida. Este é o aspecto Saturno. Então ela precisa manter-se, e este fator de automanutenção se elabora através do princípio de ação compensatória, que é o fundamento de toda vida orgânica. Este é o aspecto Júpiter. Por fim, ela precisa reproduzir-se através de algum tipo de ação criativa — o que astrologicamente se refere a Marte.
Estes três planetas (Saturno, Júpiter, Marte) devem ser considerados os três planetas positivos ou "masculinos" e, por razões que veremos adiante, formam pares com três outros planetas, considerados negativos ou "femininos", respectivamente: Lua, Mercúrio e Vênus. Os termos masculino e feminino não são particularmente felizes. Seria melhor dizer que Saturno, Júpiter e Marte iniciam processos de vida. Eles atuam como agentes causais, enquanto a Lua, Mercúrio e Vênus estabelecem ou vivificam, completam ou fazem frutificar os mesmos processos. Portanto consideraremos estes seis "planetas do consciente" como três pares, estando cada par associado a uma das três atividades de vida básicas mencionadas acima. A razão deste procedimento será explicada depois; fazê-lo agora complicaria desnecessariamente o assunto.
Saturno-Lua. Na mitologia grega, Saturno é o regente da Idade de Ouro, a primeira idade da infância e inocência. Refere-se ao primeiro processo através do qual a força vital universal se torna diferenciada, limitada, particularizada como célula viva — como a semente inicial. Um processo de diferenciação como esse é a condição absolutamente necessária para a existência individual, isto é, existência como uma entidade auto-suficiente separada.
Em termos psicológicos, Saturno portanto simboliza aquele processo que leva à compreensão do "Eu sou". No entanto, isto pode não ser uma percepção tão simples como pode parecer e pareceu a muitos. Assim o psicologo moderno fala do "complexo-ego", como definido previamente: "um complexo de representações que constitui o centro de meu campo de consciência".
Dentro do "campo de consciência", a vida flui; em outras palavras, acontecem mudanças, a energia é liberada em ações e reações: Esta "energia psíquica", que está contida e opera no campo de minha consciência (dentro dos limites de meu ego, simbolicamente estabelecido por Saturno), astrologicamente é representada pela Lua. A Lua é aquela parte do Sol que está englobada por Saturno — se nos for permitida uma sentença astronomicamente tão peculiar. E aquela porção da energia vital do ser total da qual eu tenho consciência como eu mesmo, como o ego consciente que sou. Saturno se refere à estrutura abstrata desse ego. A Lua derrama "energia psíquica" nessa estrutura — e o resultado é uma entidade consciente, uma certa entidade viva em particular. Portanto a relação Lua-Saturno é a relação forma-energia. Fuma condiciona energia, apesar de existir na verdade uma profunda ação recíproca, muito longa para ser discutida numa pesquisa tão breve.
Júpiter-Mercrfrio. Júpiter é um símbolo muito mais misterioso do que a maioria dos astrólogos parece acreditar. Sua reputação como sinal de boa sorte parece não resistir ao teste da análise psicológica, mesmo que, num sentido abstrato e último, o processo que ele simboliza sempre leve a um aumento e expansão da consciência — mas às vezes através de provas bem terríveis. Em geral Júpiter é oposto a Saturno como expansão é oposta à contração. Saturno diferencia a entidade particular da matriz universal de vida. Júpiter leva ao ego limitado aquilo que compensará sua unilateralidade, e assim torná-lo-á novamente inteiro e universal.
A função de Júpiter pode ser expressa do melhor modo na psicologia prática ou analítica pelo termo compensação. O caráter autocompensatório da psique, como um organismo, foi mencionado em nosso capítulo que' tratou de psicologia analítica. Assim, Júpiter refere-se a anima e animus da teoria de Jung. Mas significa mais. E a função de compensação em todos os seus possíveis aspectos. Marc Jones define Júpiter como "o ponto de precipitação da alma de dentro de si para a vida tangível e a existência definida". Ele mostra "o ponto de expressão do verdadeiro estado de self, do propósito de encarnação". Isto também significa "compensação" num sentido metafísico. Porque a alma pode ser considerada como aquilo que constantemente procura harmonização e integração, e o "propósito de encarnação" como aquilo que neutraliza desarmonias e falhas do passado — em direção ao estabelecimento de harmonia num nível plenamente consciente.
Portanto, Júpiter é o poder de ação correta em nós, a voz do nosso verdadeiro Destino. Nosso ego consciente (Saturno-Lua) é o resultado de nosso passado, a síntese de nossas limitações e de nossa genealogia. É o presente como a soma total do passado. Mas Júpiter é o futuro puxando esse presente para a frente. E o destino que é para ser nosso, o destino que equilibrará nossas inadequações passadas, seguindo-o nos tornaremos inteiros. A alma e o ego são os dois polos de uma relação que opera por compensação. Assim, para uma consciência masculina, a alma, se projetada como uma imagem, normalmente é uma mulher — a musa, o eterno feminino impelindo-nos para cima etc. Para uma consciência feminina, a alma é o herói, a imagem crística, o Adonai, Siegfried, o vitorioso etc. Ela é sempre aquilo que nos completa, que nos torna inteiros. Também é, para o devoto, o Deus encarnado, o salvador, o professor espiritual ou guru, aquele personagem divino que vem a nós como representante do Todo, como quer que possamos imaginar essa totalidade. Portanto, Júpiter é o caminho de Deus em direção à humanidade. E religião. E cerimonial. Também é o rei, como um símbolo da totalidade do Estado, aquele cuja justiça e força (idealmente) compensa a fraqueza e as falhas dos cidadãos. Num estado democrático, é a constituição.
Mercúrio torna a função de Júpiter operacional. E portanto ele é inteligência, o veículo da alma. Mas, ai! um veículo que muitas vezes joga fora o personagem divino que carrega e se descontrola, incitado pelos humores da Lua ou dominado pelo poder cristalizador separativo de Saturno. Como regente do sistema nervoso, Mercúrio leva sensação ao ego, para que o ego possa aprender a lição de relacionamento com os objetos do mundo exterior. Ele unifica as reações do corpo. É o servo de Zeus-Júpiter — mas, tão frequentemente, um mensageiro sem valor e ladrão! A Lua, o polo feminino de Saturno, tem humores e muda constantemente. Mercúrio, que tem uma relação semelhante com Júpiter, é sempre inquieto e se amolda ao objeto de sensação ou de pensamento. A yoga hindu em grande parte é um sistema de concentração através do qual a função Júpiter subjuga a função Mercúrio.
Se Júpiter assume a posição de um Deus vingativo — se não existe nenhum outro modo de reagir contra as cristalizações de Saturno —, Mercúrio é capaz de se tornar igualmente destrutivo e desordenar as fases da Lua, pois Mercúrio é sempre mais ou menos inimigo da Lua — a não ser que Saturno se tenha tornado subserviente àquelas funções do inconsciente que passaremos a estudar.
Marte-Vênus. Com este par, lidamos com as forças centrifuga e centrípeta da experiência. Marte "mostra a tendência da vida para expressar-se, movendo-se para fora sem consideração especial pelas condições externas". É o "primeiro impulso de ser em toda a revelação externa do self' (Marc Jones). Em outras palavras, é o desejo de se afastar do centro, o Eros primordial, a libido, à medida que flui para fora através da psique. Simboliza todos os começos, todos os impulsos de iniciar, autoprojeção como uma liberação de pura energia.
Aquilo que sai da psique como Marte volta para ela como Vênus. Vênus é o efeito experimentado como um resultado do modo como o mundo exterior reage a esse sair Marcial. O impulso marcial volta para casa preenchido de experiências, provavelmente machucado e possivelmente com sabedoria. Vênus é o fim da experiência e aquilo que reunimos como resultado dela, portanto é o provedor de consciência, de conhecimento e sabedoria para o ego. É simbolizado por abelhas, porque abelhas trazem de volta para a colmeia o mel reunido das flores, que também são o último produto da planta. Portanto é o símbolo de todas as artes, de toda sabedoria social, de tudo que amadurece a partir da experiência. Também significa emoções, pois obtemos emoções, ou efeitos, como resultado de nossos contatos externos. Do relacionamento surgem alegria ou dor, canções ou desespero, arte ou sensualidade. A alma do relacionamento é amor. O amor de Marte é o amor que é desejo, é autoprojeção, é força bruta em direção à autorreprodução em e através de outros, mas sem nenhuma consideração pelos outros. O amor de Vênus é o amor sábio, o amor que surge do verdadeiro intercâmbio, do companheirismo altruísta: amor-sabedoria.
Este é então o esboço da trindade consciente dos poderes vitais básicos, cada um ativo e reativo, que a astrologia simboliza como Saturno-Lua, Júpiter-Mercúrio, Marte-Vênus. Cada entidade viva precisa primeiro ser ela mesma como uma forma definida (Saturno), então precisa manter-se como um sistema autocompensatório (Júpiter), fmalmente precisa reproduzir-se através de ação criativa (Marte). "Ser" manifesta-se através de sentimentos (Lua), "manutenção" opera através de inteligência ou instinto (Mercúrio), "autorreprodução" é demonstrada no poder de gerar filhos ou ideias (Vênus).
Tal a esfera do consciente. Chegamos agora ao processo através do qual o consciente transcende ou destrói a si mesmo.
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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.
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