domingo, 22 de maio de 2016

SEXTA CASA, por Howard Sasportas

Disse um monge a Joshu: "Acabo de chegar ao mosteiro.
Por favor, ensine-me."
Joshu perguntou: "Você comeu seu mingau de arroz?"
O monge respondeu: "Sim, comi."
Joshu disse então: ''É melhor lavar sua vasilha.''

Uma história zen

O principal problema com a 5ª Casa é sua tendência a "ultrapassar os limites". Costumamos esbanjar autoexpressão, mas não sabemos quando parar. Na 5ª Casa não acreditamos mais que somos tudo, mas ainda achamos que podemos ser ou fazer qualquer coisa. A 6ª Casa segue-se à 5ª e nos lembra nossos limites naturais e a necessidade de uma melhor autodefinição. Como a filosofia Zen, a 6ª Casa nos pede que respeitemos e reconquistemos a "perfeição de nossa natureza original",1 que nos tornemos o que somos por nós mesmos (nem mais nem menos), e que vivamos isso em nossas vidas de cada dia. Nossa verdadeira vocação é sermos nós mesmos. A 6ª Casa aponta o dedo para a 5ª e recrimina:

Muito bem, é maravilhoso expressar nossa veia criativa mas será que você realmente o fez com inteligência? O quadro que está pintando ainda não está bom e você já se mostra esgotado, sem dormir, duas noites trabalhando nele.

ou

Claro, você está tendo um romance estonteante, mas já examinou se ele é válido como relacionamento a longo prazo — não mencionando que você não suporta a loção-após-barba que ele usa?

ou

Parabéns, agora você ganhou um bebê. Programe-se e mantenha o horário do bebê rigorosamente, e não se esqueça de ter bastante fraldas de reserva.

ou

Lembra-se da festa da última semana em que você mandou ver? Quando olha para trás, não acha que ofendeu aquele tímido rapaz que estava num canto e que não teve nenhuma chance de dizer um "a" só porque você monopolizou a conversa?

Chegou a hora de tirarmos de dentro de nós, de discriminar nossas prioridades, de avaliar o uso que estamos fazendo de nosso poder e de nossas capacidades, e, acima de tudo, de reconhecer os limites e a verdade de nossa própria natureza e humanidade.

Tente quanto for possível, uma semente de pêra nunca vai se tornar uma macieira. Nem deveria, se acreditamos, como Kierkegaard, que "querer ser o que o nosso eu realmente é significa, na verdade, o oposto de desespero". A 6ª Casa mostra como devemos ficar em nosso plano e como florescer naquilo que devemos vir a ser. Fazer isso faz com que nos sintamos certos e bem. Mas as consequências por não respeitarmos as verdades de nossa própria natureza são o stress, a frustração e o ma1ªestar — mensageiros que nos avisam de que algo está errado e precisa ser reexaminado.

Realidade tem ambos, o "dentro" e o "fora". A 6ª Casa explora o relacionamento entre o que somos dentro de nós e aquilo que nos rodeia - a correlação entre o mundo interior de mente, sentimentos e o mundo exterior da forma e do corpo. O rótulo da tradicional 6ª Casa diz "saúde, trabalho, serviço e ajustes à necessidade", e tudo provém da conexão corpo-mente.

Um fato básico da existência é que a vida tem de ser vivida dentro de limites. Não importa o quanto nos julgamos divinos e maravilhosos, assim mesmo precisamos comer, escovar os dentes, pagar contas e aturar as necessidades do dia a dia, uma realidade mundana. Além disso, cada um de nós tem um corpo particular, uma mente particular e alguma finalidade particular a preencher. De certo modo, fomos "designados" para servir a um certo propósito ou função específica dentro de nossa maneira e natureza individual. Ninguém preenche melhor este propósito do que nós mesmos. Servimos melhor sendo quem somos.

Através dos ajustes necessários e dos refinamentos da 6ª Casa nos tornamos aquilo que podemos ser sozinhos.

Alguém disse certa vez que "o trabalho é o aluguel que pagamos pela vida". Para muitos de nós, trabalho é algo que temos de fazer para poder aguentar o dia a dia. Um emprego diário também implica em rotina e ajustes. Precisamos chegar mais ou menos no horário e não podemos ser tão livres e espontâneos como gostaríamos com nossas vidas quando sabemos que o despertador está programado para tocar às 7 da manhã seguinte. Temos de estruturar nosso tempo, estabelecer prioridades e deixar coisas de lado. De certo modo, a necessidade de seguir um esquema rígido ajuda a organizar e a padronizar a vida. Escapamos da ansiedade existencial que a liberdade de escolha pode provocar: temos um emprego e sabemos onde precisamos estar.

Utopicamente, no entanto, a força do trabalho compõe-se de indivíduos diferentes, cada um desenvolvendo a habilidade pessoal que melhor lhe cabe. O resultado final é um produto perfeitamente acabado ou a própria continuidade de funcionamento da sociedade. Planetas e signos na 6ª Casa descrevem eventos relacionados a trabalho e emprego e sugerem as tarefas para as quais temos melhor potencial. Os posicionamentos nesta casa podem revelar a natureza de nossos serviços — Júpiter ou Sagitário poderia ser um agente de viagens, a Lua ou Câncer olhar crianças e Netuno ou Peixes servir chopps no bar da esquina. Mas, muito mais do que descrever o tipo de emprego, os posicionamentos aqui sugerem o modo como encaramos (ou deveríamos encarar) o trabalho — não só o que fazemos, mas como fazemos. Quem tem Saturno ou Capricórnio nesta posição, pode preferir um emprego estável com um trabalho claramente definido ao qual possa se dedicar calma e constantemente, enquanto os que têm Urano e Aquário nesta casa normalmente odeiam obedecer a horários e preferem trabalhar sem um chefe a vigiá-los.

O modo de se relacionar com colegas de trabalho também é mostrado pelos posicionamentos da 6ª Casa. Vênus ou Libra nesta posição pode apaixonar-se por alguém com quem trabalha, enquanto Plutão ou Escorpião provoca intrigas e encontros complicados. A 6ª Casa quadra naturalmente com a 3ª e assuntos não-resolvidos, relações de infância podem aparecer com colegas de
trabalho.

Através de situações de emprego, nos vemos envolvidos em relacionamentos de desigualdade. Trinta pessoas podem estar trabalhando sob as nossas ordens, e nós podemos estar subordinados a outras trinta. Como agimos com nossa autoridade e como nos portamos numa posição mais subserviente é mostrado pela 6ª Casa. Trata-se de uma espécie de ensaio para o relacionamento de igualdade que vamos fazer na 7ª Casa.

A 6ª Casa também descreve nosso relacionamento com a mecânica que faz funcionar nosso carro, nosso médico e sua recepcionista, o leiteiro — enfim qualquer pessoa que nos sirva de alguma maneira. Inversamente, nossas qualidades como "servidores" e nossos mais profundos sentimentos, além das atitudes que tomamos com relação a serviços, são mostrados nesta posição. Isso deve ser tomado a sério pois muita gente acredita em humildade e trabalho como o máximo do empenho humano - e o caminho para Deus e para mais iluminados estados de
graça.

A maneira como usamos nosso tempo e o tipo de atmosfera que precisamos para operar com felicidade em nossa vida diária é mostrado pela 6ª Casa. Signos e planetas nesta casa colorem as energias que trazemos (ou deveríamos trazer) para nossas tarefas diárias e como encaramos os rituais da existência mundana. Marte na 6ª pode varrer a casa como um tornado, enquanto Netuno ainda está tentando se lembrar onde deixou o pano de pó.

Animaizinhos novos, que nos rodeiam em nossa vida diária, também são mostrados pela 6ª Casa. Pode parecer uma consideração sem importância, no entanto, um grande número de pessoas é profundamente afetado por suas experiências de cuidar de animais. Cachorrinhos podem ser o "nó" de uma série de projeções, e para algumas pessoas sua relação com o próprio cachorro ou gato é tão importante quanto a com um ser humano qualquer. Em certos casos, cachorros e gatos aliviam o que sem eles seria um insuportável sentimento de solidão ou de inutilidade. A perda ou a morte de um animal de estimação pode desencadear uma série de saídas psicológicas e filosóficas.

Existe uma relação óbvia entre trabalho e saúde — outra grande preocupação da 6ª Casa. Apesar da dominante ética de trabalho parecer rigorosa e talvez abusiva na cultura ocidental, temos de considerar que a necessidade de ser produtivo e útil é, de certa maneira, intrínseca à natureza humana. Trabalho em demasia afeta a saúde enquanto pouco trabalho nos deixa indiferentes e letárgicos. Ele não só nos priva de uma fonte de renda mas também de um sentido de valor e propósito. Estudos mostram que o número de doenças relatadas aumenta nas áreas em que cresce o desemprego. Inversamente, algumas pessoas usam a doença como um escape do emprego que odeiam ou que não as satisfaz.

O interesse da 6ª Casa por habilidade manual, perfeição e capacidade técnica também se refere ao campo da saúde como trabalho. Afinal, o corpo é um mecanismo de alta precisão em que as diversas células trabalham para o bem de um organismo maior. Cada célula é um ser em si, porém cada uma é parte de um sistema maior. Cada célula "tem de fazer seu dever" mas também tem de se submeter às necessidades do todo maior. Numa pessoa sadia (como numa sociedade sadia) cada componente afirma-se em si e também trabalha em harmonia com os outros componentes. A 6ª Casa pede que mantenhamos nossas diversas partes — isto é, a mente, o corpo e os sentimentos — numa relação de trabalho harmoniosa.

Muitas pessoas com posicionamentos na 6ª Casa estão muito interessadas em saúde e idoneidade, algumas até em grau obsessivo. Em casos extremos, dietas especiais e técnicas para manter um perfeito funcionamento do corpo dominam e estruturam de tal maneira a vida que sobra pouco tempo para fazer qualquer outra coisa. No entanto, muitos excelentes doutores têm ênfase na 6ª Casa, e ela pode ser associada com a medicina tradicional bem como com carreiras em
homeopatia, osteopatia, naturalismo, massagens etc.

Já mencionamos que o corpo, a mente e as emoções operam como um todo. Aquilo que pensamos e sentimos afeta o corpo. Inversamente, o estado do corpo influencia a forma como pensamos e sentimos. Psique (mente) e soma (corpo) estão irremediavelmente atados. Desequilíbrios fisiológicos ou químicos dão origem a problemas psicológicos enquanto perturbações emocionais e mentais podem manifestar-se através de sintomas físicos. A 6ª Casa tende a revelar algo sobre o significado psicológico oculto de certa doença. Saturno poderia indicar uma rigidez em encarar a vida de todos os dias, bem como a tendência à artrite.

Marte na 6ª corre para a vida, trabalha até não poder mais só para mais tarde ser diagnosticado com pressão alta. No entanto, seria simplificar demais referir-se à 6ª Casa apenas com relação à saúde. O livro The American Book of Nutrition and Medicai Astrology, escrito por Eileen Naumann (publicado por Astro Computing Services, San Diego, Califórnia), examina a astrologia médica profundamente e é muito recomendado.

Através dos procedimentos da 6ª Casa nos refinamos, aperfeiçoamos e purificamos, tornando-nos um melhor canal para sermos quem somos.

Poderíamos ser o mais inspirado dos artistas (5ª Casa) porém a menos que aprendamos a utilizar bem as ferramentas (6ª Casa) — o uso correto de pincéis, tintas e paletas — não seremos capazes de concretizar ou compreender nossas possibilidades. Foi dito que "a técnica é a liberação da imaginação". Esta é a verdadeira senha para a 6ª Casa.

Embarcamos na vida inconscientes da nossa individualidade e, no fim da 6ª Casa, temos um sentido bem mais definido de nossa identidade particular e de nosso objetivo. Como a 3ª Casa, a 6ª faz uso da atividade do lado esquerdo do cérebro, reduzindo as coisas a partes. O problema com a 6ª Casa é que acabamos colocando o mundo em termos de o que sou eu e o que não sou eu. Quando nos caracterizamos com estas feições que nos distinguem dos outros - nosso peso, nossa altura, nossa cor de pele, nosso emprego, nosso carro, nossa casa — ficamos com a sensação de que existe uma absoluta distinção entre aquilo que somos e quem são os outros. Enquanto o propósito das primeiras seis casas é o de nos tornarmos completamente cientes de nós mesmos como indivíduos distintos, resta para as últimas seis casas (da 1ª à 12ª) reunir-nos com os outros. De outra maneira, a vida seria terrivelmente solitária.

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