quinta-feira, 19 de maio de 2016

A TERCEIRA CASA, por Howard Sasportas

Lemos mal o mundo e dizemos que ele nos decepciona. 
Tagore


Dentro do útero e mesmo alguns meses depois do nascimento, nada percebemos como separado de nós mesmos — tudo é visto como uma extensão de quem somos. Eventualmente, podemos nos dar conta de nosso corpo distinto. Descobrimos suas necessidades biológicas, o que ele quer e a espécie de equipamento que nos tem sido dado para desempenhá-las neste mundo. Um sentido de separação física da mãe é desenvolvido e depois disso vem o sentido de separação do resto do meio ambiente. Somente ao nos distinguirmos da totalidade da vida é que começamos realmente a ver e entender o que há ao nosso redor e a entrar em relação com o que encontramos. Tendo estabelecido algum conhecimento a respeito de nossas próprias limitações e de nossa forma podemos partir para explorar as limitações e as formas de outras coisas. Neste meio tempo, chegamos à 3ª Casa — a região do mapa associada a Mercúrio e Gêmeos - e já estamos suficientemente evoluídos para examinar o ambiente mais de perto, para interagir com ele e formar ideias e opiniões a respeito do que encontramos.

No desenvolvimento mental, a 3ª Casa corresponde ao estágio da vida em que começamos a engatinhar e aprendemos a andar. Contanto que nos sintamos razoavelmente seguros (o sentimento de que "mamãe está em casa") e com a condição de que o ambiente não seja repressivo demais, nós naturalmente gostamos de ter nossa maior independência e autonomia. Nós queremos crescer e explorar.

Análogo é o desenvolvimento da linguagem e a habilidade para se comunicar e identificar coisas. Tudo isso parece brincadeira, porém, ironicamente nossa autonomia em crescer e o aumento de nossas facilidades para funcionar neste mundo nos confronta com o sentimento frustrante de nossa própria inadequação e insignificância. Existem coisas à nossa volta, maiores do que nós, assustadoras e ameaçadoras; há certas regras e limites - algumas coisas que temos permissão de fazer ou dizer e somos até aplaudidos por isso, enquanto outras que fazemos ou dizemos são repreendidas com uma cara feia ou uma firme palmada. Sejamos bem-vindos ao mundo da relatividade. Que jogo de quebra-cabeça! Encontrar todas as peças e conseguir encaixá-las sozinho é uma tarefa complicada.

A maioria dos psicólogos afirma que o verdadeiro sentido de individualidade não se desenvolve até que a linguagem seja aprendida: a típica estrutura das linguagens sem conjugação de verbos ajuda a criança no estágio de crescimento a distinguir o sujeito do objeto, e desta maneira, o ator vira algo separado da ação. (Joãozinho não é a bola, mas ele pode atirar a bola.) Do mesmo modo, a criança se torna mais consciente de seu eu como entidade distinta - como "doador" ou aquele a quem se dá. Nada mais é aquela bolha amorfa.

Através da linguagem, a criança entra no mundo dos símbolos, das ideias e dos conceitos, e, pela primeira vez, é capaz de imaginar sequências de acontecimentos além do que está à disposição dos sentidos ou do corpo. A atenção pode agora ser focalizada não só naquilo que está presente, mas também nas qualidades hipotéticas e abstratas da existência. Enfim, com o advento da linguagem, a mente (ou o eu mental) se liberta e se diferencia do corpo.

Tradicionalmente, os astrólogos associaram a 3ª Casa com aquilo que é conhecido como "a mente concreta" e a 9ª Casa (oposta à 3ª) com "a mente abstrata". Recentes pesquisas científicas confirmam o que os astrólogos sempre souberam - que a mente pode ser dividida em duas partes. Estudos iniciados nos anos 60 demonstraram que os lados direito e esquerdo do cérebro correspondem a tipos diferentes de atividades mentais.3 A "mente concreta" da 3ª Casa (unida ao Mercúrio regente da 6ª Casa) é análoga às atividades do lado esquerdo do cérebro. Esta é a parte do cérebro que se encarrega dos pensamentos sequenciais e racionais, o aspecto acumulativo de fatos da mente. O lado esquerdo do cérebro controla a nossa parte que fala, analisa, esconde, memoriza e classifica nossa experiência. Os posicionamentos da 3ª Casa descrevem nossa maneira mental — como pensamos — mas com uma referência bem particular das funções de nossa parte esquerda do cérebro. Nossa mente é rápida, lenta, lógica ou vazia? Nossos pensamentos são originais ou em geral refletem o pensamento daqueles que nos rodeiam? Examine a 3ª Casa e verifique.

Da mesma forma, planetas e signos na 3ª Casa revelam nosso relacionamento ou nossa atitude diante do próprio conhecimento. Por exemplo, uma pessoa com Marte na 3ª Casa pode acreditar que conhecimento é poder, mas os que têm a Lua nesta casa podem procurar conhecimento pela segurança que lhes dá, pelo sentido de proteção e de bem-estar que adquirem ensinando como alguma coisa funciona.

Quando crianças, o que pensamos relaciona-se, na maioria das vezes, com o que encontramos em nosso ambiente próximo. Os signos e os planetas na 3ª Casa indicam "o que está lá fora" para nós. No entanto, como no caso do Ascendente e da 1ª Casa, os posicionamentos na 3ª Casa revelam nossa predisposição para perceber certos aspectos daquilo que nos rodeia, negligenciando ou omitindo outros. Por exemplo, os que têm Vênus na 3ª, "bebem" Vênus do ambiente. Eles naturalmente absorvem os aspectos mais harmoniosos e agradáveis ao seu redor — aqueles que os convidam a ser agradáveis e harmoniosos em retribuição. Mas os que têm Saturno nesta posição tendem a receber os aspectos mais restritivos e frios do ambiente, e por isso, a seus olhos este não é um local bastante seguro para se largar livremente. Neste sentido, os posicionamentos na 3ª descrevem tanto o que atribuímos ao ambiente perto de nós quanto o que tiramos dele. "Aquilo que você vê é aquilo que recebe." Tanto a galinha quanto o ovo estão vivos, bem e ciscando na 3ª Casa.

Uma das primeiras coisas com que podemos nos chocar em nosso ambiente próximo são os irmãos ou as irmãs. A 3ª Casa mostra o nosso relacionamento com eles e também com tios, tias, vizinhos, primos e parentes. (Obviamente, o pai e a mãe também estão presentes mas são tão importantes que cada um ganhou uma casa só para si.) Signos e planetas na 3ª Casa significam a natureza do vínculo entre nós e nossos parentes consanguíneos, ou então tais posicionamentos podem ser uma boa descrição dos consanguíneos ou, pelo menos, das qualidades que projetamos neles.

Por exemplo, Saturno na 3ª Casa poderia significar que encontramos dificuldades e nos conflitamos ao nos relacionar com um irmão ou o vemos como frio e sem amor, ou que vivemos a "parte de nós" que é fria e sem amor como partindo dele. É um preceito psicológico muito comum que, de uma maneira ou de outra nós tentamos coagir os outros a "agir" ou a "assumir" os aspectos de nossa própria psique dos quais estamos separados. O impulso de vida é em
direção à totalidade, e se não estamos vivendo nossa totalidade a parte exterior trará até nós os elementos que nos faltam. As energias que se encontram na 3ª Casa e que não reconhecemos como nossas não desaparecem simplesmente; em vez disso, encontram outra pessoa ou outra coisa no ambiente próximo através da qual se manifestam.

Astrólogos que dão consultas acharão proveitoso perguntar a seus clientes sobre seus relacionamentos com consanguíneos no começo da vida, à luz dos posicionamentos na 3ª Casa. Qual era sua posição em termos de importância, mais velhos, da mesma idade ou mais jovens? Havia alguma dúvida de que um consanguíneo mais jovem pudesse usurpar sua posição de centro da família? Algum consanguíneo mais idoso demonstrou sua frustração por ser destronado por ele? Os consanguíneos eram muito competitivos? Os meninos eram tratados de maneira diferente das meninas? Finalmente, informações a respeito de consanguíneos mortos, tanto antes quanto depois de nosso próprio nascimento são extremamente oportunas e na maioria das vezes costumam ser reveladas no mapa.

Normas estabelecidas com irmãos e irmãs no começo da vida podem se repetir com maridos, esposas, colegas de serviço, patrões e amigos num estágio posterior de desenvolvimento.

A 3ª Casa também dá indicações a respeito das primeiras experiências na escola. A escola nos propicia uma oportunidade de ver como somos com outras pessoas além de nossa própria família, e de compararmos o que nossos pais nos contaram com o que os outros têm a dizer. Aprendemos tanto de nossos colegas quanto de nossos professores. Durante a infância e o começo da adolescência (período de tempo tradicionalmente associado a esta casa), assimilamos um
mundo de informações que formarão definitivamente um código de regras práticas e de "verdades" pelas quais organizamos e damos sentido à vida. A 3ª Casa mostra como passamos nestes anos cheios de enganos e de formação.

Na mitologia, Mercúrio (o regente natural da 3ª Casa) era encarregado de distribuir informações dos e para todos os deuses. Do mesmo modo, todas as formas de comunicação — escrever, falar, mídias etc. — entram nesta casa. A mente da 3ª Casa traça conexões entre um campo de estudos ou ramo de conhecimento e outro, e tem prazer em explorar todas as formas de vida.

Pedacinhos de informações são recolhidos aqui e ali, e normalmente faz-se um esforço para conseguir arrumar estas partes num todo maior. O tom e o colorido de nossas experiências em pequenas viagens (normalmente dentro do país de residência) são atribuídos a esta casa. Geralmente um planeta numa casa nos predispõe a procurar o princípio que ele simboliza nos diversos planos representados pela casa; Saturno na 3ª Casa poderia provocar problemas nos estudos e/ou com parentes consanguíneos, e/ou em viagens curtas.

Seja qual for a manifestação exterior, ela é, em última análise, "um sintoma" de uma casa oculta muito mais profunda — o desejo de explorar, descobrir ou se relacionar com a vida (3ª Casa) está rodeado de temores e apreensões (Saturno) que vêm se exteriorizando para serem examinados e compreendidos.

Às vezes, há uma correlação entre ter muitos planetas na 3ª Casa e vivenciar frequentes mudanças de ambiente na idade de crescimento. Os efeitos de tais modificações numa pessoa variam de acordo com o resto do mapa. Algumas pessoas desenvolverão uma excepcional flexibilidade e uma facilidade para se adaptar a diferentes situações, enquanto outras podem se defender contra a dor de serem arrancadas das amizades que fizeram evitando relacionar-se mais profundamente com quem quer que seja. Esta última atitude, se não for enfrentada e se não se lidar bem com ela, tende a permanecer com a pessoa durante toda sua vida. É possível que outras ainda compensem uma infância desregrada tentando mais tarde construir um lar seguro a qualquer preço.

Os posicionamentos na 3ª Casa muitas vezes se relacionam com profissões, tais como ensino, escritos, jornalismo, impressão, mídia de publicidade, conferências, vendas, transportes, secretárias etc. Johnny Carson conhecido como um dos mais bem pagos anfitriões da televisão americana nasceu com a amiga conjunção de Lua com Júpiter na 3ª. Hans Christian Andersen, o escritor dinamarquês que escreveu aqueles contos de fadas que continuam a encantar todas as idades, nasceu com a imaginativa Vênus em Peixes na 3ª Casa, junto com Sol e Mercúrio. Lenny Bruce, o comediante satírico que deixa muita gente furiosa com suas piadas a respeito do que os outros consideram tabu, nasceu com o chocante Urano nesta casa.

Para concluir, a 3ª Casa descreve o contexto no qual vemos o ambiente que nos é próximo. É aconselhável lembrar que satisfação é uma função de contexto: a maneira pela qual conhecemos algo determina como vamos nos relacionar com ele.

Uma história indiana ilustra bem este ponto. Um grupo de pessoas andando por uma cidade logo depois do pôr-do-sol se depara com algo que parece ser uma cobra, no chão bem à frente delas. Aterrorizadas, ativam os alarmes, convocam ambulâncias e hospitais ficam de plantão para o caso de algum acidente. Todo mundo se apressa em voltar para a segurança de seus lares a fim de se proteger. Na manhã seguinte, ao clarear do dia com os primeiros raios de sol, verifica-se que o que todos pensavam ser uma cobra era, na verdade, apenas um grande pedaço de corda que alguém havia deixado cair no chão. Tanto barulho por causa de um pedaço de corda!

Por nos esquecermos tão frequentemente do papel que desempenhamos na constituição do mundo convém examinar a 3ª Casa e avaliar o contexto geral por meio do qual temos condições de interpretar o ambiente ao redor. Será nossa tendência ver uma cobra ou um pedaço de corda? Tornando-nos mais conscientes dos preconceitos e das atitudes sugeridas pelos posicionamentos nesta casa, isso nos possibilitará trabalhar com mais criatividade dentro desta estrutura.

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