sexta-feira, 20 de maio de 2016

O IMUM COELI (FUNDO-DO-CÉU) E A QUARTA CASA, por Howard Sasportas

Quem olha para dentro sonha; quem olha para fora acorda.
Jung


Na 1ª Casa, não temos virtualmente consciência de nós mesmos no sentido objetivo. Apenas somos. Na 2ª Casa, descobrimos que temos nossa própria configuração e nossos limites que nos distinguem de tudo o mais. Na 3ª Casa, voltamos nossa atenção para o que nos rodeia, interagindo com as outras configurações e limitações de nosso ambiente próximo para saber quais são.

Comparando o que somos com aquilo com que nos chocamos, formulamos ainda mais opiniões a respeito de nós mesmos. Neste processo, perdemos o sentido de sermos tudo, mas em compensação ganhamos o sentimento de que somos alguém, alguém dentro de um corpo próprio, que pensa de maneira própria e que vem de um plano familiar próprio. Quando nos aproximamos do nadir do mapa, o Fundo-do-Céu e a 4ª Casa, é tempo de parar e assimilar aquilo que aprendemos. A tarefa que se apresenta é juntar nossos pedaços e peças e integrá-los em volta de um ponto central, ou eu que, daqui por diante formará a base de nossa identidade. Algumas pessoas continuam juntando novos pedaços de informação pela vida toda e nunca param para formar raízes e se consolidar (excesso na 3ª Casa e não bastante na 4ª).

Outras se assentam cedo demais, antes que bastante vida tenha sido explorada (excesso na 4ª Casa e não bastante na 3ª).

Não é incomum que pessoas preocupadas com a carreira e com outros empreendimentos sejam tão ativas e estejam tão ocupadas com compromissos e encontros a ponto de quase não passarem muito tempo em seus lares. Do mesmo modo, todos nós temos uma tendência para ficar tão "ocupados" e identificados com atividades e acontecimentos exteriores que negligenciamos e perdemos o contato com o eu que está por baixo de tudo isso.

Estamos tão comprometidos com tudo o que vemos, com tudo o que sentimos ou fazemos que esquecemos do eu que vem fazendo a visão, que está manifestando os sentimentos ou executando as ações. O que encontramos quando desviamos nossa atenção dos objetos transitórios de experiência e reatamos com o eu subjacente, que é o sujeito de toda experiência, é designado pelo signo que se encontra no Fundo-do-Céu (cúspide da 4ª Casa no sistema de quadrantes) e pelos planetas da 4ª Casa.

O sentido do eu aqui dentro que o Fundo-do-Céu e a 4ª Casa nos proporcionam dá uma unidade interior aos nossos pensamentos, sentimentos, percepções e ações. Do mesmo modo que somos biologicamente mantidos e regulados automaticamente, o Fundo-do-Céu e a 4ª Casa servem para manter as características individuais do self (eu) de maneira estável.

A 4ª Casa representa o lugar para onde vamos quando nos voltamos para dentro de nós mesmos — o centro interior para onde o nosso eu retorna a fim de descansar antes de dar início a novas atividades. Ela é a base de operações a partir da qual encontramos a vida. Por esta razão, a 4ª Casa tem sido tradicionalmente associada ao lar, à alma e às raízes do ser. Os índios americanos acreditavam que você abre sua alma a uma pessoa quando a convida para entrar em seu lar. Em oposição à nossa face pública, a 4ª Casa descreve como somos bem no fundo. O analista junguiano James Hillman descreve a alma como "aquele componente desconhecido que possibilita um sentido". A alma aprofunda os acontecimentos em experiências e faz a mediação entre o autor e a ação. "Entre nós e os acontecimentos... existe um momento de reflexão — e usar a alma significa diferenciar este campo médio." A maneira sutil pela qual uma pessoa transforma acontecimentos em experiências é mostrada pelo Fundo-do-Céu e pela 4ª Casa.

O Fundo-do-Céu e a 4ª Casa significam a influência em nós de nossa família de origem, a família na qual nascemos. Planetas e signos na 4ª Casa revelam a atmosfera que sentíamos neste lar e o tipo de condicionamento ou instrução que recebíamos nele, a herança psicológica da família. Sondando mais fundo, a 4ª Casa mostra as qualidades genealógicas de nossa origem racial ou étnica: estes aspectos da história e da evolução de nossa raça que residem dentro de nós. Um Saturno na 4ª Casa ou Capricórnio, por exemplo, no Fundo-do-Céu às vezes descrevem a atmosfera de um lar como sendo fria, estrita e sem amor ou um passado de uma linha de resolutos conservadores, enquanto Vênus na 4ª Casa ou Libra no Fundo-do-Céu estaria mais sintonizado com o amor e a harmonia no lar de infância e pode sentir uma afinidade e apreciar a tradição na qual se viu crescer.

A Lua ou Câncer nesta posição combinam muito bem com o ambiente do lar enquanto Urano ou Aquário muitas vezes se sentem como um estrangeiro em terra estranha, revelando surpresa por vir a encontrar-se numa família assim. Marcel Proust, que em seu livro A procura do tempo perdido explorou nos mínimos detalhes sua primeira infância e seus mais íntimos sentimentos, além do próprio trabalho de memória, nasceu com o Sol, Mercúrio, Júpiter e Urano, todos em
Câncer na 4ª Casa.

A influência das figuras paternas sobre nós em geral é atribuída ao eixo da 4ª e 10ª casas. Tradicionalmente, sempre fez sentido associar a 4ª Casa (naturalmente regida pela Lua e por Câncer) com a mãe, e a 10ª Casa (naturalmente regida por Saturno e Capricórnio) com o Pai. A maioria dos astrólogos estava satisfeita com esta classificação, mas a obra de Liz Greene lançou algumas sombras de dúvida nesta área. Através de sua considerável experiência e perícia como astróloga consultante ela acha que a descrição de seus clientes do relacionamento com suas mães parece corresponder mais à 10ª Casa, enquanto a imagem do pai caberia melhor na 4ª Casa.

Existem casos concludentes, tanto a favor como contra essas duas escolas de pensamento. Uma vez que a 4ª Casa está ligada a Câncer e à Lua pareceria razoável destiná-la à mãe. Seu útero foi nosso lar original e na infância éramos mais receptivos aos humores e aos sentimentos da mãe que aos do pai. O pai corresponde assim à 10ª Casa, Saturno e Capricórnio: afinal, ele é geralmente o ganha-pão e o importante diante do público, e era comum também o filho seguir a profissão do pai. No entanto, os argumentos opostos são igualmente convincentes.

A Lua não é só a mãe, é também a nossa "origem" e nós herdamos nosso nome do pai. Desta maneira, podemos ser associados à 4ª Casa. A 10ª Casa é muito mais óbvia do que a 4ª, e a mãe muito mais óbvia para a criança que o pai. O nascimento de uma criança é um fato claro - certo e publicamente reconhecido como a 10ª Casa. A paternidade é mais especulativa, às vezes escondida e talvez mesmo um mistério e por este motivo talvez seja melhor relacioná-la com o oculto e misterioso ponto do Fundo-do-Céu e com a 4ª Casa. Na sociedade ocidental, pelo menos, a mãe é geralmente a influência socializante da criança. Ela é quem mais diz não na infância, aquela com quem passamos a maior parte do tempo e cujo papel é cuidar de nós e nos ensinar a diferença entre o que é bom e aceitável e o que é mau e proibido. Normalmente é a mãe que faz a limpeza da criança - o primeiro maior ajustamento que temos que fazer para entrar nos padrões sociais estabelecidos (Saturno, Capricórnio e a 10ª Casa).

Não acredito que seja possível fixar uma opinião de que a 4ª Casa seja sempre a do pai e a 10ª sempre a da mãe ou vice-versa. E mais seguro e talvez mais exato dizer que o "pai/mãe-modelo", aquele com o qual a criança passa a maior parte do tempo e que tem mais influência para adaptar a criança à sociedade, deveria ser associado com a 10ª Casa e o "pai/mãe-oculto", aquele que é menos visível e que não é tão conhecido quantitativamente, deveria ser associado à 4ª Casa. Na prática, após uma conversa com um cliente, o astrólogo pode formular uma idéia boa de qual dos pais pertence a que casa. Por exemplo, se eu verifico que o pai do cliente é de Gêmeos com Lua em Aquário e eu encontro Gêmeos no Fundo-do-Céu do cliente e Urano na 4ª Casa parece razoável que a 4ª Casa, neste caso, é uma boa descrição do pai. No entanto, nem todos os mapas mostram isso tão facilmente.

É importante lembrar que os posicionamentos da 4ª Casa (sejam mãe ou pai) não descrevem a maneira como era esse pai como pessoa, mas, antes, a maneira pela qual essa criança vivenciou esse pai - o que é conhecido como a imagem do Pai, a imagem inata, a priori, que a criança faz dos pais. A psicologia tradicional normalmente sustenta a opinião de que, se há algo errado entre os pais e a criança, a culpa é dos pais. Contrastando com este parecer, a astrologia psicológica coloca pelo menos a metade da responsabilidade na criança por vivenciar os pais de maneira peculiar. Por exemplo (digamos que a 4ª Casa seja o pai), uma garotinha com Saturno na 4ª Casa vai agir mais pelo lado saturnino da natureza do pai. Ele provavelmente vai mostrar muitas outras qualidades, além das associadas com este princípio arquetípico, mas a criança em questão vai reconhecer seletivamente mais os traços de Saturno. O pai pode ser caloroso e amável durante setenta e cinco por cento do tempo, mas os vinte e cinco por cento nos quais for frio e crítico serão os que a filha irá registrar.

Na maioria das vezes, existe um conluio entre a imagem dos pais no mapa da criança e os posicionamentos-chave no mapa dos pais. Por exemplo, o mapa do pai da menina com Saturno na 4ª Casa pode mostrar o Sol em Capricórnio, Capricórnio Ascendente ou conjunção So1ªSaturno. No entanto, mesmo que o mapa do pai não mostre uma descrição tão próxima da 4ª Casa dela, a predileção de ver o pai de determinada maneira muitas vezes tem o efeito de transformar a pessoa naquilo que está sendo projetado nela. Se ela continuar reagindo ao pai como se ele fosse uma pessoa indelicada, mesmo quando está esbanjando amor e generosidade, ele pode eventualmente ficar tão frustrado que se torna amargo para com ela, a ponto de desistir e de evitá-la totalmente. Então a garotinha diz para si mesma: "Que canalha, eu sempre soube que ele era assim." Mas, será que era mesmo?

Nascemos completamente desprovidos de certas predisposições e expectativas inatas, mas as experiências que temos quando crianças amontoam-se em camadas sobre nós. Interpretamos o ambiente de um determinado modo, e então formamos opiniões e tomamos atitudes concretas a nosso respeito e a respeito da vida lá fora, em geral baseadas nestas percepções. A garotinha da qual vimos falando com Saturno na 4ª Casa já tem algumas proposições de vida existencial vindo à tona: "Papai não me ama" e "Papai é um canalha", para mencionar apenas duas. Ela vai levá-las dentro de si mesmo depois de deixar a casa dos pais e vai ter atitudes ainda mais chocantes como: "Os homens me acham uma indigna e fria" e "Todos os homens são uns canalhas". Quando ela se tornar consciente das origens destas atitudes ela se permitirá a possibilidade de mudá-las ou de procurar outras maneiras de organizar a experiência. Examinar a 4ª Casa que mostra os arquétipos ativados na vida do lar dos primeiros anos entre nós mesmos e um dos pais em questão, pode ajudar enormemente neste processo.

A 4ª Casa, além de descrever nossas origens herdadas e tudo aquilo que se encontra no fundo de nós, associa-se com a base do lar em geral. Que tipo de atmosfera criamos neste lar? O que atraímos para nós neste ambiente? Quais as qualidades do ambiente deste lar que mais naturalmente ressoam conosco? Tais perguntas podem ser respondidas examinando-se os planetas e os signos da 4ª Casa.

T. S. Eliot escreve que "no meu começo está o meu fim". A 4ª Casa representa nossas origens mas está também associada a como terminamos as coisas. A maneira pela qual finalizamos ou efetuamos um encerramento estará relacionada com os posicionamentos da 4ª Casa. Vênus aí termina as coisas limpa e honradamente, tudo amarrado num bonito embrulho. Saturno pode prolongar ou invejar um final. A Lua e Netuno muitas vezes saem quietos e em paz, enquanto Marte e Urano "partem para a briga".

A 4ª Casa também sugere as condições ambientais da segunda metade da vida. Tudo que há de mais profundo em nós aflora no fim. Muitos de nós, depois dos quarenta e talvez emocionados com a morte de um parente, vamos nos tornar muito mais conscientes de nossa mortalidade e de que há menos tempo a perder.

Nesta base poderemos de bom grado dar mais abertura para nos manifestarmos e desabafar nossos mais íntimos desejos e sentimentos. Além disso, consumar as experiências da vida é um pré-requisito para a autodescoberta. Assim, não é de surpreender que nossas mais profundas e íntimas motivações só emerjam quando já vivemos bastante. Uma ilustração disto é a última confissão, feita no leito de morte, em que as pessoas dramaticamente revelam verdades a seu respeito que guardaram como segredo durante décadas.

Psicoterapia, auto-reflexão, várias formas de meditação — qualquer coisa que nos leve para dentro de nós mesmos — traz as energias da 4ª Casa à tona e pode torná-las disponíveis conscientemente para nós mais cedo na vida. Em vez de negligenciar tudo que está lá dentro, é aconselhável lidar com difíceis posicionamentos nesta casa o mais cedo e não deixar para mais tarde. A 4ª Casa, assim como nosso passado, está sempre conosco.

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