terça-feira, 14 de junho de 2016

A Astrologia Comparada à Lógica e à Matemática, por Dane Rudhyar

Se retornamos agora à nossa definição de astrologia como álgebra da vida, podemos explicar nosso pensamento afirmando que a astrologia está para todas as ciências empíricas que tratam da formação, crescimento, comportamento e desintegração de totalidades orgânicas, como a matemática está para a física e para as ciências de objetos inanimados em geral. Não dizemos que ela é reconhecida como tal, mas que esta é sua verdadeira função. E essa afirmação até certo ponto é passível de verificação.

A astrologia em si não tem mais significado do que a álgebra. Mede relacionamentos entre símbolos, cuja concretitude é inteiramente uma questão de convenção, e na realidade não entra nos problemas envolvidos — tal como os símbolos da álgebra, x, y, n, são meras convenções. Os astrólogos usam termos como oposição, conjunção, quadratura, exatamente como o matemático usa sinais de adição e multiplicação. Suas "progressões" se enquadram muito bem na mesma categoria que os símbolos mais complicados de cálculo — o sinal de função etc. As revoluções dos corpos celestes constituem, em sua totalidade, um vasto complexo de símbolos, que em si é composto apenas de padrões de relacionamento ciclicamente mutáveis. Não tem a menor importância se são planetas ou pontos abstratos derivados das movimentações planetárias, ou segmentos de órbitas, ou pontos simbólicos de referência como meridiano, horizonte e similares, os elementos considerados. Os planetas são veículos significativos e convenientes para um significado simbólico, pois mantêm relações de distância, velocidade, massa, período, relativamente simples com um ponto central de referência, o Sol — ou melhor, com a órbita da Terra ao redor do Sol.

Em outras palavras, o campo astrológico dos corpos celestes em movimento é como o campo das proposições lógicas. Nem um nem outro têm qualquer conteúdo real. Ambos são puramente formais, simbólicos e convencionais. E somente adquirem valor real em função das experiências de vida reais que eles servem para correlacionar. Isoladamente, a astrologia e a matemática não têm substância. Mas revestem de coerência, padrão, lógica e ordem qualquer realidade substancial que seja a elas associada. Portanto a matemática associada à experimentação física produz a física moderna. De modo semelhante (mas obviamente não idêntico), a astrologia pode e provavelmente deveria ser associada à fisiologia, geologia, medicina, história, sociologia, e, acima de tudo, à psicologia.

O fato é que quando a astrologia tinha um papel verdadeiramente vital nas civilizações antigas, era assim considerada — se não pela ralé, ao menos indubitavelmente pelos astrólogos iniciados. Vimos, em nosso primeiro capítulo, que a função da astrologia era trazer, ao caos do mundo natural na Terra, a ordem suprema, da qual as revoluções celestes são uma manifestação tão visível e psicologicamente excitante. Na Terra, caos, imprevisibilidade e acaso cego, mas acima, nos céus, ordem perfeita, previsibilidade, lei. A astrologia tomou seu significado desse contraste. Os céus eram considerados instrumento de medição cósmica, um parâmetro arquetípico de ordem, que podia ser justaposto a qualquer sistema de fenômenos naturais. Dessa justaposição resultaria uma nova visão do sistema de fenômenos naturais: uma visão ordenada, coerente, que levaria à possibilidade de fazer prognósticos quanto ao comportamento futuro do sistema.

Isto não é muito diferente do que a ciência faz quando mede um fenômeno natural com uma trena ou registra o tempo com um relógio. O conjunto completo de revoluções planetárias, solar, lunar e estelar, como é visto da Terra, sempre serviu, na astrologia, como uma imensa e complexa trena multidimensional e como relógio, para determinar o comportamento periódico de organismos naturais — de fato, de qualquer totalidade (a Terra como um todo, um corpo vivo, uma psique humana, uma nação etc.), como veremos.

Com razão a física moderna ressaltou o fato de que tais medidas envolvem certas dificuldades e são relativas à posição e ao movimento do observador. Para medir uma distância, é preciso colocar o começo da trena num ponto definido. Em astrologia, todas as medidas começam no primeiro ponto de existência independente; no caso do destino humano, a primeira respiração. O zodíaco — que, não esqueçamos, é apenas a órbita da Terra dividida em doze seções de trinta graus e tem pouco ou nada que ver com constelações — é medido como iniciando no equinócio da primavera, porque nesse momento começa um novo ciclo da vegetação nas latitudes Norte, onde a astrologia teve sua origem, evidentemente.

Em outras palavras, se desejamos investigar as leis de periodicidade e de relacionamento estrutural que serão aplicadas em uma vida humana começando num certo dia, projetamos no papel o estado de nossa vara cósmica de medir (o sistema solar visto do local de nascimento) naquele momento, e com ela avaliamos o organismo de elementos naturais que acaba de atingir a condição de existência independente. A varinha de medir cósmica e a ampulheta combinadas — a carta natal — significa em si algo de substancial? Nem um pouco — não mais que qualquer trena ou relógio. E apenas um símbolo de medida. A menos que saibamos, antes de tudo, o que é que desejamos medir, não saberemos nada de prático após feita a medição — apenas um conjunto de símbolos algébricos numa roda. Se não conhecemos a natureza humana, uma carta natal não nos dará indicação alguma quanto à natureza de um determinado ser humano. A não ser que tenhamos conhecimento de correntes de ar, pressão atmosférica etc., uma carta astrológica nada nos dirá a respeito do tempo. Júpiter e Marte não têm absolutamente nenhum significado concreto. Não significam nem mais, nem menos, que três e quatro, ou uma espiral e uma linha reta, ou m e p. Mas, se dizemos: aqui está um corpo humano recém-nascido. Ele contém em si mesmo o poder de crescer até sua estatura completa, os poderes de circulação sanguínea, metabolização de alimentos, autorreprodução através do sexo, e muitas outras propriedades vitais que caracterizam esse corpo como pertencente à espécie humana —, então podemos fazer uma tentativa de ordenar esse aparente caos de capacidades, funções e propriedades vitais através da justaposição de nossos símbolos celestes com elas.

Júpiter simbolizará a capacidade de expansão; Marte, a capacidade dos impulsos de extroversão; Vênus, a capacidade de combinar reações a estímulos como julgamento consciente e emoção etc. Mas, se lidássemos com condições atmosféricas em vez de um ser humano, Júpiter, Marte, Vênus obviamente significariam coisas totalmente diferentes — como pressão atmosférica e outros fatores telúricos. Como estes ainda são muito pouco conhecidos e o planeta Terra ainda não foi entendido e estudado como um todo orgânico — o simbolismo astrológico não é muito útil para a meteorologia e ciências correlatas. No melhor dos casos, o astrólogo dirá que um Júpiter forte poderá indicar um estado intenso de expansão. Mas expansão aplicada a quê? O "que" só pode ser conhecido com exatidão quando o comportamento orgânico da Terra como um todo for bem compreendido; isto equivale a dizer: quando estiverem isoladas todas as funções desse organismo planetário. Então a astrologia poderá correlacionar e interpretar essas funções — tal como a matemática correlaciona e interpreta observações fornecidas pelo microscópio e equipamentos elétricos, quanto à estrutura interna do átomo.

Quanto ao que foi dito acima, indubitavelmente serão levantadas dúvidas. Serão mostrados manuais de astrologia, nos quais os planetas, suas posições e aspectos recebem significados extremamente definidos e concretos. De fato, é assim, mas esses manuais são meras apresentações populares dos dados tradicionais relativos às correlações de símbolos astrológicos com certos campos de experiência que vieram a interessar ao homem mais especificamente. Eles não tratam essencialmente de astrologia pura, mas de certas aplicações especificas do simbolismo astrológico. Estas aplicações baseiam-se en1 conhecimento tradicional a respeito de coisas como a psicologia e governo antigo, e só são válidas na medida da validade desse conhecimento tradicional.

As interpretações de elementos astrológicos dadas pela maioria de nossos manuais contemporâneos são tão válidas quanto era o conhecimento tradicional de psicologia humana e governo no tempo de Ptolomeu, na Alexandria. Na medida que a psicologia e a sociologia humanas mudaram desde aquela época, elas são inúteis. Mas como a natureza humana, apesar de tudo, é bem constante no total, as aplicações do simbolismo astrológico feitas por Ptolomeu e seus predecessores ainda hoje são verdadeiras em grande parte — mas obviamente um tanto falsas, ou fora do contexto, ou incompletas, em inúmeros casos.

Entretanto, o ponto fundamental a ser apreendido — e ele parece ser difícil para tantas pessoas! — é que, hoje, os livros comuns de astrologia dão meramente as aplicações do simbolismo astrológico a alguns temas tradicionais: caráter, saúde, felicidade e assuntos relacionados com o Estado etc. Estas aplicações se baseiam numa perspectiva de senso comum tradicional dos assuntos envolvidos, e se mantêm ou desabam de acordo com essa perspectiva tradicional. Se desabam, isto de nenhum modo implica que os princípios em que a astrologia se baseia, como uma ciência de simbolismo, são errados. Não mais do que a matemática provou ser um erro quando a descoberta do quantwn desarrumou o edifício da física moderna. De modo semelhante, as descobertas da psicanálise, bem como as novas condições sociais que hoje prevalecem, invalidaram muitos dos textos tradicionais reproduzidos em manuais astrológicos modernos com relação à psicologia, ao comportamento social e às habilitações profissionais. Mas a astrologia em si continua intocada por essas mudanças, pois, tal como Bertrand Russell diz a respeito da lógica: "Podemos conhecer (sua) veracidade ou falsidade sem estudar o mundo exterior, porque (ela está) apenas interessada em manipulações simbólicas". Ainda parafraseando-o, acrescentaríamos: Nossa certeza concernente às proposições astrológicas simples não parece ser análoga à nossa certeza concernente a fatos psicológicos simples, como o fato de que uma garota virá a apaixonar-se algum dia em sua vida, ou a passar por uma crise emocional aos quarenta. Nossa certeza vem de uma fonte diferente.

Tentar definir ou ao menos sugerir que fonte é esta — tal é nossa próxima tarefa, urna tarefa difícil porque envolve um tipo de atitude diante da vida e da consciência, que foi bastante afastada da atitude oficial e regular prevalecente em nossa civilização acadêmica e intelectual. Deveremos abordar o assunto, primeiramente, pelo estudo rápido de um tipo de desenvolvimento no pensamento moderno que é ao mesmo tempo novo em sua formulação, mas muito antigo em sua ancestralidade: referimo-nos à filosofia chamada Holismo.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar. 

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