A história da astrologia é a história das sucessivas transformações da atitude do ser humano ante a Natureza — a natureza externa, percebida pelas impressões dos sentidos, bem como a natureza interna ou "humana", a soma total daqueles fenômenos fisiológicos e psicológicos que de algum modo a pessoa chama de seus dizendo "meu" corpo, "minha" alma, "minha" mente.
O que hoje normalmente chamamos de astrologia é o resultado de uma fase específica desse relacionamento entre o ego consciente do homem e a natureza. Essa fase pode ter durado centenas e milênios de anos, embora precedida por outras fases de significado talvez maior, e a proposta deste livro é mostrar que uma nova fase está agora se iniciando. A humanidade está modificando sua visão da natureza externa de modo radical — haja vista os novos conceitos da ciência moderna relativos a espaço, tempo, matéria e universo. A perspectiva psicológica está sendo transformada de modo igualmente fundamental. O ser humano está indo de encontro à "vida", interior e exterior, a partir de novas bases. A astrologia reflete a qualidade desse encontro, interpreta-o em funções de comportamento real, dá significado a esse encontro de um modo fundamental e também muito prático. A astrologia é a indicação mais significativa da filosofia prática de vida humana. A filosofia per se especula sobre a vida e o homem. Mas a astrologia, em qualquer época, caracteriza, direta ou indiretamente, a qualidade mais profunda da resposta real do ser humano à vida.
Filosofias sucederam filosofias. Do mesmo modo, a astrologia legada para nós pelo século XIX foi apenas uma das muitas astrologias que a humanidade projetou a partir de sua necessidade de uma compreensão prática da vida e ajustamento a ela. Além disso, tal como muitos tipos de filosofia sempre existiram simultaneamente, no esforço do homem para interpretar a realidade em vários níveis de pensamento e percepção intuitiva, também a astrologia em qualquer período — em qualquer fase dos tempos históricos — foi dividida em sistemas mais esotéricos e mais exotéricos. Esta divisão, entretanto, não deve nos cegar diante do fato de ambos representarem apenas duas formas de expressão, em qualquer tempo, da tônica de uma época. É mais importante saber qual é a tônica do que descobrir se é exotérica ou esotérica sua expressão.
A astrologia em voga hoje originou-se quase totalmente no trabalho do astrólogo alexandrino Claudius Ptolomeu: Tetrabiblos (ou Quatro livros sobre a influência das estrelas). De acordo com Temple Hungad: "Ptolomeu nasceu no século I d.C., em Pelusium, Egito. Reuniu as observações escritas legadas pelos estudiosos que o antecederam, enriqueceu e aumentou estes escritos após muitos anos de pesquisa pessoal. Esses fatos estão demonstrados em sua Grande construção, treze livros que contêm a soma total do conhecimento a respeito dos fenômenos do mundo e do universo em geral. Esse foi o primeiro documento completo e abrangente sobre a economia do mundo, e as ideias nele demonstradas muitas vezes são chamadas sistema ptolomaico. Assim como a Grande construção continha o conhecimento geográfico e astronômico, o Tetrabiblos de Ptolomeu abarcava o conhecimento astrológico a ser adquirido, e, apesar de ter sido escrito na Asia durante o século I d.C., esse trabalho veio a ser a pedra fundamental da astrologia na Europa depois que a luz intelectual começou a surgir ali". (A Brief History of Astrology, por Temple Hungad.)
Mais adiante voltaremos ao assunto da astrologia medieval na Europa, que em alguns de seus aspectos tem profundidades maiores do que a derivada de Ptolomeu; mas nossa primeira tarefa é compreender a posição ocupada por esse escritor. Para fazer isso, precisamos ampliar nossa indagação e observar que em certos períodos da história mundial ocorrem grandes mudanças, que transformam a própria essência da civilização. Podemos chamá-las eras da escuridão. São períodos de transição que separam duas eras. É interessante perceber que no início desses períodos, antes que a era da escuridão se instale verdadeiramente, sempre aparecem homens que, por assim dizer, agregam e focalizam o conhecimento do ciclo, então em seu final, em escritos (ou monumentos) que virão a ser a própria semente e fundamento da cultura que surge depois, à medida que a era da escuridão é iluminada por uma nova vitalidade mental-espiritual.
Esses homens tornam-se então os canais através dos quais o velho é transmitido ao novo. Seus trabalhos contêm tudo o que o novo provavelmente virá a saber do velho, o que — e isto é importante — não significa, entretanto, a sabedoria total do velho, nem mesmo o melhor do velho, mas apenas o que o novo será capaz de assimilar do velho. Há muitos exemplos. Confúcio é o exemplo típico, resumindo a China arcaica como ele o fez. A China arcaica é conhecida quase que exclusivamente por meio daquilo que Confúcio dela preservou. Mas não nos esqueçamos, é a China arcaica tal como Confúcio a compreendeu. De modo semelhante, sabe-se muito pouco a respeito das ideias musicais de Pitágoras, exceto por aquilo que nos foi transmitido por seu seguidor distante, Boetius, no último Império Romano. Por muito tempo, Platão e Aristóteles significavam, para a Europa, a totalidade do conhecimento grego. Os cabalistas espanhóis dos séculos VIII e IX nos legaram aquilo que sabiam e entendiam do antigo conhecimento dos mistérios hebraicos, como a cabala. Em todos os casos conhecemos a sabedoria e a filosofia de vida arcaicas apenas através das mentes de homens que, sendo os produtos forais de uma civilização, necessariamente haviam perdido o sentimento do que essa filosofia de vida e sabedoria prática significavam para aqueles que haviam sido os originadores daquela civilização.
Não é nossa proposta discutir esses assuntos extensamente, mesmo assim a percepção dos fatos acima é imperativa para qualquer pessoa que deseje compreender o significado vital da astrologia. Pois somente assim será possível evitar o trágico erro de acreditar que a astrologia apresentada à Europa por um intelectual alexandrino fosse a astrologia que mediu o próprio pulso da humanidade antiga. A astrologia ptolomaica é o produto final da cultura do leste mediterrâneo e grega, e só pode ser entendida em função do intelectualismo dessa cultura. Esse intelectualismo moldou a mente europeia em quase todos os seus aspectos. Aristotelismo e ptolomaísmo são os resultados dessa era grega após ela ter perdido o contato vivencial com a tradição espiritual do período órfico e mesmo da filosofia de Pitágoras e depois que ela se distanciou do solo de onde o homem arcaico retirava poder e sabedoria instintiva. Se queremos entender a essência viva da astrologia, precisamos esquecer Ptolomeu e o tipo de astrologia medieval da qual a astrologia de hoje é derivada em sua maior parte e penetrar as profundezas vitais terrenas da humanidade arcaica.
Recentemente encontramos uma série marcante de artigos de R. Berthelot, L'astro-biologie et la pensée de l'Asie na Revue de metaphysique et de morale, 1932-33, que representa o melhor, se não o único, estudo já feito sobre as origens vitais da astrologia, pois não é elaborado a partir da visão do astrólogo, mas a partir do desenvolvimento da civilização e das atitudes humanas diante da vida em geral. Daí seu grande significado, pois é absolutamente inútil tentar perceber o significado da astrologia antiga a não ser que ela seja colocada no próprio centro da cultura dos tempos. As assim chamadas "Histórias da Astrologia" que hoje encontramos impressas são um tanto inúteis, na verdade muito enganosas. Elas enumeram alguns fatos e nomes desconexos, sem fornecer uma ideia da realidade vivencial da astrologia. Não é então motivo de espanto que a pessoa culta de hoje se retraia e resista a considerar seriamente uma pseudociência desse tipo!
As páginas seguintes não devem ser de modo algum tomadas por uma história da astrologia, pois seriam necessários anos de pesquisa por especialistas antes que os- dados escassos espalhados em muitos livros, muitas vezes sem tradução para um idioma europeu, pudessem ser criticamente examinados, comparados e correlacionados. O que desejamos fazer é apenas apresentar um tipo de base histórica, muito geral em seus contornos, que auxiliará o leitor a conseguir uma nova abordagem da astrologia e a ser capaz de compreender melhor o significado de nossa reinterpretação do significado básico da astrologia como uma filosofia viva e prática de realização e integração psicológica. Aquilo que o astrólogo comum oferece à geração atual está distante de alcançar o nível mental do pensador inteligente; pior, muitas vezes é decididamente nefasto e psicologicamente desintegrante. No entanto, pode-se dizer que a astrologia viva de todos os tempos tem uma nota básica: integração. E podemos afirmar que uma astrologia que não leve ao homem uma mensagem de integração é uma adulteração e uma perversão da verdadeira astrologia.
O Estágio Animista
O homem primitivo ainda vive no útero da natureza. Sua vida inteira é uma experiência ao mesmo tempo psicológica e fisiológica, porque ele ainda tem dificuldade de diferenciar o mundo exterior do interior, o objetivo do subjetivo. Ele é tão completamente uno com a natureza, que constantemente se vê dissolvido em fenômenos naturais, neles já projetando sua identidade infantil, e depois agregando-os à sua psique como estados de consciência a que ele chama seus, por um processo inconsciente de identificação. Levy Bruhl usou o termo participação mística para descrever esse processo ou um processo similar de identificação psicológica com objetos. Esse processo corresponde a uma atitude perante a vida que também pode ser designada pela palavra animismo.
O animismo faz de todos os objetos materiais "espíritos", e materializa fatos psíquicos em entidades objetivas. Tudo é animado por um espírito, seja uma árvore, uma montanha, o Sol, uma estrela ou mesmo instrumentos feitos pelo homem, como por exemplo uma espada, uma casa. Por outro lado, todo sentimento ou emoção interna é uma entidade "astral" que veio para dentro da alma e pode dela ser banida por práticas mágicas apropriadas.
A natureza interna e a externa (sendo ambas a mesma coisa, para o primitivo) são um caos de entidades agindo e reagindo na confusão mais inspiradora de admiração; é uma enorme selva em que a única lei é a autopreservação e sobrevivência. Onde falha a força física surge a astúcia, ou intimidação. No entanto, rapidamente um certo sentido de causalidade começa a surgir no homem. Ele percebe que certos fatos sempre se seguem a outros. Principia a "dar nomes" não apenas a coisas, mas a relações entre coisas. A única relação que ele conhece pessoalmente é a consanguinidade. Cria-se assim uma mitologia rude em que as forças e elementos naturais se casam e procriam.
O tempo todo, no entanto, a emoção dominante no homem primitivo é aquela emoção universal da selva: o medo. Aquilo que amedronta é chamado mal. Entidades más precisam ser aplacadas, ou superadas por meio de artifícios, ou restringidas por mágica. O maior princípio mágico é a "ação simpática". Atuando e comportando-se como um urso, o mago se identifica com o urso, ou melhor, ele focaliza a identidade que existe psicologicamente entre ele e o urso. Pode então usar o "espírito do urso" para sua vantagem e para obter ascendência (através da transfusão de instinto, por assim dizer) sobre qualquer urso. Além disso, ele também vem a conhecer o "nome" do "espírito do urso", e assim a mágica atua de duas maneiras. Primeiro, por pronunciar volitivamente o nome do urso, ele assume controle sobre o urso. Depois esse controle também é ampliado pelo fato de gerações de homens da tribo terem usado esse nome magicamente, e quando é pronunciado, o poder combinado daqueles homens da tribo (vivos como fantasmas ou espíritos) por assim dizer dá suporte ao poder do mago.
No estágio animista de desenvolvimento, o homem refere tudo a si mesmo e com seus medos ou desejos. Ele projeta suas reações às coisas sobre as coisas em si, que se tornam imagens personificadas de suas impressões. Se ele é colocado em movimento, deve existir um movimentador cuja natureza própria é movimentá-lo dessa maneira. Aquilo que causa medo deverá ser uma entidade amedrontadora; o que causa alegria, urna entidade bondosa. Nesse sentido, toda a vida do homem é psicológica, pois ele vive num mundo povoado pelas projeções de suas próprias, reações, mas estas reações são quase exclusivamente fisiológicas e biológicas. Portanto, psicologia aqui realmente significa uma extensão de reações fisiológicas, a psique sendo apenas uma aura difusa ao redor da entidade biológica humana, uma emanação dela.
O Sol e a Lua são conhecidos como os doadores de luz. Luz e vida tornam-se inseparáveis, pois escuridão e noite demais significam morte, muitas vezes. A luz do Sol desvanece o medo, traz aos sentidos uma percepção mais clara dos objetos. Portanto o Sol é o grande doador de vida. Quanto à Lua, ela esconde um mistério. Ela é cheia e minguante. Sua luz circunda a selva com um brilho sobrenatural. Ela é mutável, misteriosa, como a mulher. Mas suas fases são rapidamente notadas. O sentido de periodicidade e de tempo é despertado pelos seus ciclos. "Espíritos" são evocados mais facilmente sob sua luz, que excita a imaginação do homem. A Lua torna-se o poder da magia, o poder de todas as operações misteriosas.
Com o Sol e a Lua e, provavelmente, mais tarde, com as estrelas brilhantes, o homem também sente uma vaga identidade. Ele os sente, tenta tornar-se cada vez mais uno com eles, tornar-se impregnado de sua essência. Sol, Lua, estrelas são "grandes espíritos". Algumas estrelas cintilam com um brilho estranho. Elas parecem ameaçadoras, más, quando surgem no horizonte — como olhos de tigres e panteras vistos na floresta. Estrelas são como olhos de animais fantásticos na escura selva do céu. Há homens que se sentem estranhamente atraídos por algumas estrelas em especial. Talvez tenham nascido quando elas surgiam ou estavam a pino. E chegamos à antiga Caldéia, ou talvez até mesmo antes, na Atlântida, quando os homens deitavam-se no chão, olhando as estrelas, absorvendo em suas almas os raios de uma determinada estrela, identificando-se com ela, para conhecer sua essência e sentir sua vida sublime. Essa adoração de estrelas (ou melhor, identificação com estrelas) tem um paralelo com o culto aos totens. Em sua maioria, os totens são animais, como o urso, a águia, o veado — mas eles também podem ser estrelas, e mesmo nuvens e montanhas. O totemismo ainda vive em muitas raças assim chamadas primitivas, mesmo entre os índios americanos, e deveria nos ajudar a perceber alguns dos significados da astrologia arcaica no estágio animista de desenvolvimento.
Neste caso, o movimento dos corpos celestes não é o mais importante, como veio a ser mais tarde, mas a qualidade de vida da qual cada um deles isoladamente é dotado. Essa qualidade de vida, a própria característica de deidade estelar, deriva-se essencialmente da qualidade da luz da estrela. É suficientemente curioso; não estamos muito longe aqui de uma classificação das estrelas com base numa análise de espectro! Apenas que, em vez de usar um prisma para determinar a qualidade da luz, objetiva e analiticamente, o homem primitivo experimentava subjetivamente essa luz, e projetava de volta à estrela o resultado de sua identificação psíquica.
Quanto ao Sol, a determinação das características e do poder desse doador de vida é facilitada pela constatação das mudanças que ocorrem na vegetação. Mas com essa ideia de correspondência entre fenômenos biológicos terrestres e a movimentação do Sol — e também da Lua — chegamos a uma nova fase da astrologia que pode ser caracterizada pelo termo vitalismo, seguindo o exemplo de M. Berthelot.
O Estágio Vitalista
De acordo com a concepção vitalista, a Vida está em tudo, interpenetra cada entidade, cada substância. E um oceano de energia vasto, universal, em que tudo que é "move-se e tem existência". Esta visão de mundo origina-se na humanidade quando o medo primordial da natureza está um tanto superado, quando aquilo que podemos chamar simbolicamente selva foi deixado para trás, e os homens se tornam agricultores ou pastores. Em outras palavras, a natureza está em seu primeiro estágio de domesticação: Torna-se um "lar" e a Vida nesse lar é vista como fluindo com o majestoso movimento de suas estações, aparecendo e desaparecendo como a Lua, subindo e baixando como o Nilo ou outros grandes rios cujas águas significam fertilidade.
O animismo revela o homem apenas como urna entre miríades de entidades em luta pela subsistência, uma que tenta desesperadamente superar o mede, identificando-se com o objeto temido, ou com o fogo e a luz que salvam sua vida, aplacando o mal com sacrifícios: uma criatura caótica, com fracas percepções, ansiando por uma compreensão de algum tipo de conhecimento que lhe permita enfrentar as miríades de entidades hostis com a mesma força. Ela precisa entender essas entidades isoladamente, conhecer sua natureza, dar-lhes nomes. Consciência dá poder. Dar nome ao inimigo significa já tê-lo derrotado... o que na verdade é o suporte principal da psicanálise freudiana, num outro nível. Por outro lado, o vitalismo pressupõe que ao menos uma parte da natureza — tanto dentro como fora da pessoa — esteja conquistada e utilizada. Algum tipo de segurança foi atingido.
No entanto, essa parte domesticada da natureza precisa ser cuidadosamente observada, protegida do mal, fertilizada. A terra precisa ser arada, o gado precisa ser cuidado. A nota principal não é mais exclusivamente defesa, mas produção. Ainda há inimigos, mas eles não atacam tanto a pessoa em si quanto sua propriedade. O problema da propriedade torna-se então supremo. A produção depende de propriedade. A vida humana depende da manutenção da segurança e da frutificação da propriedade, e logo a seguir também da contínua expansão da propriedade. Isto também se aplica à natureza interna da pessoa. Uma parte do ser humano ou da "psique" está "domesticada", isto é, foi tornada consciente proliferando ideias e conhecimentos. A consciência precisa ser preservada, salvaguardada contra a possível invasão de forças malévolas do "inconsciente" (a selva interior). Precisa ser aculturada, tal como o solo precisa ser cultivado e os animais cuidados.
Cultivo, pastoreio, cultura — todas essas coisas têm um único significado: trabalhar em harmonia com os processos vitais e, ao menos até certo ponto, exercer controle sobre eles. A vida no estado selvagem era em grande parte uma coleção de entidades malévolas. No estágio vitalista, a vida é uma força que pode ser boa ou ruim, uma força que permeia todas as coisas, opera em todos os sentidos. Não há meio de opor-se a ela, pois é todo-poderosa. Mas conhecendo a lei de suas cheias e minguantes cíclicas, trabalhando em harmonia com suas marés, a pessoa pode utilizar a Vida. Ela pode produzir instrumentações, formações mágicas que atraem esse poder vital e através do qual a natureza pode ser fertilizada. Essas formações mágicas tornam-se "sagradas". Concentram a energia vital difusa, seja para reforçar ou destruir o indivíduo ou qualquer produto da natureza.
Nesse estágio do desenvolvimento humano, a astrologia se torna supremamente importante. Ela não lida mais exclusivamente com entidades celestes como seres separados a serem adorados e aplacados — apesar de essa atitude animista ainda continuar sendo o traço principal da astrologia exotérica, popular. A nova astrologia do período vitalista lida especialmente com um conhecimento da periodicidade dos processos vitais. Estes, experimentados no crescimento e decomposição da vegetação e das entidades naturais em geral, são para ser controlados por instâncias divinas identificadas com o Sol, a Lua, os planetas e até certo ponto também com as estrelas.
A astrologia passa a ser um estudo do mistério universal de transformações dinâmicas periódicas, visto como a verdadeira essência da Vida em si. Os antigos chineses simbolizaram essa lei de transformação natural em suas séries de hexagramas, constituindo o I Ching, o Livro das mutações. No entanto, esta obviamente é uma transmutação posterior e mais abstrata da astrologia antiga. A astrologia vitalista pode ter nascido na antiga Caldéia, onde estudava antes de tudo os fenômenos celestes associados com as mudanças das estações. Os movimentos do Sol e da Lua se tornaram a base do sistema astrológico. Mas esses movimentos não eram considerados principalmente como fenômenos celestes em si, mas como indicadores das mudanças dinâmicas da força vital solar e lunar como se expressava a Terra. Raças nômades, dependendo de seus rebanhos, parecem ter dado ênfase aos períodos lunares, pois estes correspondem mais aos períodos da vida animal, e ao sexo e à procriação através de acasalamento. Por outro lado, as raças agricultoras destacaram os ciclos solares, que correspondem aos ciclos da vegetação. A partir dessas correspondências solar-lunares básicas chegou-se, por generalização, à "lei de analogia", o verdadeiro fundamento de toda ciência oculta.
A lei de analogia pressupõe um agente universal permeando todo o universo — uma substância vital ou força vital preenchendo todo o espaço, preenchendo o domo dos céus, bem como o domas (domicilio, lar) em que o grupo tribal vive, procria e morre apenas para renovar e dar continuidade a si mesmo através da propagação do sangue. O lar tribal se transforma numa pequena réplica do lar universal unido pelas esferas das estrelas. A Terra é o microcosmo; o universo, o microcosmo. Só mais tarde, na Alexandria e na Idade Média, é que o homem, o ser individual, é considerado como o microcosmo. Então a astrologia está individualizada. Na antiga Caldéia e China, ela refere-se apenas à Terra e ao Estado ou à comunidade. O Estado é o microcosmo, e o imperador ou rei é seu Sol ou centro de vida.
Nesses estados agrícolas, estabelecidos em vastas planícies, a estrutura de todo viver é produzida pelos quatro grandes momentos do ciclo de mudanças solares: os equinócios e solstícios. Estes estão indissoluvelmente ligados aos quatro pontos cardeais do espaço. Vejamos a antiga China, por volta de 2000 a.C. A capital e o palácio do imperador dentro dela estão orientados para esses quatro pontos. O palácio tem quatro divisões, cada uma correspondente a uma estação. O imperador vive na seção leste durante a primavera, no sul durante o verão, no oeste durante o outono e no norte durante o inverno.
Esta divisão quádrupla obviamente está associada à ideia de dualidade e sexo. Os chineses construíram seu ciclo de mutações sobre a alternância cheia e minguante dos dois princípios yang e yin, masculino e feminino. Por correspondência, esse dualismo é transmitido ao dualismo do dia e noite: o Sol iluminando o dia, a Lua iluminando a noite. A fêmea tem períodos de cio e de indiferença, tal como a Lua é iluminada ou escura. A astrologia, assim, está baseada em conceitos puramente biológicos. É dinâmica, vital. Explica as causas de todos os fenômenos biológicos na Terra — mais tarde, de todos os fenômenos sociais, como na civilização chinesa, na qual a organização social, política, a música e toda a cultura são governadas pelo padrão de harmonia revelada pelos movimentos dos corpos celestes, considerados em si veículos de símbolos dos Poderes Divinos, que coletivamente representam a vida universal.
No entanto, à medida que os séculos decorrem, uma superestrutura mais mental passa a crescer progressivamente com base nessa fundamentação vitalista. Os ciclos planetários são acrescentados aos do Sol e da Lua. Os sacerdotes que registram, tabulam, comparam e estudam os movimentos dos corpos celestes compreendem cada vez mais os valores abstratos envolvidos em suas revoluções cíclicas. A ideia de "razões numéricas imutáveis precisas" domina a mente de homens cuja profissão é ser os símbolos de ordem e lei para uma humanidade ainda presa ao medo de forças elementais. A noção de Ordem Celeste passa a ser a única grande segurança contra o caos da natureza elemental, ainda tão visível em tempestades, inundações, secas e cataclismos de todo tipo. Um mundo arquetípico, divino, de Ordem está mostrado nos céus, onde cada objeto se move de acordo com leis imutáveis. A tarefa do homem, então, obviamente é trabalhar de tal modo sobre a "terra" (o solo e o gado, mas também sua própria natureza instintiva terrena), que ela se torne uma réplica perfeita da Ordem celeste.
A partir dessas premissas podem-se deduzir duas necessidades básicas: a necessidade de um calendário determinando a princípio apenas o tempo de execução de todas as operações agrícolas (semeadura, colheita etc.) e os dias favoráveis e desfavoráveis para qualquer dessas operações; daí a necessidade de uma lei ética determinando como o homem deve tratar e cultivar sua própria natureza, seu próprio ser terrestre; como o homem deve comportar-se em relação ao outro na estrutura do Estado — se este Estado deve conformar-se à lei celeste. Vemos assim, na antiga China, o imperador como sumo sacerdote dessa religião celeste, mediador entre a Ordem Celeste, centralizada ao redor da Estrela Polar (em que reside o grande Deus da Ordem), e a humanidade. Ele é assistido por quatro astrônomos que, junto com ele, determinam o calendário agrícola — além de estabelecerem uma lei moral-social e escalas musicais, sendo a música o agente pelo qual o Estado terrestre pode se afinar com a "harmonia das esferas" (uma ideia pitagórica também). A música inclui tons, bem como danças ritualistas, pois também ali precisa reinar o princípio da dualidade. Movimentos corpóreos harmonizados com tons musicais e ritmos — uma harmonia desse tipo simboliza e invoca magicamente uma harmonia correspondente entre emoções humanas e movimentações celestes.
O imperador é o ponto de referência fixo para todas as medidas ético-sociais, tal como o polo norte o é astronomicamente. Sua voz é o modelo para todos os tons; seu corpo, para todas as medidas. Todas as estradas são medidas a partir do centro de seu palácio, onde ele vive, ou melhor, como ele muda ciclicamente de residência, onde fica a tumba do Grande Ancestral, a origem do Estado. O imperador é o Homem Uno, o Indivíduo Uno, o Mediador Uno por meio de quem a Ordem dos Céus é infundida no Estado. Ele é, assim, o Astrólogo Supremo. Ou melhor, é a própria condensação de todas as virtudes celestes, e seus quatro astrólogos podem, por meio dele, participar do mistério dos Céus.
Isso representa um estágio aperfeiçoado de civilização astrológica — mas não é espantosamente semelhante à religião cristã, num outro plano? Pois não é Jesus, o Cristo, o Mediador Uno entre a humanidade e Deus, o Indivíduo Espiritual Uno (sendo o Único Filho Gerado), o modelo de todas as virtudes celestes, a única fonte de salvação? Não são os seus apóstolos e os papas, por sucessão apostólica, os transmissores de sua sabedoria, os que estabelecem uma Igreja militante, que deve tornar-se uma réplica na Terra da Igreja triunfante no céu?
O cristianismo veio numa época de grande caos psicológico, quando um novo mundo nascia a partir das ruínas do passado Leste Mediterrâneo, quando o intelectualismo e individualismo gregos haviam levado a uma profunda confusão psicológica. A Igreja cristã tornou-se . o símbolo de uma Ordem Celeste, a única segurança num período caótico, a única força de integração num tumulto de paixões e perversões decadentes. Do mesmo modo, o Estado astrológico da Caldéia e da China foi a única segurança contra o caos elemental. Apenas as rotas cíclicas de corpos celestes eram provas de uma Ordem universal. Somente o conhecimento das movimentações solar e lunar podia salvar o ser humano das safras arruinadas — que significavam fome e caos. O que este conhecimento astrológico representava fica demonstrado pelo fato de que na China, a queda da primeira dinastia de Hia se diz ter sido causada pela falta de os astrólogos imperiais não anunciarem um eclipse. Sempre que um planeta não aparecesse exatamente e onde era esperado, por causa do conhecimento incompleto dos movimentos celestes, isto era usado para prever caos e ruína para a casa imperial. Se os regentes falhavam no conhecimento exato dos acontecimentos celestes, o único baluarte contra o caos estava destruído, e os regentes precisavam partir. Eles deviam ser os Integradores, os Organizadores, os Guardiães da Ordem Universal. Se falhavam no conhecimento daquela Ordem, provavam que eram indignos. Eles precisavam ser depostos para a própria salvação do povo.
No plano biológico das atividades agrícolas e no plano da organização ético-social, a astrologia foi, então, o Grande Conhecimento que, sozinho, inspirou segurança e aquela confiança espiritual numa Lei Cósmica sem a qual nenhuma civilização é possível. Era conhecimento vital, pois se infiltrava a cada passo nas operações de todos os processos-vida! Foi a ciência da vida ou, como diz M. Berthelot, Astrobiologia — a ciência de una vida concebida como arquetipicamente ordenada e cósmica, operando identicamente no microcosmo, Terra, como no macrocosmo, o universo.
A Mudança do Século VI a. C.
O homem começou a desenvolver uma nova base para viver e conhecer-se como um indivíduo, um ser livre, e surgiu uma nova selva num nível mais elevado, o nível psicomental. Isto significou o início de um novo entendimento da Ordem, do Cosmos, de Deus.
Esta mudança importante ocorreu, por assim dizer, arquetipicamente, durante o século VI a. C., o tempo de Gautama, o Buda, seguido por LaoTse e Confúcio, o último Zoroastro e Gushapt, Pitágoras e, mais tarde, Platão — para mencionar apenas as figuras espirituais mais destacadas dessa época crítica que marcou uma reversão potencial de todos os valores humanos. Vinte e cinco séculos mais tarde, a humanidade está tentando trazer para a manifestação real e orgânica aquilo que era mera potencialidade naquela época.
O principal significado da mudança, no que concerne ao nosso presente estudo, é que a ênfase, até então colocada exclusivamente em assuntos fisiológicos, começou a ser transferida para valores psicológicos. Antes de 600 a.C., tudo se baseava no "corpo" humano. A partir de então, cada vez mais, foi se constituindo um novo fundamento, e quase tudo, mais cedo ou mais tarde, passou a ser focalizado na "psique" humana — utilizando esse termo para representar a natureza interna da pessoa: mente, alma e suas várias atividades e funções, conscientes e inconscientes.
Antigamente, tudo se centrava no corpo — incluindo toda a espiritualidade. Pois o corpo então não era o que é para nós, cristãos. Ele era o veículo puro dos instintos e do espírito, mas só potencialmente o veículo do espírito. O espírito dormia no corpo e precisava ser despertado, tornado ativo — sendo esta a base da forma arcaica pura da Hatha Yoga antes do século VI a.C. Esse despertar podia ser induzido pelo controle da força-vital, através de respiração, sons e posturas ou movimentos ritualistas — mas também em relação com os processos cósmicos envolvendo Sol, Lua, planetas e estrelas. Na Yoga Kundalini, o homem é entendido como um sistema de centros vitais ou remoinhos de energia que correspondem a esses dínamos celestiais, os planetas, o Sol e a Lua. A força-vital, por fim, se transfigura completamente por seu casamento com o Espírito, e floresce o lótus de mil pétalas, o Sahasrara chakra, ou seja, transcende-se o sistema solar, e as miríades de estrelas brilham, crisântemo dos Céus, a Rosa Cósmica — enquanto se ouve o som do mistério, Nado em Sahasrara, a Voz do Deus que mora dentro da Estrela Polar.
Em outras palavras, o que o Estado chinês como um todo deveria ser, o yogi procurava realizar em si mesmo, como um Indivíduo. Ao imperador chinês correspondia "Ishvara-no-corpo", a "joia no lótus" da doutrina tibetana. Aqui, astrologia significava desenvolvimento espiritual prático — mas desenvolvimento espiritual através do corpo, através da terra humana tornada perfeita e cósmica à semelhança da harmonia celestial.
Parece-nos um erro acreditar que a antiga Kundalini Yoga e métodos similares de desenvolvimento se referissem a fatos psicológicos — tal como C. G. Jung manifestamente acredita. Se essa correspondência existiu, isto só veio a acontecer após as reformas do Buda. Pois daí ficou demonstrado que o caos do mundo não poderia ser superado por meios quase totalmente psicológicos e racionais, ou supra-racionais. E um novo tipo de astrologia começou rapidamente a desenvolver-se: astrologia alquímica.
A alquimia, quando não pervertida ou materializada, é uma tentativa de fazer com a psique humana o que o imperador chinês devia fazer enquanto regente supremo da Agricultura e estabelecedor do Calendário. Seu propósito é cultivar colheitas psicológicas e domesticar a manada selvagem dos desejos humanos. A Yoga de Patanjali e o treinamento mental do Buda lidavam mais diretamente com os processos mentais. "Yoga é a detenção das modificações da mente", escreveu Patanjali. Mas a alquimia chinesa, ao longo das linhas seguidas pelos taoístas, e a alquimia européia, de Geber a Boehme via Paracelso, lidam mais especificamente com o aspecto-energia da psique, poderíamos dizer, com a natureza-alma do homem — sua purificação, redenção e frutificação pela "virtude" de Cristo ou, num outro sentido, de Tao.
Na alquimia, a "terra" humana a ser lavrada e transmutada até dar à luz o "Filho de Deus" imaculadamente nascido, o corpo crístico, é simbolizada por metais e por planetas. Os processos de transmutação são simbolizados por "códigos" que, ou são séries de símbolos retirados dos processos agrícolas naturais, na China, ou uma interpretação dos incidentes da vida de Jesus, conforme registrados nos Evangelhos, na alquimia européia (especialmente com Boehme). O Livro da flor de ouro traduzido do chinês por Richard Wilhelm, bem como o secular I Ching virão demonstrar o que são os símbolos chineses. Os símbolos cristãos podem ser estudados nos livros de Boehme e de alquimistas mais antigos.
O uso que a alquimia faz da astrologia em grande parte é simbólico. Mas, num certo sentido, a astrologia sempre é simbólica quando compreendida de modo apropriado. Tudo depende do que se quer dizer com a palavra simbolo. A álgebra também é puramente simbólica, no entanto ela e a matemática superior tornaram possível a ciência moderna e a era das máquinas. A astrologia é fundamentalmente a álgebra da vida. Mas suas aplicações são tão numerosas quanto os tinos de vida que ela coordena, integra, e aos quais dá o significado de Ordem.
A antiga astrologia caldaica baseava-se nos princípios de correspondências — princípios puramente biológicos. É verdade, os caldeus acreditavam que os planetas fossem os corpos de deuses e que o universo fosse regido de acordo com seus ditames. Mas isso era meramente uma interpretação do simbolismo astrológico. Os símbolos eram interpretados como deuses porque a consciência humana era essencialmente fisiológica e biológica, porque seus mundos objetivo e subjetivo ainda se confundiam muito e não havia nenhuma divisão clara entre o que fosse fisiológico e o que fosse psicomental, porque o animismo ainda tinha raízes muito fortes na consciência do homem.
Com o desenvolvimento livre da mente, em especial após o século XVI a.C., quando o pensar abstrato começou a separar o pensamento de seu fundamento-vida concreto, a valorização biológica de "utilidade prática" passou para segundo plano, e à astrologia foi dada a interpretação de "conhecimento puro", "ciência pura". Então ela tornou-se astronomia. Como M. Berthelot ressalta, isso aconteceu principalmente na Caldéia, enquanto no Egito a transformação foi mais de mágica cerimonial para ética espiritual. Na China, a antiga interpretação agrícola deu lugar a uma interpretação ético-social. Na Índia, aquilo que costumava ser referido ao corpo e à força vital no corpo (escapar do mundo selvagem dos sentidos humanos por um processo de desapego e unificação de energias) passou a ser aplicado à mente. Na Grécia, a antiga religião órfica também transmutou-se em pitagorismo.
Em todos os casos, o que aconteceu foi uma mudança de nível, uma mudança de interpretação. O Deus pessoal transformou-se (apenas teórica e potencialmente!) numa Lei ou Princípio de Ordem impessoal, tal como na democracia americana original vemos a ideia do reinado pessoal dar lugar à de uma constituição inviolável. "Na América, a lei é rei", disse Thomas Paine. Ao mesmo tempo e pelas mesmas razões, o princípio de relacionamento sanguíneo, que representava o único elo válido para uma humanidade focalizada no nível fisiológico, passou a ser desafiado por um novo tipo de relacionamento humano, a irmandade espiritual incluindo homens (e às vezes mulheres) de sangue e raças diferentes. Vide a Sangha budista, as confrarias pitagóricas, as irmandades gnósticas (origem das ordens monásticas católicas) e finalmente tais irmandades como as dos druzos no Monte Líbano (originalmente compostas de místicos de todas as raças).
Infelizmente, no entanto nada mais natural que uma mudança de nível tão tremenda como essa talvez não pudesse operar entre as massas. A coisa trágica foi que mesmo a elite da humanidade falhou em viver no nível da potencialidade de visão aberta pelos Grandes Professores do século VI a.C., e os cinco ou mais séculos seguintes são a história do relativo fracasso da humanidade em ajustar-se a um novo nível de ser. Tanto na China como na Índia, ou na Grécia, ou na Pérsia, o resultado foi o mesmo, variando a profundidade alcançada em cada civilização é claro.
Na Grécia, a mente tornou-se mero intelecto analítico, a sabedoria tornou-se sofisma. O individualismo desenvolveu-se de um modo desequilibrado, e a humanidade iniciou uma fase de caos psicológico em larga escala, com o resultado usual de desequilíbrio fisiológico, sensualidade, perversão etc. Em reação, isso levou ao cristianismo popular e na Índia ao movimento Bhakti e ao budismo Mahayana. Instalou-se uma extensa repugnância psicológica contra a mente, e as religiões de sentimentos e amor, de devoção e compassividade espalharam-se pelo mundo.
Enquanto isso a astrologia havia passado por uma profunda transformação. Deixara de ser vital e necessária para as coletividades como um princípio de ordem, porque o crescente domínio do princípio intelectual racional capacitava o homem a projetar especulativamente sua própria ordem sobre o mundo. Mas — e este é o ponto importante — a ordem racional do intelecto é de uma qualidade diferente da ordem biológica. O intelecto é somente um instrumental que ajuda o homem a elevar sua consciência do nível fisiológico ao psicomental. Ele não pode preencher a vida humana de significado vital. Ele cria um tipo de individualismo separativo, baseado em análise mas não em síntese — e toda vida é síntese. À medida que os indivíduos passaram a ser a coisa mais importante, a astrologia começou a atendê-los e aos seus medos. Começou então seu longo ciclo de degeneração externa. Na superfície, cada vez mais ela era mera predição de futuro, enquanto as fases mais profundas da astrologia experimentavam um renascimento, como já descrito, sob a forma de fundamento para a alquimia.
O ponto de mutação provavelmente ocorreu quando as ideias astrológicas deixaram a Caldéia rumo ao oeste, primeiro "através do sábio babilônico Berosus, que fundou uma escola por volta de 640 a.C. na ilha de Cos, e talvez tivesse tido Tales de Mileto (639-548) entre seus alunos" (cf. Enciclopédia Britânica, "História da Astronomia"), e, ainda mais definidamente, durante a metade do século IV a.C. (de acordo com Bouché-Leclercq e outros). Enquanto na Caldéia, bem como na China, a astrologia era principalmente um assunto relativo à comunidade ou ao Estado, com o rei como centro e princípio dirigente do estado, na Grécia, e mais tarde em Roma, desenvolveu-se a prática de fazer horóscopos individuais. Rapidamente a astrologia caiu em mãos de pessoas de mentalidade comercial, que logo vieram a ser conhecidas como charlatães. Em Roma, estes eram primeiramente chamados de "mathematici", depois "caldeus" e, tal como nos tempos modernos, tanta impostura ou tolice se associou com sua prática, que em certos tempos eles foram forçados por editos imperiais a cessar suas atividades.
Na Índia antiga havia um astrólogo oficial ligado a cada comunidade-vila, e parece que uma de suas funções era levantar o horóscopo dos recém-nascidos das castas elevadas. Mas neste caso a prática tinha um, significado muito ritualístico e fisiológico ou biológico, pois muitas vezes os casamentos eram feitos pela comparação das cartas natais, e mesmo a vida conjugal era regulada pelas estrelas. Em outras palavras, aqui encontramos novamente um tipo biológico de individualismo em operação. Os corpos dos indivíduos (das castas elevadas) precisavam ser "cultivados", ou na verdade gerados, para que pudessem vir a ser instrumentos perfeitos para a liberação do espírito. A pureza racial era uma outra expressão do mesmo ideal, e era forçada pelas circunstâncias pois o sangue ariano precisava ser cuidadosamente preservado, caso contrário a imensa massa de população não-ariana na Índia teria corrompido o tipo racial. Isto teria significado o caos fisiológico. Portanto a astrologia serviu aqui, novamente, como meio de propiciar — ou manter — a ordem biológica, como defesa contra a natureza elemental e como técnica de desenvolvimento da natureza "domesticada", ou seja, a natureza fiel ao padrão celestial representada pelo Manu, o grande ancestral divino. Um problema biológico desse tipo sempre surge quando urna raça mais ou menos nômade, que vive, nas montanhas, invade as planícies repletas de uma humanidade decadente.
Entretanto, não há evidências de que a individualização da astrologia e seu uso para finalidades pessoais na Grécia e em Roma tivesse uma base fisiológica semelhante. Pode ter existido um tipo de astrologia grega arcaica ligada aos mistérios órficos, tal como houve uma astrologia egípcia arcaica associada à magia cerimonial, mas não é do nosso conhecimento que algum traço desse tipo de astrologia tenha sido preservado. No entanto, é evidente que Pitágoras usou a astrologia relacionada com a música — e talvez seja aí que devamos procurar a origem da astrologia ético-psicológico-alquímica dos tempos mais recentes.
Uma astrologia desse tipo — que precisa ser claramente diferenciada do tipo de astrologia a que Ptolomeu se refere — é urna tentativa de trazer algum tipo de ordem psicológica à natureza interna de homens que havia sido desequilibrada pela nova ênfase que a civilização grega (e manifestações semelhantes no Oriente) colocara sobre o intelecto. É verdade que a Grécia clássica também enfatizara os elementos de beleza física e forma corporal. Mas o culto grego ao corpo era estético — não biológico ou "oculto", no sentido da antiga yoga hindu. Os gregos adoravam a forma e a proporção, não a vida orgânica que fez o corpo-terra e canta dentro dele. Eles eram ideólogos e, finalmente, estetas.
Foi o impacto desse ideologismo previamente desconhecido, que lida com ordem, forma, medida como abstrações válidas em seu próprio plano mental sem necessidade de um fundamento ou mesmo de um contexto fisiológico, que abalou o mundo humano — e destruiu o significado vital da astrologia. A astrologia havia descoberto a ordem que existe na esfera dos fenômenos biológicos. Era a promessa inerente à natureza — interna ou externa — de que o caos aparente das energias naturais pode ser resolvido num cosmos, e que portanto a previsão baseada numa lei é possível; que o futuro vivente pode ser deduzido do passado vivente. Agora os homens começavam a lidar com uma ordem abstrata, não mais com o cosmos na natureza — cosmos vivo — mas com padrões ideológicos, com lógica.
A lógica grega matou o significado da astrologia fisiológica. Se o homem podia fazer sua própria ordem abstratamente, e satisfazer desse modo sua procura inata de segurança, não havia mais valor vital na tentativa de pesquisar arduamente à procura de ordem dentro da natureza externa. O homem podia comandar a ordem. Podia projetá-la exteriormente — o que significa estetismo —, fora de seu próprio ser, seu próprio ser mental. Ele podia refazer o mundo a partir de ideias. Que revolução incrível! Antes desse tempo, as ideias eram meros elos de associação entre fenômenos naturais percebidos concretamente. Agora, dizia-se que elas viviam em seu próprio mundo, um mundo em que o homem também podia habitar, bem longe do domínio do caos natural e do medo biológico. Uma concepção assim transformou a visão humana inteira de um modo que é muito difícil para nós, modernos, avaliar, especialmente porque a maior parte do que conhecemos dos tempos antigos foi mais ou menos reescrito ou registrado pela primeira vez depois do século VI a.C.
Se a ordem estava existindo num mundo arquetípico fora do mundo da natureza biológica, então a coisa a fazer era, evidentemente, abandonar este último e seus medos — e adentrar o domínio abençoado. Os budistas tentaram fazer isto através da meditação, do separar-se da vida fisiológica e de uma perfeita mentalização do corpo. Isto era bem diferente do yoga "arcaico", uma tentativa de acordar o espírito vital no corpo, de libertá-lo do grilhão dos sentidos e da febre "da selva" e integrá-lo ao ponto de urna perfeita união com "Deus que habita a Estrela Polar" — tal como os chineses o tinham. Os gregos procuravam escapar do mundo trágico da natureza e seu destino passional através do pensamento puro, da pura contemplação estética e do amor "platônico".
Por fim, quando esses tipos de fuga terminaram em raciocínio e sofisma, ou no egoísmo absoluto de um nirvana enganoso, manifestou-se uma forte reação psicológica, e surgiram os sentimentos religiosos: o ideal Boddhisattva de compaixão, ou na Índia e na Pérsia o ideal bhakti de um amor — tão pessoal em seu êxtase a ponto de ser expressado em símbolos retirados da paixão mais sensual — ou o ideal cristão de caridade, sacrifício e martírio. Estas religiões também tinham um mundo libertado dos sofrimentos e medos (agora transformados em "pecados") da natureza terrena, mas esse mundo só podia ser alcançado após a morte. Era o "outro mundo", e sua entrada era guardada pela Igreja, sem cujos recursos o homem era confrontado com um estado ainda mais terrível de medo e caos — o inferno. E verdade que as religiões arcaicas muitas vezes imaginaram um mundo de deuses em que os mortais poderiam ser admitidos após a morte, mas psicologicamente o significado deste mundo era inteiramente diferente do "outro mundo" cristão. Pois este dava significado pejorativo e pecaminoso a qualquer coisa ligada à natureza fisiobiológica, que é o ponto importante. Então, fé, obediência cega, amor, foram exaltados; exaltados contra o viver biológico natural. Começou assim a longa história da repressão. O divórcio de espírito e carne. Os seres humanos perderam a ordem sólida dos instintos naturais e ainda eram incapazes de atingir uma outra solidez, a de uma ordem de vida superior, no nível psicomental. Portanto, viram-se habitando uma região intermediária, uma região povoada com os frutos de supressões, negações, sentimentos frustrados e sofismas intelectuais — uma verdadeira selva psicológica.
Nesta selva, como em qualquer outra, havia medo. Criaturas monstruosas, incubi, succubi, forças malévolas a povoavam; não mais criaturas fisiológicas ligadas aos elementos terrenos, mas produtos de pecados, de autodecepções e de inanição biológica. Disso surgiu um tipo de animismo psicológico. A Igreja oferecia ordem e segurança aos que adentrassem seus domínios, mas quantos monastérios mantiveram de fato a selva do lado de fora?
E, no entanto, a Igreja era um refúgio, uma prova da possibilidade de um mundo superior ao qual somente ela levava. E por isso a Igreja tomou o lugar da astrologia. Ela fez isso com festivais e cerimônias estabelecidos com muita ordem durante o ano — em verdade duplicando os antigos festivais biológicos baseados na astrologia da era arcaica. Ela o fez por seus filhos consagrados com uma série diária de missas, preces, serviços que se estendiam pela noite e pelo dia. Todas essas cerimônias da Igreja representavam o ano cristão, o zodíaco cristão (agora habitado por santos e arcanjos), a ordem cósmica cristã. A observância dessas cerimônias mantinha a selva longe da alma.
Mas ainda era a astrologia numa roupagem diferente! Astrologia sem o nome. A roda do zodíaco foi substituída por um sistema de transmutações dos quatro elementos: quente, frio, seco, úmido — não diferente do I Ching chinês. Os muitos festivais do ano, com alguma liturgia apropriada, correspondiam àquelas transmutações, e a elas foram atribuídos, como ilustrações simbólicas, alguns episódios dos Evangelhos. Boehme viria a estender o mesmo sistema, usando a alquimia como fundamento — não muito diferente do sistema dos taoístas chineses.
Astrologia Cabalística
No entanto, durante a Idade Média (especialmente após o século XI) surgiu uma grande renovação de ideias astrológicas, que, mesmo repudiada e combatida pela Igreja, continuava a controlar cada vez mais as mentes do período. Esta astrologia foi o resultado do "animismo psicológico" já mencionado, e tornou-se generalizadamente caracterizada pelo termo cabalística. Ela estava claramente ligada a várias formas de magia cerimonial e veio para a Europa, em grande parte, ao que parece, pela Espanha e a partir dos centros de cultura árabe, talvez especialmente Fez, no Marrocos.
A origem dessa linha da astrologia, essencialmente mágica, parece ter sido uma mistura de tradições egípcia e hebraica. Os livros de Hermes Trismegisto, compêndio do gnosticismo egípcio, foram parte de seu fundamento — e presumivelmente um grande número de tradições orais possivelmente oriundas dos antigos Mistérios, babilônios e gregos. De qualquer modo, encontramos ali uma mistura de elementos um tanto curiosa, muitos dos quais não necessariamente felizes. Aquilo que uma vez havia sido uma função vital na sociedade arcaica apareceu depois da grande transformação psicológica da humanidade como uma função inferior (para usar a terminologia da psicologia de Jung). Era a antiga ideia mágica de animismo traduzida para o domínio "astral" caótico em que o psiquismo coletivo da Idade Média estava tão definitivamente centrado. Por isso o elemento medo tinha uma presença forte. O mago usa uma espada para combater os maus espíritos, protege-se dentro de círculos mágicos. Mas o medo muitas vezes está em seu coração, e assim é aberta a porta para a desintegração psicológica. Notar os horrores da magia cerimonial na Europa, ainda hoje.
Esses tipos de magia, pura ou impura que fosse o caso, usavam a astrologia consistentemente. De acordo com ideias cabalistas, o universo consistia de dez esferas concêntricas, estando cada esfera sob influência de uma das dez Sephiroth, ou Emanações do Absoluto. Estas esferas eram, na ordem:
O primam mobile
A esfera do zodíaco
A esfera de Saturno
A esfera de Júpiter
A esfera de Marte
A esfera do Sol
A esfera de Vênus
A esfera de Mercúrio
A esfera da Lua
A esfera mundana
Cada uma das esferas planetárias presidia uma certa seção dos assuntos humanos, e o homem que desejasse ter sucesso nesses assuntos precisava conhecer os símbolos místicos do planeta governante, bem como os nomes e atributos dos gênios operantes (cf. E. Y. Pilcher, Two Kabbalistic Planetary Charms, Soc. of Biblical Archaeology, 1906). Também se usavam quadrados mágicos e se faziam talismãs para assegurar o trabalho dos espíritos ou a influência das esferas planetárias.
O que se supunha que esses gênios fossem pode ser visto na seguinte transcrição:
A Criação de Vida pelo Sol é tão contínua quanto sua luz; nada a detém ou limita. Ao seu redor, como um exército de Satélites, estão inúmeros coros de gênios. Estes vivem nas proximidades dos Imortais, e dali observam as coisas humanas. Eles realizam a vontade dos deuses através de ventanias, temporais, transições de fogo e terremotos, também através de fome e guerras para punição da impiedade. ... Sob as ordens do Sol, está o coro de gênios, ou melhor, os coros, pois há muitos e diversos, e seu número corresponde ao das estrelas. Cada estrela tem seu gênio, bom ou mau por natureza, ou melhor, por sua operação, pois operatividade é a essência dos gênios. Todos esses gênios presidem os assuntos mundanos, eles abalam e revogam a constituição de Estados e de indivíduos; imprimem sua semelhança sobre nossas Almas, eles estão presentes em nossos nervos, em nossa medula, nossas veias, nossas artérias e nossa própria substância encefálica. ... Mudam perpetuamente, nem sempre identicamente, mas girando em círculos. Eles permeiam pelo corpo duas partes da Alma, que pode receber de cada uma a impressão de sua própria energia. Mas a parte racional da Alma não está sujeita aos gênios. Está destinada para a recepção de Deus, que a ilumina com um raio solar. Aqueles que são assim iluminados são poucos em número e deles os gênios se abstêm, pois nem gênios nem deuses têm qualquer poder na presença de um único raio de Deus. Mas todos os outros homens, alma e corpo, são dirigidos por gênios, aos quais eles se unem e cujas operações efetuam.
De Hermes Trismegistus (citado em A. doutrina secreta, I, p. 294)
Temos aqui uma atitude típica, provavelmente de linhagem brahmânica, de acordo com a qual a natureza é concebida, a partir da concepção animista, como algo mau, algo de que a pessoa precisa escapar (por causa de sua qualidade mutável, instável, monstruosamente prolífica e amoral). Existe uma parte da alma humana através da qual a pessoa pode contatar Aquilo que é imutável, sem atributos, ilimitado — o self. Quando o contato é estabelecido permanentemente, a pessoa alcança segurança. A selva se torna inofensiva. Os gênios, bons ou maus, não podem mais seduzir, iludir ou atacar o ser humano. Ele é Um Iluminado.
O cabalista, por outro lado, geralmente adotava uma outra tática cuja tarefa era dominar essas forças "astrais". Ele era o mago da selva. Por abrandamento (através de sacrifícios fisiológicos ou psicológicos) ou por comando (usando um conhecimento dos Nomes e Assinaturas dos gênios), ele tornava a natureza subserviente à sua vontade. Isto, é claro, e justamente o que faz o engenheiro moderno. Este pode não sentir mais que desdém pelo mago — mas persiste o fato de as duas atitudes básicas serem a mesma, pois as fórmulas dos químicos são as assinaturas dos elementos —, exceto por serem essas obtidas através de um processo de análise intelectual, enquanto os hieróglifos dos cabalistas são o resultado de um processo de identificação psicológica. Mas, o que é ainda mais importante, os resultados obtidos pelos controladores das forças da natureza, muitas vezes são similares, ao final. O mago comandava gênios, mas logo se tornava seu escravo. Ele precisava alimentá-los com sua própria alma. Suas criaturas o devoravam. E hoje esta nossa sociedade, feita de engenheiros de fato ou em potencial, obviamente transformou-se em escrava de suas máquinas, de toda a instrumentação e das operações por meio das quais comanda os elementos.
Uma analogia desse tipo, é claro, parecerá descabida e insustentável para a maioria das pessoas, mas se percebermos a divisão que ocorreu durante tantos séculos entre o mundo físico governado pelo intelecto e o mundo da psique abandonado a um estado de caos reminiscente da selva primitiva, a despeito ou por causa dos sistemas morais e códigos de comportamento — então será possível ver as coisas em sua relação apropriada. A ciência moderna pertence a um dos lados do abismo, e todos os assim chamados sistemas ocultos ou esotéricos, mais a psicanálise moderna e seus derivados, ao outro.
Astrologia Alquímica
Se o cabalismo e o tipo de astrologia utilizada em suas práticas mágicas representam uma espécie de animismo psicológico, o tipo verdadeiro de alquimia representa o que poderíamos chamar vitalismo psicológico. A alquimia não tenta renunciar à natureza e centralizar a consciência, por assim dizer, fora dela, nos elevados cumes da alma, nem tenta comandá-la por compulsão e exercício da autovontade intelectual. Ela pressupõe uma substância vital universal que preenche todo o universo, físico e espiritual. Vê o homem e o universo como dois exemplos da mesma harmonia básica de princípios operando nessa substância vital e através dela. Busca estruturar o homem como um cosmos perfeito em seu próprio nível de manifestação, tal como o universo, em seu nível, é um cosmos perfeito. 0 mal deve-se ao fato de as respectivas esferas do homem e do universo se misturarem, quando o homem deixa de ser mera parte na natureza universal e se torna uma totalidade cósmica, em seu próprio direito.
Isto explica por que a filosofia vitalista dos tempos arcaicos considerava a Terra o microcosmo, e, em tempos modernos, a alquimia, sua contrapartida, considera a pessoa o microcosmo. Antes do século VI a.C., o homem não era de fato um microcosmo, mas apenas, num certo sentido, a fruição da Terra. Mesmo assim, poucas pessoas são verdadeiramente microcosmos! Mas desde que encontrada em si, independentemente da natureza, seu próprio princípio de Ordem, sua própria Medida e Proporção, a ideia, o Deus interior — então pode-se falar do homem, ao menos genericamente, como sendo o microcosmo.
Para entender corretamente o significado das palavras alquimia e astrologia, é necessário entender e perceber a íntima relação e a identidade do Microcosmo e do Macrocosmo e sua interação mutua. Todos os poderes do universo estão potencialmente contidos no homem, e o corpo físico do homem e todos os seus órgãos são nada mais que produtos e representantes dos poderes da Natureza. ...Se tenho "manna" em minha constituição, posso atrair "manna" dos céus. "Saturno" não está apenas no céu, mas também nas profundezas da Terra e no oceano. Que é "Vênus" se não a ` `artemísia" que floresce em seu jardim? Que é `ferro" se não "Marte" ? Isto significa que Vênus e artemísia são ambos produtos da mesma essência, e Marte e ferro manifestações da mesma causa. Que é o corpo humano, a não ser uma constelação dos mesmos poderes que formaram as estrelas do céu? Aquele que conhece o que seja o ferro conhece o atributo de Marte. Aquele que conhece Marte conhece as qualidades do ferro. Que seria de seu coração se não houvesse Sol no universo? Qual seria a utilidade de seus vasa spermatica se não houvesse Vênus? Apreender os elementos invisíveis, atraí-los por suas correspondências materiais, controlá-los, purificá-los e transformá-los pelo poder vivente do Espírito — isto é verdadeira alquimia.
Franz Hartmann, Paracelsus, pp. 287-88.
A citação seguinte demonstra, ainda mais que a precedente, a diferença entre astrologia vitalista e animista (no sentido moderno), pois nela o próprio Paracelso, uma das maiores figuras da história europeia, denuncia a atitude popular diante da astrologia, que então era muito parecida com a de hoje, e com a que existia também no último período do mundo greco-latino:
Ninguém precisa preocupar-se com a trajetória de Saturno: ele não diminui nem aumenta a vida de ninguém. Se Marte é feroz, isto não quer dizer que Nero fosse seu filho, e mesmo que Marte e Nero possam ambos ter as mesmas qualidades, não as tomaram um do outro. Um ditado antigo diz "um homem sábio pode governar as estrelas", e eu acredito nesse ditado — não no sentido que você lhe dá, mas no meu próprio. As estrelas nada nos impõem à força que não tenhamos vontade de receber, elas não nos inclinam a nada que não desejemos. Elas são livres por si, e nós somos livres por nós. Você acredita que um homem tem mais sucesso na aquisição de conhecimento, outro na aquisição de poder ... e você pensa que isso é causado pelas estrelas, mas eu acredito que a causa é que um homem é mais apto que o outro para adquirir e manter certas coisas e que suas aptidões vêm do espírito. É absurdo acreditar que as estrelas possam fazer um homem. Seja o que for que as estrelas possam fazer, podemos fazer nós mesmos porque a sabedoria que obtemos de Deus supera os poderes dos céus e governa as estrelas. ...A alma do homem é feita dos mesmos elementos que as estrelas, mas, tal como a sabedoria do Supremo guia o movimento das estrelas, assim a razão do homem governa as influências em rotação e circulação em sua alma.
As influências planetárias estendem-se através de toda a Natureza, e o homem atrai qualidades venenosas da Lua, das estrelas e de outras coisas, mas a Lua, e as estrelas e outras coisas também atraem influências nocivas do homem e tornam a distribuí-las através de seus raios, porque a Natureza é um todo indivisível cujas partes estão intimamente associadas. ...0 Sol e as estrelas atraem algo de nós, e nós atraímos algo deles porque nossos corpos astrais estão em simpatia com as estrelas e as estrelas em simpatia com nossos corpos astrais, mas o mesmo acontece com os corpos astrais de todos os outros objetos.
Franz Hartmann, Paracelsus, p. 309 etc.
Isto expressa claramente a ideia de correspondências exatas entre o macrocosmo, cujo princípio de ordem é Deus, e o microcosmo, homem, cujo princípio de ordem é "razão" — ou "Deus dentro do homem". A substância vital circulante e diferenciada presente em ambos, macrocosmo e microcosmo, é uma e a mesma. A Luz é a mesma, brilhe ela como Sol, como estrelas ou como os centros radiantes no organismo psicomental do homem — uma vez que este último esteja construído por meio de um longo processo de integração psicológica. Este é o Grande Trabalho dos verdadeiros alquimistas, o processo de "individuação", que é a meta do trabalho psicológico de C. G. Jung, o nascimento do "Deus Vivo", como é denominado pelo místico-ocultista contemporâneo Bo Yin Ra, seguindo as tradições de mestre Eckhart e Boehme.
É claro que durante os séculos que passaram da Idade Média à Renascença e até hoje, a astrologia, como nos foi legada pelo mundo greco-latino através de Ptolomeu, floresceu nas cortes, entre os mercadores ávidos de aumentar sua fortuna e onde quer que preponderasse a insaciável curiosidade do homem quanto ao futuro — como fuga de realizar o presente! Sempre que um astrólogo conseguisse prever alguma morte, nascimento ou calamidade notável, ele se tornava famoso, um favorito de reis, mas, quando suas profecias falhavam em alguma instância notável, seu fado era a desgraça. Nostradamus, médico do rei Henrique II da França e um favorito de Catarina de Médici, William Lilly, nascido em 1602, e seu aluno John Gadbury, que morreu em 1691 — e muitos outros, cujos nomes podem ser encontrados em vários trabalhos modernos sobre astrologia, continuam a tradição de Ptolomeu, acrescentando aqui e ali, mas sem trazer nenhum elemento novo importante. A astrologia "clássica" da Europa é um renascimento espiritualmente sem vida do intelectualismo greco-latino, como todo o classicismo europeu, praticamente. Todo o progresso da humanidade então está concentrado sobre a pura análise intelectual e a experimentação física "científica". A vitalidade que estava na astrologia agora está centrada na astronomia. A razão do homem brinca de reconhecer-se no mundo exterior, que ele faz conforme sua própria imagem, tal como a sensitividade psíquica do homem primitivo se projetava num mundo feito conforme sua própria imagem e povoado de "espíritos" e deidades com humores humanos. Recentemente, a eletricidade e a radioatividade quebraram o encanto e levaram o homem aos assustadores conceitos da física do século XX, à teoria da relatividade de Einstein, ao quantum e ao princípio de indeterminância de Heisenberg. Isto significa o nascimento de um novo mundo de pensamento, muito aberto ao Desconhecido e Desconhecível, que os últimos séculos haviam esperado matar com a espada mágica da Razão. E este novo mundo que agora está exigindo unia prestação de contas da astrologia.
A astrologia precisa renascer e voltar a desempenhar, em nosso mundo moderno, tornado caótico por um individualismo violento e falso e pela repentina abertura das barreiras psicológicas, a tarefa de integração prática que sempre foi sua. Sempre que os movimentos correlatos de Sol, Lua, planetas e estrelas são usados para trazer a ordem à confusão de nosso mundo cotidiano — existe astrologia. O tipo e a classe de fenômenos da natureza que a astrologia correlaciona, interpreta e aos quais dá significado em termos de um princípio de Ordem cósmica mudam era após era. A princípio eram fisiológicos e elementais. Agora devem ser essencialmente psicológicos e mentais. Mas o trabalho fundamental da astrologia continua o mesmo. É revelar a "harmonia das esferas" em qualquer nível que a consciência humana esteja centrada. E carregar o símbolo de Ordem onde quer que o homem encontre caos. Em terminologia moderna, é a álgebra da vida.
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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.
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