sexta-feira, 17 de junho de 2016

Tempo e Ciclos, por Dane Rudhyar

No universo holístico (falando genericamente, e não necessariamente como visto pelo general Smuts), o tempo na verdade é muito real. E sua realidade pode ser muito bem identificada como a realidade da totalidade dos todos. Não apenas o tempo real, ou a duração bergsoniana, se torna uma função da totalidade dos todos, mas entra também numa espécie de caminho metacausal, para a "holização" de qualquer grupo de elementos. Assim, há dois fatores envolvidos: primeiro, o período de existência independente de qualquer todo está intimamente ligado ao caráter da totalidade do todo. Segundo, a qualidade do momento, quando o grupo veio a ser um todo operativo, determina a qualidade da totalidade do todo.

Em outras palavras, não é simplesmente um assunto secundário se o todo continua a existir como tal por uni minuto, um ano ou um bilhão de anos. O período de totalidade não pode ser isolado da essência do todo. A relação entre ambos não é de causação, mas de identidade. Considerado como entidade viva específica, o homem é a duração de sua vida: primeira proposição. Um homem é o momento em que assume o poder de existência independente (primeira respiração): segunda proposição. Estes são postulados de uma "filosofia do tempo".

Mesmo assim, eles não contradizem o fato de uma pessoa ser, antes de tudo, uma entidade que pertence à espécie humana, então a uma determinada raça e agrupamento fisiológico. Este fato determina as características-espaço de um homem: sua estrutura biológica. Mas um homem não é apenas uma parte da coletividade (visão mecanicista). Ele é um todo individual (visão holística). O que é que caracteriza essa totalidade individual? O momento de sua primeira respiração e a duração de sua vida — sendo ambos valores relacionados no tempo real.

A ciência moderna não tem absolutamente nada a dizer quanto à qualidade da totalidade de qualquer todo, nem tem nada de vital ou real a dizer quanto à essência do tempo. Todos são criaturas do tempo. As partes, como elementos relacionados causalmente, são criaturas do espaço. O teimo criaturas pode ser um tanto alegórico, mas a ideia geral é correta pois a relação de tempo e todos é de um tipo genético. Rigorosamente, não quer dizer que o tempo faz todos, mas o tempo condiciona o fazer dos todos. Voltando a nossa ilustração anterior, a matemática não faz a física, mas a matemática condiciona o fazer da física. A matemática faz da física um todo através do processo de correlação lógica de dados. De modo análogo, o tempo faz com que grupos de elementos se tornem todos operativos, através do processo de correlação e "holização" desses elementos. Esse último processo não é lógico. Em alguns casos, podemos chamá-lo de biológico, mas, num sentido mais geral, ele transcende aquilo que ordinariamente chamamos vida. Pode ser chamado de ciclológico, porque o tempo é essencialmente cíclico em suas manifestações.

Daí a ciência dos ciclos (ou, mais corretamente, a ciência da "ciclicidade"). A ciclologia é para a ciência dos todos o que a matemática é para a ciência física moderna. A matemática analisa espaço; a ciclologia analisa tempo — tempo real, o tempo de vida e do todo. A primeira parte de um ponto de vista estritamente causal, intelectual, externo (no sentido dado pelo general Smuts ao termo) do universo, concebido como estendido num continuum de espaço-tempo abstrato, nó qual o tempo é interpretado como uma coordenada extra-espacial. A última parte de uma visão sincrônica, holística, interna do universo, concebido como intensificado num tempo psicobiológico cíclico, cuja unidade poderia ser chamada quantum de duração, isto é, o momento criativo. O momento é criativo à medida que desprende o poder necessário para fazer todos. É um tipo de fóton, pois representa uma unidade de liberação daquela energia criadora-de-todos, que é a qualidade mais intrínseca do tempo. Se voltamos a nos referir às ideias do general Smuts e vemos com ele a totalidade do todo como idêntica ao self ou alma (dependendo das definições dessas palavras), podemos perceber que o momento é criativo do potencial de ser self ou alma; que uma alma pode ser determinada em função do momento em que o todo, do qual ela é a própria totalidade, surge como individualidade operativa independente. Assim, o tempo se torna a matriz universal de "almas individuais".

Cada alma (ou todo) tem seu momento de nascimento e seu ciclo de manifestação, ambos os quais determiná-la-ão totalmente como uma alma — ou como uma totalidade de partes que, em sua genealogia como partes, se reportam ao espaço.

Isto se ajusta bem ao antigo simbolismo mitológico. Pois Cronos-Saturno é o fazedor de almas individuais, ou de selves individuais, ou de personalidades, ou de egos individuais — de acordo com a maneira pela qual esses termos são definidos. Ele é o deus dos ciclos, o regente da Idade de Ouro (ou seja, do início de qualquer ciclo). Ele é o princípio de limitação, de fronteiras, de finitude, de cristalização e forma. Isto porque qualquer todo precisa ser finito, porque totalidade implica finitude, ser self implica limitações e forma. Mas a Idade de Ouro é á idade da inocência e da felicidade, pois viver totalmente nos limites e fronteiras cíclicas da própria totalidade é a verdadeira inocência e felicidade, surgindo o pecado e a tragédia apenas quando se tenta ultrapassar esses limites em busca do "infinito".

Marc Jones escreve numa de suas cartas a alunos:

Não há ilusão mais danosa ao crescimento espiritual de quem busca do que a ideia de que a infinitude é algo a ser procurado, e de algum modo obtido. .. A infinitude é um conceito da mente finita, atingir algo que não é, e finitude é uma necessidade para a percepção da infinitude, por paradoxal que possa parecer. ...O medo é infinito, tanto quanto o amor é finito. O ódio é infinito, como é uma mentira ou una rendição da alma ao imoral ou ao ignóbil, mas a divindade é finita, isto é, definida. Finito significa limitado, infinito indica uma falta de delimitação. O intrinsecamente ilimitado é totalmente desconhecido, o totalmente definido é o absolutamente conhecido. Deus era finito para Jesus: seu `pai" . A divindade é finita para o estudante que conhece, pela fronteira espiritual, a limitação iniciatória de seu ser. Paulo chama a si mesmo "escravo" de um mestre imortal, e nesse "vínculo de escravidão" torna-se igualmente uma personalidade real ou imortal. A realidade é adquirida finita, nunca infinitamente. A busca do real é realmente a busca do finito absoluto.

Isto facilmente nos leva de volta à revolução conseguida 'por Einstein no domínio da física mundial proclamando o universo sem fronteiras, mas limitado. Desde essa afirmação matemática, a ciência moderna começou a lidar com o universo como um todo — e também com o átomo como um todo, composto de partes bem peculiares. Coisas essas todas que levam em direção ao Holismo. Mas nós questionaríamos seriamente algumas das ideias filosóficas envolvidas na difundida teoria de Einstein. Diríamos, por exemplo, que o espaço como tal é ilimitado, porque o espaço lida com a extensão causal dos elementos, como partes-de-ser. E não há limite para o número possível de elementos e de relações entre eles. Mas o tempo é limitado, porque ele é o domínio da constituição dos todos, e a totalidade ou identidade é, por definição, limitada. O tempo, em termos abstratos, é o Ciclo — seja qual for sua dimensão visível. Ele é o "círculo da totalidade", o mitológico-astronômico anel de Saturno. Portanto o que torna o espaço-tempo limitado é o fator tempo. Tempo infinito é um absurdo. A eternidade não é tempo infinito, mas um imenso ciclo de tempo, ou éon. Em termos místicos, é a totalidade de qualquer ciclo.

Na filosofia gnóstica, um éon não é apenas um ciclo de tempo, mas uma Consciência divina ou Ser cósmico — um Todo cósmico. Isto se aplica a cada ciclo, por menor que pareça ser. Um momento é um éon, no sentido de ser ambos: uma unidade de tempo e uma alma — ou a matriz geradora de uma série de todos que conquistam sua totalidade. Quanto ao que é chamado o "Self universal", isto não significa um self infinito, mas, ao contrário, aquilo que alcança a perfeição de ser self durante cada "quantum de duração", durante cada momento, ou seja, o todo que é inteiro em e através de cada um dos menores momentos, sem nenhuma interrupção concebível no estar sendo self Pode ser o menor dos menores, ou o mais vasto dos vastos. Dimensões não contam, porque elas pertencem ao domínio do espaço. Nem importa se um todo tem este ou outro número de partes, pequenas ou tremendamente grandes. O número de partes e o grau de extensão em dimensões não pertencem ao domínio da totalidade — ou tempo, mas à ilusão da espacialidade, à ilusão do mais e menos da lógica e causação intelectual. O ser é o potencialmente inteiro a cada momento. O Ser supremo é Aquele Que é verdadeiramente inteiro em cada momento, não conhecendo a desintegração que é a morte, cuja duração de tempo está tão plena de totalidade ininterrupta, que é tanto a menor das menores quanto a mais vasta das vastas.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar. 

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