Estes pensamentos estranhos podem se tornar mais claros com uma indicação sucinta do modo pelo qual se pode chegar ao simbolismo astrológico.
O problema do simbolismo astrológico é identificar corretamente (isto é, significativamente) a ordem manifestada nos ciclos dos corpos celestes em relação ao observador na Terra, e a ordem que usualmente não está manifestada na natureza humana e na vida humana, mas pela qual o homem anseia psicologicamente, e que se transforma numa realidade interior de fato para o indivíduo espiritualmente desperto. O homem que está envolvido na guerra contínua dos elementos primordiais e naturais nada encontra na vida além de caos e acaso, daí o medo. O homem que vê esses elementos como partes funcionais de um todo cósmico, harmonizadas por leis de "coerência funcional" externamente complexas mas inerentemente simples, supera o medo. Tendo concebido e percebido o universo como um todo, sua vida como um todo, sua psique e seu corpo como um todo, ele é, no final, capaz de identificar-se com a totalidade desses todos, e ficar na relação abstrata e "mística" de totalidade com o todo. Isto nem significa ficar fora da natureza como um todo, ou acima dela, nem aquilo que geralmente é chamado de considerar sua natureza e seu destino objetivamente. Significa reter uma posição constante ou estado de equilíbrio no "centro de gravidade" de sua natureza-todo e de seu destino. Significa não ser destituído de equilíbrio (isto é, envolvido) pela intensificação de nenhuma parte funcional desse todo. Não significa retrair-se de uma função assim intensificada.
Neste ponto, pode ser boa uma referência ao conceito científico de "energia", caracterizado em termos de aceleração do momentum, mais do que em termos de uma "força" misteriosa residente no objeto. De modo semelhante, a energia psíquica é produzida pela intensificação de uma função psico-orgânica, pelo fato de a "qualidade" que ela representa aumentar tanto seu significado em relação ao equilíbrio orgânico inteiro, que se torna um fator dominante na consciência. Por exemplo: a função do sentimento pode assumir um valor tão predominante, que a consciência fique quase totalmente "eu sou", geralmente é envolvido, deslocado do centro de gravidade psíquica por esse ódio. E o ser todo grita: "Eu odeio", o que significa: "Eu sou ódio".
O homem que permanece equilibrado pode sentir o ódio surgir; ele não dirá: "Eu sou ódio', mas: "Há uma intensificação de ódio no todo de mim mesmo". Ele não se desligará da função de sentimento por causa disso; pois isto seria uma automutilação. Mas ele ordenará, por assim dizer, todas as suas outras funções e equilibrará, através delas, a função-sentimento intensificada. Se ele for bem-sucedido nisso, ele, o self e a totalidade do todo, manterá sua posição de equilíbrio no centro de gravidade de sua natureza como um todo. Assim, não será arrastado de seu centro de gravidade pela energia gerada pela intensificação ("aceleração") de uma de suas partes funcionais, sem no entanto abster-se dessa função, e portanto sem aceitar uma mutilarão.
E muito provável que não seja possível falar de "energia psíquica" a não ser que uma ou mais funções se intensifiquem desse modo. O self poderoso depende dessa intensificação para seu poder, e assim o equilíbrio é sempre instável e dinâmico. Há um aumento e diminuição constante e alternado na intensidade de todas as funções. No entanto, o self permanece sempre no centro de gravidade do todo, atuando sobre as partes cujas relações são constantemente alteradas — mas cujo equilíbrio total nunca é perdido.
A harmonia da natureza-todo pode assim ser descrita em termos de um relacionamento dinâmico entre partes. O homem como um todo é um complexo de relacionamentos dinâmicos entre partes funcionais. De fato, o mesmo ocorre com qualquer todo orgânico. Há portanto uma ordem dinâmica em cada todo orgânico, que pode ser estabelecida em termos de ciclos alternados de intensificação e desaceleração de funções. Mas uma descrição como essa pode ser facilmente relacionada com a do sistema solar como um todo, se a intensificação de função é associada a vários conjuntos de características derivadas dos vários tipos de relacionamento planetário (relações de posições no espaço, de distância do Sol, de massa, velocidade, estágio de evolução cósmica etc.).
O ponto importante a ser percebido é que essas conexões simbólicas precisam sempre estar baseadas muna interpretação dos dois todos relacionados que seja funcionalmente coerente e fundamentada em fatos de experiência concretos e indubitáveis. Em outras palavras, qualquer correlação que seja estabelecida, entre, digamos, Saturno e uma determinada função psicológica, precisa derivar de uma interpretação coerente de: 1) o sistema solar como um todo; 2) a psique humana como um todo. Se é estabelecido um princípio de correlação dando significado simbólico a um planeta em termos de sua distância do Sol, então todos os planetas deverão receber seu significado simbólico respectivo da mesma maneira. Se é adotada uma atitude estritamente geocêntrica, então todas as interpretações simbólicas deverão derivar dela. Jamais deveria ocorrer qualquer mistura de planos de interpretação. Muitos desses planos de interpretação podem ser usados sucessivamente, cada um em relação com um nível de vida correspondente. Mas não pode haver nenhuma confusão entre os tipos de dados concretos usados como base para os vários conjuntos de interpretação. Cada conjunto de interpretação precisa usar seu próprio tipo de dados concretos, e exclusivamente esse.
O texto que segue pode ser tomado como um exemplo muito significativo. Nos tempos arcaicos, a experiência concreta e significativa que o ser humano tinha dos corpos celestes era apenas em termos da luz que produziam. O dado concreto à disposição dos astrólogos era o Sol como fonte de vida, de luz e de calor. A vida humana dividia-se em períodos com Sol (dias) e períodos sem Sol (noites). As noites na selva são cheias de medos, de tragédias e de mortes. Imediatamente, a vida ficou sujeita a duas interpretações, dependendo da presença ou da ausência do Sol e da sua luz. Então, nos climas temperados, logo deve ter sido notado que as estações e as mudanças correspondentes na vegetação e nas características biológicas de animais e homens estavam todas correlacionadas e eram função dos vários ângulos de incidência dos raios solares sobre a Terra, ângulos estes que pareciam regular a intensidade de luz e calor, bem como as relações ainda mais óbvias entre as durações dos dias e das noites, portanto os quatro pontos básicos de mudança solar, equinócios e solstícios.
A Lua era experimentada como uma ajudante misteriosa do Sol no desprendimento da luz. Presumivelmente, também foi logo notado que suas fases correspondiam às de mudança fisiológica nas mulheres etc. A partir destes e de outros dados experimentais correlatos e significativos, a Lua assumiu um significado simbólico bem definido. Todos os corpos celestes eram vistos como pontos de luz e chamados de estrelas, mas alguns mantêm uma relação constante entre si e foram chamados de "estrelas fixas". Suas relações constantes, ou seja, as configurações que desenhavam na escuridão do espaço, foram investidas de significado justamente porque quase só elas, dentre todas as coisas da natureza, permaneciam constantes. Portanto, tornaram-se símbolo de qualidades de vida constantes, de Ideias de organização ou Arquétipos — como constelações.
As estrelas que, tal como o Sol e a Lua, mudavam suas posições periodicamente em relação às constelações foram chamadas planetas. Eles atuavam como o Sol com respeito à sua movimentação periódica, no entanto emitiam apenas uma pequena quantidade de luz. Receberam por isso, natural e logicamente, o significado de "assistentes do Sol". Como tais, receberam atributos simbolizados pela intensidade de suas luzes, pela distância média que mantinham do Sol e pela maneira como apareciam. Vênus, por exemplo, sendo a estrela do anoitecer e a estrela do alvorecer, recebeu significado dual. A partir de um outro angulo, a cor das estrelas fixas e planetas serviu para fazer deles símbolos de qualidades — como a cor vermelha de Marte e Antares etc.
Todos esses fatos foram elementos de experiência concretos e significativos. O ser humano intuitivo, vendo os céus como um todo cósmico, distribuiu significados a suas partes componentes em termos de fatos experimentados. Cada parte veio a ser veículo de uma função orgânica dentro do todo cósmico dos céus, acima e abaixo. Todos esses fatos naturalmente se baseavam numa interpretação geocêntrica do cosmos. O Sol simbolizava a função mais importante, a de ser a própria fonte de força vital, não por ser o centro do sistema solar (uma noção incongruente à luz geocêntrica), mas por ser a fonte de luz e calor e porque o ciclo de vida na Terra parecia seguir exatamente seu ciclo de mudança. A Lua, então, não tinha nenhum significado como satélite da Terra — porque isso também era totalmente irrelevante num sistema geocêntrico. Além disso, planetas como Urano e Netuno, não sendo visíveis a olho nu, dificilmente poderiam entrar num sistema como esse, que se baseava na experiência de fato.
Apesar disso, na astrologia moderna as perspectivas geocêntricas e heliocêntricas estão irremediavelmente misturadas e perdeu-se de vista a base do simbolismo. O resultado é uma completa confusão filosófica. A maioria dos conceitos da astrologia geocêntrica estão mantidos; Sol e Lua são chamados luzes; o termo estrelas fixas é usado sem nenhuma razão válida, e atribuem-se a essas estrelas fixas valores arcaicos nos termos do antigo conceito geocêntrico de constelação.
Se queremos usar uma base heliocêntrica para nosso simbolismo astrológico, então muitos dos conceitos, frases e denominações tradicionais da antiga astrologia geocêntrica precisam ser descartados. Pois eles são ilógicos nos termos de nosso conhecimento heliocêntrico. No entanto o que complica esses assuntos é que nós, real e sensorialmente, não experimentamos o fato de o Sol-ser o centro de um sistema do qual a Terra é apenas um planeta. Pelo menos a maioria de nós não o faz. Cientistas que fazem experiências para provar o sistema heliocêntrico podem chegar perto de experimentá-lo, mas os mortais comuns tomam isso por feito, em bases meramente intelectuais. Apenas uma pequena minoria dentre os seres humanos está mentalmente bem desenvolvida a ponto de se dizer dela que experimenta mentalmente os fatos do sistema heliocêntrico.
Vemo-nos assim confrontados com dois tipos definidos de interpretação do cosmos, cada um dos quais podendo ser tomado por base para simbolismo. Se desejamos utilizar ambos, precisamos ser cuidadosos para usá-los separadamente, fazendo com que cada um corresponda a um nível distinto de consciência humana — digamos, o nível vitalístico e o mental (ou idealístico, ou abstrato).
A diferença que existe entre os resultados obtidos por causa da mudança de nossa base de simbolismo será vista rapidamente, à medida que extraímos conclusões lógicas (isto é, holisticamente lógicas) a partir dos dados derivados do ponto de vista heliocêntrico. Permitam-nos dizer logo de início que esses dados têm muito pouco que ver com o que algumas pessoas hoje chamam de astrologia heliocêntrica. Ao dizer perspectiva geocêntrica, não queremos designar aquela que relaciona todas as movimentações celestes com um observador na Terra — pois em qualquer caso teremos de fazer exatamente isso, obviamente. Queremos nos referir à atitude que interpreta os fenômenos celestes em termos de suas aparências sensoriais reais A concepção heliocêntrica é a da moderna astronomia científica, que interpreta os movimentos aparentes dos corpos celestes de acordo com uma teoria provada por experimentação científica — isto é, de acordo com um tipo intelectual de conhecimento.
Na perspectiva heliocêntrica, o sistema solar obviamente deve ser considerado como um todo, estando a estrela mais próxima remotamente além da possibilidade de pertencer ao mesmo todo sistêmico. Em outras palavras, o sistema solar aparece como uma unidade fechada, sendo os cometas os únicos elos conhecidos entre ela e o mundo exterior. Este todo cósmico, o sistema solar, visivelmente também é parte de algum todo cósmico maior, que ou é nossa galáxia, a Via Láctea, ou um fragmento dessa galáxia, ou de um grupo de galáxias — estando este ponto ainda mais ou menos em dúvida, em bases estritamente científicas (ao que saibamos). Seja como for, temos um conhecimento bastante preciso do sistema solar como uma unidade física (com a possibilidade de planetas ainda desconhecidos, provavelmente muito remota), e esse conhecimento precisa ser a base de nosso simbolismo. Nenhum elemento extrínseco deveria ser mantido, tal como seria a partir de uma abordagem puramente geocêntrica.
O Sol, como o centro do sistema e a origem de todos os planetas, deve obviamente ser considerado a origem da vida, a nascente da força vital. "Sabemos" cientificamente que nós, a Terra e seus habitantes, giramos em torno dele. Somos subservientes a ele, e seu poder (gravitacional ou outro) é a causa de nossa movimentação cíclica, em cujo percurso somos compelidos a ver o universo a partir de uma série de perspectivas sucessivas. Esta série de perspectivas constitui a realidade psicológica (ou consciência) daquilo que a ciência física chama órbita da Terra. Esta órbita, como uma série constante de perspectivas, é o que nós, no simbolismo heliocêntrico, chamamos zodíaco. As constelações em si são um tanto desprovidas de significado num simbolismo desse tipo. Têm valor meramente como pontos de referência convenientes. "Sabemos" cientificamente que elas não correspondem a nada de real. A distancia das estrelas é tal, que elas dificilmente podem ter algum significado para nós, exceto no que se refira à galáxia a. que nosso sistema solai pertence. Mas as antigas constelações nada têm que ver com nossa galáxia. No melhor dos casos, podem simbolizar as várias perspectivas que obtemos a partir das estações orbitais sucessivas em nossa revolução anual ao redor do Sol.
Para ser mais preciso, elas simbolizam vistas do espaço universal que a Terra e o homem experimentam como resultado de seu relacionamento sempre mutante com o Sol. São símbolos do espaço criado pela revolução da Terra ao redor do Sol.
Na simbologia heliocêntrica, os planetas do sistema solar têm significado em termos de sua relação de posição, distância, massa, velocidade, densidade etc.,com a Terra e com o Sol. Primeiramente, devem ser divididos entre planetas interiores e planetas exteriores à órbita terrestre. Como esta órbita introduz, no que se refere a nós, é claro, ultra linha divisória entre interno e externo, podemos esperar um tipo de equilíbrio ou simetria entre planetas interiores e exteriores. Assim, estabelecemos os pares Vênus e Marte, Mercúrio e Júpiter — e, de um modo um pouco diferente, Sol e Saturno. Pode ser que exista mesmo um planeta intramercurial, Vulcano, que deveria estabelecer um par com Saturno, caso em que necessariamente carregaria uma parte do significado agora dado ao Sol. Vulcano também pode ser entendido como a fotosfera do Sol. Pois na lógica simbólica, a fotosfera equilibraria Saturno, muito corretamente. Simbolicamente, o interior do Sol equilibraria todos os planetas encontrados além da órbita de Saturno.
A Lua, como único satélite da Terra, estaria colocada numa posição interessante. Talvez o simbolismo bíblico da criação de Eva, a partir de uma costela de Adão, nos pudesse ajudar a entender seu significado! À parte os planetas, todos os outros símbolos usados em astrologia, a partir desse modo de ver heliocêntrico, também precisam ser interpretados de acordo com os fatos da teoria heliocêntrica. A revolução da Terra em torno de seu eixo cria o horizonte sempre mutante; este eixo cria um polo norte, uma Estrela Polar e outros pontos de interesse. Símbolos combinam-se com símbolos para dar símbolos, por assim dizer, "de segundo grau" — e assim por diante, teoricamente ad infinitum. Mas qualquer símbolo cujo significado não se justifique, nas bases da lógica holística, pelos dados concretos que sintetiza, precisa ser descartado como irrelevante.
Essa qualidade irrelevante nada tem que ver com estatística e tabulação de casos, que "provam ou refutam" o significado do símbolo. Ela se apoia numa base lógica — mesmo que não seja a lógica da análise intelectual e matemática. A pessoa verdadeiramente intuitiva reconhecerá o caráter absoluto dessa lógica na evidência interna. Mas poucos são os homens que, presentemente possuem uma faculdade desse tipo tão perfeitamente desenvolvida: a faculdade de percepção holística, o poder de se identificar com a totalidade dos todos e de transmitir o significado desses todos em termos de símbolos verdadeiros e poderosos. Evidentemente os grandes artistas criativos têm uma faculdade como essa, mas desenvolvida apenas numa certa direção. Quando o artista criativo começa a criar com vida, então começa a viver num mundo de significado incessante e dotado de ubiquidade, pois ele está "engrenado com o momento", por assim dizer. Então suas expressões se enraízam em significado universal, as próprias imagens do momento. Elas se tornam fecundas pelo próprio poder da vida. Artistas criativos desse tipo foram Buda, Lao-Tze, Jesus.
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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.
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