terça-feira, 16 de agosto de 2016

Retificação da Carta de Nascimento, por Dane Rudhyar


Não podemos encerrar este capítulo sem mencionar, do modo mais breve possível, um assunto de importância suprema, que na verdade é o fator mais agravante em qualquer trabalho prático de astrologia. Este fator é a incerteza quase universal quanto ao momento exato em que a pessoa respirou pela primeira vez. Se o leitor nos acompanhou com compreensão através de nossa apresentação dos fundamentos da astrologia, ser-lhe-á evidente que todos os fatores de uma carta de nascimento que se refiram à rotação axial da Terra são absolutamente dependentes do momento estritamente exato de nascimento (primeira respiração). Pois uma diferença de quatro minutos de hora de nascimento muda os graus de todas as cúspides, de todas as Rodas astrológicas, e portanto altera todos os cálculos baseados em direções primárias.

É claro que isto significa que onde exista tal incerteza quanto ao momento de nascimento, deve existir na mesma proporção uma incerteza quanto aos fatores individuais na personalidade e no destino do nativo. Isto é de importância capital para qualquer tipo de interpretação que ressalte o fator simbólico dos graus e em geral para qualquer tipo de interpretação psicológica e criativa. Como um erro de quatro minutos no horário de nascimento é quase inevitável, considerando o modo acidental de registro do horário de nascimento por enfermeiras atendentes, e considerando a memória variável da mãe e parentes, o problema na verdade é dos mais sérios. De fato ele tende a tornar a grande maioria das interpretações astrológicas não-confiáveis de várias maneiras, especialmente quando a natureza interna e os fatores criativos espirituais nos processos de individuação são analisados.

Para evitar esta deficiência, o astrólogo pode recorrer a um procedimento chamado retificação. É uma tentativa de descobrir, através de um dos vários métodos em uso, o momento exato do nascimento. As várias bases desses métodos de retificação podem ser descritas, em geral, como segue:

1) Descobrir o signo ascendente pelas feições do nativo. Isto baseia-se no fato de que o Ascendente se refere à estrutura do ser individual — ou melhor, às suas feições. Estrutura, no sentido de estrutura óssea, é uma questão que depende mais de Saturno e da Lua. Mas "feições" referem-se não apenas à estrutura corpórea geral, mas, até mais que isso, à expressão geral do corpo, e especialmente do rosto. O signo solar dá mais a radiação vital da personalidade como um todo; Saturno e Lua, a moldura do corpo e o ritmo da vida de sentimentos, que em grande parte é condicionado por essa moldura física. O Ascendente refere-se à expressão do indivíduo através do corpo, ao fator único de ser, à maneira pela qual o indivíduo vive sua vida num contexto material. É por isso que as características do Ascendente em geral ficam mais evidentes após os 35 anos, pois então o indivíduo como tal tornou-se mais plenamente "in-corporado" e sua marca ou assinatura mais claramente visível.

Como são doze os tipos básicos de Ascendente, o astrólogo é capaz, olhando para o nativo, de determinar seu "signo ascendente" — teoricamente! Em termos práticos, uma caracterização como essa é sempre mais ou menos incerta, tão incerta quanto é difícil separar o fator ascendente de outros fatores que influenciam a aparência corpórea. Além disso, este método determina apenas a natureza do signo ascendente, que, como média, significa um período de duas horas durante o qual a pessoa pode ter nascido. No entanto este é um procedimento muito válido, a ser utilizado sempre que a pessoa não conheça nem mesmo a hora de seu nascimento.

2) Retificação através de eventos passados. O princípio deste procedimento é que, tal como é possível predizer eventos futuros a partir de um momento exato de nascimento conhecido, também é possível deduzir o momento exato de nascimento a partir de eventos passados precisamente conhecidos. Propriamente, isto é "retificar" uma hora de nascimento duvidosa a partir do conhecimento da história de vida do nativo. Obviamente, este procedimento é muito perigoso, exceto quando a incerteza quanto ao momento de nascimento estiver confinada a limites de tempo estreitos — digamos, quinze minutos ou meia hora. No entanto é muito mais fácil encontrar o aspecto astrológico correto, que é a expressão de um certo evento da vida, do que predizer um evento preciso como resultado de um aspecto que ainda está por se formar. Isto porque destino passado é vida cristalizada — vida menos a incerteza da liberdade humana.

Colocando isto em outros termos: numa vida não acontece nenhum evento ao qual não se possa relacionar simbolicamente um aspecto astrológico, dando àquele evento um significado adequado. Mas isto não implica que um aspecto definido sempre produzirá uma ocorrência definida. Um aspecto é necessário para que um evento ocorra, mas não é prova suficiente para predizer corretamente a ocorrência de um acontecimento definido. Um ponto importante que jamais deve ser esquecido!

A dificuldade é isolar aquela determinada ocorrência passada que verdadeiramente corresponda a (ou é indicada por) um certo aspecto que tenha amadurecido naquela determinada época. Um aspecto por progressão secundária e um aspecto por direção primária podem parecer referir-se, digamos, a uma viagem importante, mas eles determinam datas que diferem por um ou dois anos. O problema da retificação é: a partir de qual aspecto determinar o momento de nascimento? Pode parecer que dois ou mais aspectos por progressão secundária também possam ser tomados indiferentemente, como significadores de um evento definido. Se forem feitos cálculos regressivos a partir desses diversos aspectos, poderão ser encontradas diversas horas possíveis de nascimento.

Portanto retificação envolve uma série muito complexa de conferências e reconferências, de calcular para frente e para trás, o que significa — mesmo quando a vida do nativo apresenta pontos de mutação definidos (o melhor caso para o propósito de retificação) — gastar muito tempo e usar de muita engenhosidade. É absolutamente necessária uma sensibilidade psicológica real da vida humana e das reações humanas para que o astrólogo possa determinar qual aspecto é o símbolo mais provável de algum evento passado, e também a capacidade de obter do nativo informações que ele possa ter esquecido ou cuja importância não perceba. Esta capacidade não é tão frequente quanto possa parecer, e todo psicanalista conhece este fato muito bem. Na verdade, muito poucas pessoas percebem quais eventos de seu passado realmente foram significativos, e normalmente as pessoas não compreendem o verdadeiro significado desses eventos. O maior valor da astrologia provavelmente está em ajudar o homem a descobrir o significado daquilo que já aconteceu. Só quando cada fator de sua história aparece com um significado claro em termos de destino como um todo — só então o homem está realmente preparado para enfrentar seu futuro com inteligência e compreensão, em outras palavras, em função de seu verdadeiro estado de self individual.

Depois de considerar os fatores astrológicos mais importantes, mencionados como os mais reveladores para o propósito de retificação, acreditamos que aqueles que Marc Jones menciona em seu curso Directional Astrology provavelmente sejam os melhores; ao menos são, de longe, os mais simples. São:

1) A passagem da Lua progredida sobre os ângulos da carta de nascimento — permite determinar estes ângulos corretamente. A passagem sobre o ascendente é em quase todos os casos uma indicação de alguma mudança básica no destino ou na autocompreensão. Geralmente marca uma mudança de residência ou de ambiente significativa; no entanto, em muitos casos, uma mudança de "ambiente interno", uma nova abordagem da autocompreensão, são as únicas coisas reconhecíveis na vida — especialmente no caso de introvertidos típicos.

2) Os aspectos de Marte ou Saturno com o meridiano zênite, isto é, com o Meio-do-Céu ou o nadir, que muitas vezes se referem à morte de um dos pais. Tais aspectos podem ser calculados de acordo com o tipo mais simples de direções primárias, mas a nosso ver referem-se ao que chamamos de análise de tempo da carta de nascimento. A morte de um dos pais — especialmente a primeira morte — marca uma liberação psicológica definida do fator individual em quase todas as vidas. É uma ocorrência básica como esta que deveria ser notada na própria forma seminal do destino, nos projetos de estrutura de vida individual. Uma morte como essa normalmente é acompanhada de uma descarga de forças psíquicas ou anímicas de quem morreu para o nativo, e o significado disso normalmente é de suprema importância. No entanto há casos em que uma indiferença clara do nativo com relação aos pais leva a uma "morte psicológica" dos pais, e é a este evento que o aspecto acima se refere, mais que à própria morte física.

Os aspectos de morte a serem considerados são conjunção, quadratura e semiquadratura de Marte ou de Saturno com o Meio-do-Céu ou nadir. Se Marte está a dez graus do Meio-do-Céu, a morte de um dos pais pode ocorrer aos dez anos. Mas também pode ocorrer aos 35 (por semiquadratura). Repetimos: tais aspectos não indicam a necessidade de uma morte, mas se ocorreu uma morte aos dez anos, e Marte está a onze graus do Meio-do-Céu, então a conclusão lógica é que a posição do Meio-do-Céu não é correta e deveria ser deslocada de um grau, para fazer com que o arco entre Marte e o Meio-do-Céu seja igual a dez graus. É isto que se quer dizer com "retificar" uma carta.

3) Retificar pela época pré-natal ou pelo aniversário da mãe são dois métodos de importância desigual e muito diferentes em técnica. Eles são colocados em uma categoria, porque ambos são tentativas de definir o surgimento do fator individual num novo ciclo vital (primeira respiração) em função de sua linhagem materna. A ideia é que certos períodos que afetam a formação da substancia corpórea do ser através da mãe levam, de modo mensurável, ao início do período de existência individual.

Muito já se disse a favor e contra o levantamento de um mapa para o momento da concepção. Podemos apenas salientar que a concepção é um momento na vida da mãe e não na vida de uma pessoa individual que de nenhum modo pode ser chamada de indivíduo, até que tenha atuado como uma entidade independente e relativamente autossustentada, ou seja, até que tenha respirado. Num certo sentido, a concepção não é mais importante para a vida do futuro indivíduo que o momento em que seus pais se conheceram. Pertence ao ciclo anterior a seu próprio ciclo individual. E o último de uma série de eventos, que se estende ao início do sistema solar, que condiciona aquilo de onde emerge o indivíduo. E o resumo da hereditariedade. Mas hereditariedade é simplesmente um dos aspectos básicos do fator coletivo da existência; o outro aspecto é o meio ambiente. Ele não determina o fator individual. Condiciona apenas aquilo através de que este fator individual precisará expressar-se.

No cálculo da carta da "época pré-natal" (que, aliás, não parece referir-se ao momento exato e real da concepção fisiológica), estabelece-se uma relação entre o Ascendente no nascimento e a Lua no momento aproximado de concepção. Isto para dizer, simbolicamente, que existe um momento na vida da mãe, por volta do período da concepção, em que ela prevê, em sua imaginação criativa, o que será o self individual de sua futura criança.

Poderíamos concluir dizendo, como já dissemos antes, que a razão pela qual é tão difícil precisar exatamente as cúspides das casas e todos os elementos referentes à rotação axial da Terra é que eles simbolizam o verdadeiro fator individual no homem. E este fator individual realmente é sagrado. Portanto, é bom que ele fique longe da análise dos indiscretos e dos curiosos. O grau exato do Ascendente é a chave para a qualidade singular do ser e do destino do homem. Num mundo em que o indivíduo é desdenhado e tantas vezes crucificado pela estupidez coletiva, talvez devêssemos nos alegrar com o fato de o Ascendente e todas as cúspides, que são os portais para o self criativo mais interno do homem e para a sua liberdade criativa, normalmente ficarem envoltos em mistério.


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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.


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