domingo, 3 de julho de 2016

Individual e Coletivo, por Dane Rudhyar

 



Todas as manifestações da vida podem ser vistas como envolvendo um dualismo de elementos ou tendências. Onde os chineses diziam yang e yin, poderemos usar os termos individual e coletivo, e ver que esse dualismo se transforma pela operação de um terceiro princípio: o "criativo". E claro que as palavras em si não são novas. Elas vêm sendo usadas especialmente na psicologia e em relação com organização social, política — e mesmo, ultimamente, têm ficado implícitas nas teorias recentes da física moderna (especialmente no dualismo de "partícula" e "onda"). No entanto — ao que saibamos — esses conceitos básicos não foram usados numa tentativa de integrar a totalidade do conhecimento humano, ou de oferecer uma interpretação consistente do ser e do vir-a-ser. Mais Uma vez, precisamos repetir que aqui estamos apenas sugerindo como uma tentativa desse tipo poderia ser feita, e isso para estabelecer uma reinterpretação dos símbolos astrológicos num fundamento verdadeiramente todo-abrangente em seu escopo.

A filosofia do holismo, à qual o general Smuts deu uma formulação extremamente interessante apesar de incompleta, será de grande ajuda para nós no sentido de mostrar como o processo evolutivo da vida e seus fatores contribuintes podem ser reinterpretados de um modo que seja fiel ao espírito da futura civilização.

O todo e as partes são apresentados como os dois termos do processo da vida. E a introdução desses dois termos como últimos cósmicos é um passo tremendo - apesar de o general Smuts parecer um tanto tímido quanto a generalizações verdadeiramente metafísicas e cósmicas. Apesar disso, ele caracteriza a natureza do processo mundial da seguinte maneira:

Este é um universo que faz todos. ...A realidade última do universo não é nem matéria nem espírito, mas totalidades. ...0 holismo, como um processo criativo ativo, significa o movimento do universo em direção d totalidade cada vez maior e mais profunda. Este é o processo essencial, e todas as atividades e relações orgânicas e psíquicas devem ser entendidas como elementos e formas desse processo. ...0 surgimento e autoproteção de todos dentro do Todo é o processo lento mas infalível e a meta desse universo holista.
(Holism and Evolution, 1926)


Um quadro como esse, quando completado pela ideia de que a alma ou o self devem ser entendidos como a totalidade dos todos (cf. Cap. 2), constitui uma reavaliação revolucionária da atitude humana diante da vida. O dualismo de espírito e matéria, que era uma outra forma de dualismo fisiológico, pois significava originalmente o de movimento e inércia, é substituído pelo de totalidade e partes. E a unidade do processo é enfatizada em se dizendo que "Holismo é um processo de síntese criativa ... o movimento do universo em direção à totalidade cada vez maior e mais profunda".

Não podemos discutir aqui completamente as implicações metafísicas e algumas das ineficácias metafísicas do quadro apresentado pelo general Smuts. Tudo que podemos dizer é que numa ideia de progressão infinita como essa, visivelmente do caos à totalidade perfeita, bem como na ideia oposta, sustentada por muitos cientistas contemporâneos, de um universo decaindo para um nível neutro, percebemos a falta da concepção da natureza cíclica do tempo e da relação entre tempo e totalidade. Não vemos como uma fórmula de integração universal possa ter validade real a não ser que seja cíclica — a não ser que o princípio e o fim, por assim dizer, se encontrem, e esse ponto de encontro pode ser considerado como absoluto e atemporal - o Eterno Agora.

Em outras palavras: 1) o processo vital não é uma mera progressão ascendente; 2) envolve dois movimentos complementares, que, vistos separadamente, operam em direções opostas, mas que podem ser integrados num terceiro termo. Este termo não é um movimento. Não há progresso envolvido.

O primeiro movimento pode ser denominado individuação — desde que se dê à palavra um sentido muito mais geral do que o que Jung lhe atribuiu. O segundo movimento pode ser denominado coletivização.

O terceiro termo é o criativo. O crucial de todo esse assunto está no entendimento correto deste terceiro termo. Para compreender seu significado um tanto difícil, veremos como operam os dois movimentos que ele sintetiza e equilibra.

Individuação. É o processo através do qual elementos que são relativamente não correlatos (sendo inconcebível a ausência absoluta de correlação) se reúnem ou são reunidos e constituem um todo. Assim definido, o termo é sinônimo de "integração".

Coletivização. E o processo através do qual traços, faculdades ou energias características, que haviam sido adquiridos por indivíduos como indivíduos, tornam-se propriedade de grupo por transmissão direta ou indireta.

Para perceber essas definições com clareza, será necessário analisar os dois conceitos no sentido filosófico — individual e coletivo —, para assim conseguir um quadro definido do que significam esses termos, muitas vezes utilizados superficialmente.

Um indivíduo é uma entidade na qual uma série de elementos estão integrados de maneira única. Estes elementos são herdados dos ancestrais lineares daquele indivíduo ou assimilados por ele de um ou de outro modo desde que começou a existir num estado de independência relativa. O que constitui a individualidade é o fato de a maneira pela qual esses elementos herdados e assimilados se combinarem ser única.

Essa qualidade única entretanto pode não ser absoluta. Pode ser relativa a um certo agrupamento fortuito de entidades ou à posse de características fortuitamente isoladas. Por exemplo: no meio de um cardume de peixes indo numa direção, você vê um peixe nadando na direção oposta; este peixe age como um indivíduo. Seu comportamento tem uma característica que é única. Se três peixes se comportam de um modo e milhares de outro, ainda se pode dizer que os três peixes têm um comportamento relativamente individual. Mas, considerados como entidades em si, eles provavelmente são peixes exatamente do mesmo modo como os outros, e assim não podem ser denominados indivíduos.

Se então você olha para uma parede de tijolos, pode dizer que todos os tijolos são iguais. Mas você pode dizer que ocupam lugares individuais, pois cada tijolo, em termos do fato de ocupar um lugar definido, é único. Dois tijolos não ocupam o mesmo lugar.

Por outro lado, a palavra coletivo refere-se a conjuntos que, ao menos em termos relativos, não têm características únicas definidas ou bases em tempo e espaço, ou a atributos que se descobre serem posse comum de muitas entidades. Olhos azuis são fatores coletivos, mas os olhos de meu amigo, Sr. X, são individuais — pois são únicos e uma das características da constelação única de fatores humanos que é conhecida por Sr. X. Em outras palavras, a relação entre individual e coletivo é um tanto análoga à que existe entre o particular e o universal, apenas a palavra universal tem várias conotações e um sentido etimológico que estão à margem do assunto que queremos analisar agora. É preciso acrescentar também que o significado estrito de individual e coletivo varia de acordo com o tipo de entidades a que se aplica. O significado geral, no entanto, permanece o mesmo.

Pode-se dizer de cada entidade viva que ela possui tanto elementos individuais quanto coletivos. Como com qualquer dualismo básico de princípios, os dois nunca estão separados. O que conta e o que pode ser medido é a proporção relativa em que ambos coexistem. No ciclo anual chinês de transformação, não se encontrou nenhum dia em que ou yang ou yin não estivessem operando. Mas à medida que yang aumentava em potência, yin diminuía, e vice-versa. Do mesmo modo, à luz do holismo, não existe um todo que não possa ser considerado parte de um todo maior (ao menos potencialmente), e nenhuma parte que não seja o todo para partes menores das quais é a soma total e síntese.

Quando lidamos com seres complexos, com organismos que reúnem miríades de células e vidas por meio de um arranjo estrutural mais ou menos definido, vemo-nos confrontados com a necessidade de usar os termos individual e coletivo como adjetivos qualificando os elementos constituintes desses todos complexos. Individual e coletivo estão sempre qualificando tudo aquilo que é. Tudo aquilo que é está sempre sendo atraído pelos dois grandes poderes em direção à qualificação individual ou em direção à qualificação coletiva. Esse é o grande drama universal de ser.

Naturalmente é no ser humano que o drama é mais significativo e mais completo — ao menos para o ser humano! Assim, através da observação de sua operação em nosso ser total, seremos mais capazes de vê-lo operar de modo mais simples ou mais grandioso, em átomos ou galáxias.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar. 

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