quarta-feira, 3 de maio de 2017

Símbolos e Analogias, por Marcos Monteiro

Eu disse no início do livro que astrologia é uma comparação entre relações. Vamos ver isso com mais atenção.

A arte astrológica funciona através de símbolos naturais.

Um símbolo mostra o que há de comum em duas relações. Ele mostra a organização, a estrutura, que as duas relações (ou situações) partilham.

Vamos voltar ao exemplo do Sol.

Há uma relação entre o Sol e o céu que é diferente da relação entre qualquer um dos outros planetas e o mesmo conjunto.

A Lua e os outros cinco planetas se movem, por assim dizer, ao longo do caminho do Sol; ele não se desvia, não se detém, é ele que determina se está de dia ou de noite, as coisas somem quando estão perto dele, etc.

A influência do Sol não se limita ao céu. O calor está associado, de forma óbvia, à vida; ele é uma fonte inesgotável e gratuita de vida. Por outro lado, seus efeitos podem ser destrutivos (o Sol de verão, ao meio-dia, é uma boa lembrança disso).

Essas relações que ele tem com a natureza e com o céu são, num certo sentido, as mesmas relações que um rei tem com seu reino e seus súditos.

Isso se repete com o leão macho adulto e as fêmeas, filhotes e a natureza ao seu redor.

Note bem: essa organização não depende da imagem propriamente dita, nem da força física: a estruturação da família ao redor do pai também partilha dessa característica.

Poderíamos dizer que o rei (ou um rei) simboliza o pai (ou a relação de Deus com suas criaturas)? Sim. Poderíamos dizer que o leão simboliza o rei, pai, etc? Também.

Usamos o Sol, no entanto, como símbolo dessas coisas, por alguns motivos; o mais básico é que ele é mais fácil de visualizar, acompanhar, marcar o movimento, prever a posição futura, etc.

Outro motivo é que sendo uma figura no céu (não sendo influenciável pelos acontecimentos do dia a dia), ele parece mais puro, mais claramente simbólico; parece ter sido posto no Céu para isso.

Além disso, os símbolos naturais, quanto mais puros, mais parecem concentrar essas estruturas de significado. Os símbolos celestes parecem ser mais "simbólicos" que os simbolos naturais terrestres.


O que é um símbolo?

Sem me preocupar com terminologia: um símbolo é qualquer coisa que nos permita captar a forma (ou essência) de outra coisa.

Não há identidade entre a coisa simbolizada e o símbolo. Isso parece óbvio, mas é sempre bom lembrar: o símbolo não é a coisa simbolizada.

Mas por que isso é assim? E o que é que existe neles que permite isso? Bom, a segunda pergunta é mais fácil de responder.

Como eu falei acima, temos que lembrar dos dois aspectos dos seres de acordo com Platão e Aristóteles (as diferenças de visões entre os dois não nos interessam aqui), aspectos diferentes, mas complementares, que vamos chamar de `forma" (ou ideia, ou essência) e `Matéria': Matéria é o material de que são feitas as coisas.

Forma é a organização interna das coisas. "Interna" no sentido de "intrínseca", ou seja, a organização que faz com que a coisa seja o que é.

Um exemplo simples. Uma xícara de porcelana. A matéria é a porcelana, a forma é não só o formato da xícara, mas as caracteristicas dela que fazem com que ela seja capaz de receber e guardar líquidos quentes, ser segurada por alguém e que uma pessoa possa beber esse liquido que ela guarda.

Simplificando, a forma é o que faz a xícara ser uma xícara, a matéria é o que "concretiza" a forma em uma coisa real. A matéria pode ser usada pra fazer outra coisa, a forma pode ser concretizada com outro tipo de matéria, o ente em si é um composto dos dois.

É claro que a semelhança entre a palmeira-real e o ouro não pode ser por causa da matéria.

Então, na organização interna dessas coisas, na forma, há alguma semelhança.

Isso é: há algo nas coisas que faz sentido e que pode ser lido. E que nos conta não só sobre a essência da coisa em si, mas sobre a essência de outras coisas.

"Por que isso é assim?" é um pouco mais difícil de responder.

Para um religioso, é claro que é porque Deus é Sentido e Verdade, e a criação depende d'Ele.

O mundo é organizado, interdependente e faz sentido porque a mesma Mão fez tudo, e fez tudo com a mesma intenção.

Não sei explicar porque isso é assim para um ateu ou um agnóstico, por exemplo. Eu teria que dizer ou que esse sentido não existe nas coisas, mas em nós (e aí me veria com o problema de explicar porque esse sentido existe em nós) ou que existe por causa da evolução do universo (e aí teria que admitir que as coisas não faziam sentido antes e como é que esse sentido se desenvolveu dessa forma).
De qualquer modo, ele é assim (um Cosmos, não um caos), independentemente do motivo. As coisas são "legíveis", são "organizadas" e fazem sentido.

Um problema que surge é que há coisas num leão — mesmo na essência, na forma do leão ideal — que não estão relacionadas a essa "essência solar", a essa forma que o leão, o rei, o pai, o mel, a palmeira-real, etc, partilham.

Algumas características do leão existem porque ele é um ser vivo, um animal, um mamífero, etc.

Como é que a gente depura essas coisas?

Como é que apreendemos o que o leão partilha com o sol? Usamos a analogia.

Ela é a operação que compara duas coisas e percebe essa estrutura comum entre elas. É ela que nos dá que há uma proporção entre o Sol e o céu que se repete entre o rei e seus súditos.

Analogias

Analogia não é simplesmente semelhança. O tigre e a onça são semelhantes, mas um não simboliza o outro.

O raciocínio analógico (que usa o "logos", o sentido de um ser concreto para articulá-lo com outro ser) é a base da astrologia.

Nem sempre esse raciocínio é explicito, e nem sempre ele precisa ser desenvolvido inteiramente numa determinada aplicação. Mas ele sempre está (ou deveria estar) subjacente.

Reforçando um ponto muito importante: os planetas são símbolos. Então, não há exatamente "influência" astral, e não há, falando literalmente, "planetas em nós", embora isso seja uma metáfora importante (porque há, em diversos níveis, faculdades em nós associáveis aos planetas).

Ou seja, não é o Sol que manda que as coisas aconteçam, mas, observando a relação dele com o céu, entendemos o que há de "solar" em nós. Na verdade, é ainda mais que isso. Há algo em nós que se analoga com algo do Sol, e ambos significam outra coisa, que não é nem gente nem planeta, mas está presente na essência de ambos.

Símbolos artificiais

O símbolo natural é diferente do artificial não só na sua origem, mas na sua natureza. Enquanto a inteligibilidade, a mensagem do símbolo natural, está nele mesmo, ou pode ser apreendida dele de forma espontânea, no símbolo artificial, muitas vezes, não há nada de especial. A relação entre o símbolo e o simbolizado também é artificial.

Veja a diferença: se não houvesse nunca nenhuma propaganda sobre o Mc Donald's, e não houvesse o símbolo deles em todas as lojas, não haveria nenhuma ligação entre uma letra M estilizada e amarela e sanduíches, batata-frita e refrigerante. Compare com um leão no meio da savana africana. Mesmo que uma pessoa nunca houvesse visto ou ouvido falar do animal, ao primeiro encontro algumas qualidades ficariam óbvias.

Símbolos naturais (não só os celestes) não são abstrações ou convenções arbitrárias. Eles são concretos duplamente, porque são coisas reais e porque refletem uma realidade maior que a própria.

Textos antigos

Vários textos antigos contém características de planetas e signos; nem todas são simbólicas; mas com o tempo é fácil perceber o que é uma associação mais ou menos fortuita, o que é simples semelhança, e o que é analógico. O mesmo vale para os textos mais recentes.

Marcos Monteiro, in Introdução à Astrologia Ocidental, Edição do Autor, 2013, Capítulo 9.

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