quinta-feira, 27 de abril de 2017

Astrologia "Tradicional" ou "Moderna", por Marcos Monteiro

A astrologia que aprendi, a que estudo, pratico e tento ensinar, é chamada por grande parte dos astrólogos de astrologia "tradicional".

O motivo para esta nomenclatura está em haver, hoje, no ocidente, outros tipos de astrologia. Vamos ver rapidamente como esses outros tipos apareceram.

O fim do Renascimento (e o início da Idade Moderna) foi uma época bastante complicada para a astrologia ocidental. O número de praticantes diminuiu muito e o público passou a vê-la com descrédito cada vez maior. A arte que já havia sido usada por imperadores e papas (e que era considerada, à mesma época, sagrada em outras partes do mundo) passou a ser considerada como algo entre a superstição e o entretenimento de salão.

O que gerou este estado de coisas?

A visão de mundo antiga, que via o universo como um cosmos; que aceitava como óbvia a interconexão das criaturas, as analogias e simpatias entre as coisas; que, enfim, via o mundo de um jeito que tornava a astrologia algo fácil de entender, foi substituída por outra, incompatível com o modo de pensar astrológico.

O modelo explicativo do organismo foi substituído pelo do relógio. Noções como forma, ato, os quatro elementos e outras foram descartadas; as técnicas (chamadas de artes ou ciências tradicionais) que se baseavam nela perderam o sentido.

Coisas como astrologia e medicina tradicional passaram a estar no mesmo balaio que a feitiçaria: ou são demônios se metendo na vida humana, ou são superstições sem valor algum. A conexão entre o senso comum e o simbolismo natural foi cortada.

Essa mudança de mentalidade foi gestada muito antes, no fim da Idade Média, mas seus efeitos começaram a ser sentidos com mais força nesta época.

Para se adaptar a esta mudança de paradigma, uma nova versão da arte foi aparecendo aos poucos. A objetividade antiga, agora sem nada que a dê respaldo, passa a ser irracional: é preciso considerar a arte como uma investigação psicológica que aponte tendências gerais e mudanças nas disposições mentais internas, sem almejar nada muito concreto, nem dizer muita coisa sobre o mundo físico, fora da mente. Os conceitos astrológicos agora são aberrantes: é preciso simplificá-los e adaptá-los à nova sensibilidade. Nasce a astrologia moderna.

Essa tendência nova nunca suplantou de vez a outra, na verdade, mas, por corresponder, de alguma forma, à visão que se tinha do que ela deveria ser, se tornou, para o público em geral, "a astrologia".

De qualquer forma, já não existia mais só uma astrologia. Existia a astrologia comum, que existia antes (a que se chama hoje em dia de "tradicional") e a moderna.

Algumas décadas atrás, tivemos uma onda de "redescoberta" e "retomada" do ramo astrológico original tradicional; desde o século passado, começaram a aparecer cursos sobre o assunto, obras antigas foram reeditadas; algumas pessoas começaram a se definir domo astrólogos tradicionais (ou clássicos). Isso não foi gratuito; a mentalidade contemporânea, se não é "tradicional", é bem menos cientificista e mecanicista do que era há dois séculos. Isso gerou uma enorme confusão de novas formas de astrologia, mas também possibilitou que a astrologia conforme à Tradição ocidental voltasse a ter lugar no imaginário, até dos próprios astrólogos.

Essa retomada teve a aparência, por assim dizer, de uma nova onda dessa astrologia antiga; novas ondas precisam de nomes, logomarcas, slogans; surgiu a astrologia tradicional.

Embora a tenha usado durante muito tempo, hoje em dia acho que essa terminologia é enganadora. A astrologia "tradicional" — ou seja, astrologia normal — é tão moderna quanto qualquer outra coisa que exista hoje. Não estamos falando de uma curiosidade de museu que foi descoberta por arqueólogos. Mesmo tendo passado por este periodo de degeneração, ela nunca chegou a desaparecer.

Além disso, o uso dessa denominação faz parecer que ela seja mais uma opção entre outras. E como se estivéssemos numa loja e nas prateleiras houvesse as opções de astrologia moderna, pós-moderna, junguiana, cármica, construtivista e tradicional. Isso não acontece, da mesma forma que não temos astrologia com menta, nem com cobertura de chocolate.

Como eu falei acima: o que se chama de "astrologia tradicional" é a astrologia ocidental normal; as vertentes modernas é que precisam de qualificação.

É difícil definir com precisão o que é a astrologia moderna, ou o que são as astrologias modernas, porque há muitas variações, dissidências e novidades. No entanto, dessa mudança inicial, consigo identificar dois ramos principais, aos quais o resto parece subordinado.

A primeira é uma limitação brutal da arte tradicional, restringindo-se de forma arbitrária a sua área de atuação (o astrólogo, que antes analisava o mundo inteiro, passa a estar restrito às emoções e aos pensamentos humanos), ignorando-se sua capacidade de previsão (o que foi revertido em parte nos últimos tempos; mas ainda há muitos astrólogos praticantes que não acreditam que se possa prever nada com astrologia) e se jogando fora todas, ou quase todas, as técnicas antigas.

A segunda cresceu da primeira e da necessidade natural das pessoas por algum tipo de espiritualidade, que foi reintroduzida pela mistura com as mais variadas tendências new age e/ou com versões diluídas e "ocidentalizadas" de astrologias e conceitos espirituais distorcidos de outras civilizações (a hindu é um dos alvos prediletos).

Não é que essa mistura (ou alguma variante dela) não tenha dado certo e, portanto, não funcione. Perguntei a um estudante de astrologia moderna , certa vez, "Você vê a astrologia moderna que você pratica funcionando?". Recebi como resposta outra pergunta: "O que é `funcionar' para você?".

Em parte, a astrologia moderna foi feita para não funcionar, para não prever, para escapar das acusações relacionadas à adivinhação e ao charlatanismo que eram bastante comuns no final do século dezoito.

Isso não quer dizer que não haja astrólogos "modernos" que sejam competentes (nem que não haja astrólogos "tradicionais" que estariam melhor fora dos consultórios e dentro de instituições psiquiátricas). Conheço vários. O que percebi, no entanto, pelo meu contato com alguns é que eles têm, como guia para a sua prática, uma boa noção dos princípios ou da cosmovisão subjacente à astrologia normal.

De qualquer modo, neste livro não vou tratar de astrologia moderna e vou mencioná-la pouco. Essa diferenciação inicial é necessária simplesmente para que o leitor saiba do que estou falando.

Outro motivo para eu evitar a palavra "tradicional" é a conotação que ela passou a ter em alguns contextos, que poderia ser mais bem descrita como "tradicionalista".

Não rejeito inovações modernas porque não constam nos "textos clássicos" dos "autores tradicionais" (ou seja, os textos astrológicos antigos que sobreviveram ao tempo). Eu as rejeito porque (e quando) estão em contradição com os princípios astrológicos, ou quando são invenções gratuitas.

Essa mentalidade de reverência a um determinado corpo de escritos do passado, algo mais próximo do fetiche do que de qualquer estudo sério, não é, propriamente, tradicional e não era defendida por nenhum dos autores antigos; muitos deles, na verdade, viam a si mesmos como reformadores e inovadores.

O problema de fundo é uma incompreensão do que seja a Tradição. Na verdade, num certo sentido, a mentalidade moderna e a tradicionalista concordam quanto à Tradição astrológica: ambas acham que ela está morta. A única diferença é que, enquanto uma delas decide enterrá-la, a outra decide venerá-la.

Tradição é transmissão, é um processo vivo. Não é a preservação de um conjunto rígido de técnicas (ou, o que é pior, de um conjunto fixo de livros), mas a transmissão de um conhecimento vivo e das ferramentas de um oficio real. O astrólogo se insere na tradição astrológica (ou, no caso de astrologias diferentes da ocidental, em uma tradição astrológica) ou não, mas não é transportado para o passado, nem faz uso de relíquias sagradas ou talismãs desencavados de periodos históricos distantes.

Quando se entende isso, também é fácil entender porque gosto ainda menos de divisões como "astrologia clássica", "astrologia medieval", "astrologia renascentista". Como divisões pedagógicas para historiadores, isso é passável; mas não se pode transformá-las em coisas reais.

Se "astrologia medieval" é um termo limitado, mas que pode ter valor pedagógico, "astrólogo medieval" (quando aplicado a alguém vivo nos dias de hoje) não faz o menor sentido. É razoavelmente seguro afirmar que nenhum astrólogo vivo hoje nasceu na Idade Média.

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