quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Ciclo: de Semente a Semente, por Dane Rudhyar

Cada ciclo pode ser interpretado estruturalmente como sendo composto de começo, meio e fim. Entretanto estes três termos devem ser entendidos num sentido metafísico mais que no sentido de valores de tempo. Eles representam três fatores essenciais ou princípios, que em sua trindade constituem a totalidade do ciclo. O modo mais simples de abordar um assunto complexo será examinar sucessivamente cada um desses três termos e determinar a que ele se refere, num sentido geral.

COMEÇO. O começo de cada ciclo é um Um: uma mônada. Por definição, diremos que uma mônada é o ponto inicial de emanação de qualquer ciclo de vida. E a semente em germinação, ou aquele ponto da semente de onde surgem as raízes e o tronco. O começo de um ciclo é o momento de unidade, o momento que revela a verdadeira presença do Um. Unidade absoluta é um postulado, um desideratum, urna meta abstrata, um conceito metafísico. Ela é incompatível com vida ou manifestação. Mas o Um-que-é-no-começo é uma representação dessa unidade abstrata e metafísica — um avatar dessa unidade. A unidade pode ser alcançada em consciência, pela devoção a esse Um — Pai-Mãe do ciclo todo. A devoção é concentração sobre o Um — como se este Um existisse.

Na verdade o Um já não "existe" mais como Pai manifestado, mas o Um é como realidade psicológica na memória daqueles dentre Seus filhos que se tornam os portadores de Seu poder integrador — hipóstases, ou avatares, de seu poder. Este poder é Tao, e, num outro sentido, é o AUM dos hindus. É o poder integrador que é a própria Vida, e que por si s6 possibilita o processo de integração ou individuação de que falamos no capítulo anterior. No organismo fisiológico humano, este poder é o da circulação sanguínea enraizado no coração; na psique humana este poder não é tão bem definido, pois a psique, na maioria das pessoas, ainda está longe de ser um "organismo". Mas é o poder que pode ser chamado vontade de totalidade ou vontade de sanidade e saúde, com o qual o psicólogo precisa lidar para que sua análise possa levar o paciente à saúde psicológica e, em consequência, à individuação.

Portanto aquele que adora o Um como uma forma ou entidade, como o_ Pai Supremo, na verdade adora uma memória, a mais primordial de todas as "imagens primordiais". Esta adoração mantém viva a memória e oferece canais através dos quais a energia desse Um pode fluir. O Um não está mais lá, tal como a semente não existe mais na árvore em crescimento. Mas o poder de crescimento que estava na semente fica ativa durante o ciclo de manifestação da planta. Esse poder é uma força integradora que "dá testemunho", sempre, da Semente una.

Em outras palavras, uma vez terminado o período de germinação, a semente desapareceu, tendo sacrificado a si mesma para que a planta pudesse existir. Mas a energia que estava na semente continua operando. Ela é o poder de totalidade operativa. O Um, tendo cessado sua existência como entidade manifestada, transformou-se agora num processo

MEIO. Este "processo" é a realidade fundamental do "meio" do ciclo. No entanto é preciso entender o termo meio como o todo do vir-a-ser: toda a série de momentos que ocorrem entre o momento inicial de emanação e o momento fanal de consumação. Estes dois momentos (de emanação e consumação) num certo sentido são únicos; constituem o alfa e o ômega da manifestação — ou melhor, representam os dois aspectos da vida, os dois aspectos do Um. Como D. H. Lawrence escreveu certa vez num artigo inspirado, eles são o Deus-do-começo e o Deus-do-fim. Em A doutrina secreta, H. P. Blavatsky refere-se a estes dois "Deuses" — que em essência são um — respectivamente como Manu-Raiz e Manu-Semente. Afora eles, tudo o mais pertence ao processo de mutação, ao fluxo do vir-a-ser, isto é, àquilo que os homens hoje chamam vida — a série de atividades que constituem o viver.

No entanto, através de todo esse processo de mutação, um poder integrador está mais ou menos evidente: um poder que dá coesão e direção às múltiplas transformações do vir-a-ser. Este poder é a energia do Pai, o Espírito Santo, o Confortador. É a força vital que integra toda a multiplicidade de partes em todos orgânicos. É o poder do "holismo".

FIM. O momento de consumação do ciclo é um momento de concentração, conclusão e reunião interna dos frutos do processo de manifestação. É o "Dia-Esteja-Conosco" dos ocultistas, o Sétimo-Dia. Quando esse momento de consumação é alcançado, todas as forças, que eram as diferentes correntes emanadas da Fonte Original (ou mônada) e que animavam os muitos Filhos do Pai uno, se reúnem num vórtice de poder e luz, a realidade criativa do Deus-do-fim — criativa porque esse Deus por sua vez transformar-se-á, através da continuação de Sua imagem, no Criador dos "arquétipos" ou Formas genéricas do novo ciclo.

Apesar dessa caracterização dos três termos básicos de um Ciclo ser incompleta, servirá para definir as três visões de mundo fundamentais que deram e virão a dar origem a três fórmulas de ser e vir-a-ser igualmente fundamentais. Cada visão de mundo e sua fórmula enfatiza um dos três termos do ciclo — uma ênfase que obviamente não nega os outros dois termos, mas os deixa em segundo plano ou lhes atribui uma valoração mais ou menos inferior, ou negativa, ou ilusória. Os primeiros dois tipos de ênfase, ressaltando o "começo" e o "meio" do ciclo — o Um original e o processo de vir-a-ser — são bem conhecidos para a humanidade. O primeiro é típico da antiga civilização hindu e de todos os movimentos religiosos e espirituais que dependem em maior ou menor grau da antiga tradição ariana. O segundo recebeu uma formulação característica na antiga civilização chinesa e também é exemplificado pela maior parte do pensamento filosófico, do psicológico e do científico do século XX. Um terceiro tipo de ênfase — sublinhando o valor da consumação e o termo final do ciclo — está surgindo lentamente a partir do corpo geral do pensamento moderno. E este tipo de ênfase que tentaremos caracterizar numa nova fórmula cíclica.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar.

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