terça-feira, 14 de junho de 2016

A Astrologia ante o Pensamento Moderno, por Dane Rudhyar

A astrologia pode, em algum momento,
vir a ser uma ciência empírica?

Astrologia, a álgebra da vida. Uma afirmação como esta exige uma explicação, e para conseguir uma explicação desse tipo será conveniente, primeiro, examinar brevemente as concepções de um dos cientistas modernos mais representativos a respeito da evolução característica do pensamento científico através das eras. Esses pontos de vista são especialmente significativos à medida que mostram um paralelismo notável entre a evolução das ciências naturais e a evolução do pensamento astrológico, conforme foi delineado no capítulo anterior. Com base num paralelismo desse tipo, será mais fácil entender os novos desenvolvimentos da astrologia, os quais — por causa de seu caráter simbólico e relacional — nos levaram a definir a astrologia-no-fazer: a álgebra da vida.

Escreve Sir James Jeans em The New Background of Science:

Revendo a história dos esforços do homem para entender os mecanismos do mundo externo, podemos distinguir três grandes épocas, cuja natureza pode ser sugerida pelas palavras animista, mecanicista e matemática.

O período animista era caracterizado pelo erro de supor que o curso da natureza fosse governado pelos caprichos e paixões de seres vivos mais ou menos parecidos com o próprio homem. Antes que nosso bebê possa distinguir entre objetos animados e inanimados, ele está destinado a passar por um estágio de confusão dos dois. ...Por ser a personalidade o conceito do qual tem experiência mais imediata e direta, ele começa a personificar tudo.

Como a história do indivíduo é simplesmente a história da raça, escrita em pequena escala, nossa raça em sua infância fez o mesmo que seus indivíduos ainda fazem nas suas. ...Então, na Grécia jónica, seis séculos antes de Cristo, a inteligência humana começou a aplicar-se conscientemente no estudo da natureza. Ela sentia muito pouca desejo de aumentar seu conhecimento factual da natureza, de forma que a ciência grega consistiu principalmente de meros questionamentos vagos e especulações quanto ao por que as coisas vinham a ser como eram e não de outro modo.

Apenas ao tempo de Galileu a ciência passou da cosmologia para a mecânica e da especulação para a experimentação. O modo mais simples de agir sobre a matéria inanimada era empurrá-la ou puxá-la por meio de esforço muscular. Enquanto os homens só podiam fazer experiências com objetos que fossem comparáveis com seus corpos em tamanho, eles encontraram a natureza inanimada comportando-se como se suas partes componentes exercessem impulsos e puxões umas sobre as outras, como os que exercemos sobre elas por meio da ação de nossos másculos. Desse modo, veio a existir a ciência da mecânica. Supunha-se que pedaços de matéria exercessem `forças" uns sobre os outros, e que estas forças fossem as causas dos movimentos dos corpos em questão, ou melhor, das alterações de seus movimentos. E descobriu-se que o comportamento de cada objeto era determinado total e completamente pelos impulsos e puxões a que era submetido... (pp. 33-34)

O autor prossegue, discutindo as implicações dessa visão mecanicista da natureza, como ela, envolve o determinismo absoluto, como Descartes, para evitar algumas dessas implicações, "considerava mente e matéria `substâncias' inteiramente independentes, cada uma existindo em seu próprio direito separada da outra e de naturezas tão essencialmente diferentes, que não tinham possibilidades de interagir". No entanto, para demonstrar a correlação íntima entre nossos pensamentos e os átomos de nosso mundo, Descartes insistiu, tal como Leibnitz o fez mais tarde de um modo diferente, em que um Deus supremamente benévolo havia estabelecido miraculosamente uma sincronização perfeita e contínua entre eventos corpóreos e mentais, no primeiro alvorecer da criação.

Jeans prossegue dizendo:

Na era mecanicista da ciência, os cientistas haviam procedido nas mesmas linhas gerais que a criança e o selvagem irrefletido. A partir das impressões registradas através de seus sentidos, eles haviam construído um mundo inferido de objetos que acreditavam reais, e afetado por eventos do mesmo tipo dos que ocorriam em suas experiências diárias. Descreviam isso como a visão de "senso comum" da ciência, e definiam ciência como "senso comum organizado" ....Então, novos refinamentos da técnica experimental trouxeram novo conhecimento observacional, que mostrou que o trabalho da natureza não podia ser explicado em termos dos conceitos familiares da vida cotidiana. ...0 mecanicismo, com suas implicações, saiu fora do esquema da ciência. ...Começamos a ver que o homem se havia libertado do erro antropomórfico de imaginar que o trabalho da natureza podia ser comparado ao de seus próprios caprichos e fantasias (animismo), apenas para cair precipitadamente no segundo erro antropomórfico de imaginar que ele podia ser comparado ao trabalho de seus próprios músculos e forças (mecanicismo).

Se o determinismo também foi banido da natureza, ainda é uma questão para debates. ...Mas, que aquelas determinadas causas que até recentemente pareciam compelir o determinismo se foram, isto é dificilmente questionável. (pp. 41-43)


É fácil ver como os três estágios de conhecimento mencionados por Jeans (animista, mecanicista e matemático) correspondem aos três estágios do pensamento astrológico discutidos em nosso capítulo precedente. O "mecanicismo" da ciência basicamente não difere do "vitalismo" da astrologia; o "impulsionar e puxar" do primeiro corresponde aos princípios yang e yin das operações vitais, em termos de atividade material. Em ambos os casos, um dualismo de forças tangível é considerado o substrato da realidade, e se o mecanismo originou-se de uma generalização da ação muscular, então o vitalismo pode de fato ser associado a uma generalização semelhante do ato reprodutivo — a união de órgãos masculino e feminino. No novo tipo de vitalisma astrológico, as estrelas e planetas são considerados ímãs ou aparelhos de rádio, e a ação elétrica, sendo sempre de natureza polar, é o novo nome dado à "força vital" do pensamento antigo.

O terceiro estágio de pensamento é chamado matemático, por Jeans. Sua principal característica é que a especulação matemática pura é feita de modo a adaptar-se perfeitamente a experimentações cada, vez mais complexas e refinadas; de fato, muitas vezes precede os experimentos. São construídas teorias matemáticas, e, quando o físico procura um tipo de fenômeno ao qual a teoria possa ser aplicada, muitas vezes encontra um, ainda não explicado, que se ajusta perfeitamente a fórmulas puramente abstratas. Além disso, a coisa admirável é que alguns poucos símbolos — como o são todas as letras ou cifras algébricas ou matemáticas - são vistos como capazes de trazer ordem e sequência lógica à vasta complexidade dos fenômenos naturais. Em outras palavras, algumas poucas relações simbólicas (ou seja, fórmulas) são vistas como suficientes para ordenar a multiplicidade dos eventos do mundo num padrão, com o conhecimento do qual o homem terá o domínio correspondente sobre os elementos naturais através do poder de prever.

Citando novamente o livro de Jeans:

Einstein escreveu (Introdução a Where Is Science Going — p. 13): "Em todo avanço importante, o físico descobre que as leis fundamentais são cada vez mais simplificadas à medida que avança a pesquisa experimental. Ele fica admirado ao perceber quão sublime ordem emerge daquilo que parecia ser caos. E isto não pode ser atribuído ao trabalho de sua própria mente, mas deve-se a uma qualidade que é inerente ao mundo da percepção". (Esta conclusão é contestada por muitos pensadores D.R.)

Weyl fez um comentário semelhante, escrevendo (The Open World, p. 41): "O espantoso não é que existam leis naturais, mas que, quanto mais longe a análise prossegue, quanto mais sutis os detalhes, quanto mais detalhados os elementos a que os fenômenos são reduzidos, mais simples — e não mais complicados, como originalmente se esperaria — se tornam as relações fundamentais e mais exatamente elas descrevem as ocorrências verdadeiras".

Tivemos amplas evidências dessa tendência em direção à simplicidade neste livro. Vimos a síntese simples de Hero das duas leis de Euclides expandir-se gradualmente em alcance até abarcar quase todas as atividades do universo, e ainda assim mantendo inteiramente sua simplicidade original de forma matemática. Isto se refere à recente "teoria do campo unitário" de Einstein, que, se alcançar sucesso completo, `permanecerá válida quaisquer que sejam os agentes físicos em ação, de forma que seremos capazes de combinar todas as operações da natureza em uma síntese: elas terão se transformado em caminhos mais curtos num espaço quadridimensional curvo" (p. 126). A natureza fenomenal é reduzida a uma ordem de eventos no continuum quadridimensional, e a disposição desses eventos comprova-se como sendo de um tipo matemático extremamente simples. ...Esta simplicidade ... parece admitir uma interpretação matemática muito simples e nenhuma outra, como se, na frase de Boyle, a matemática fosse o alfabeto da linguagem na qual a natureza é escrita. As palavras dessa linguagem podem ou não ser mentais em seu significado; a questão urgente é que, mesmo no alfabeto, não podemos descobrir nenhuma realidade diferente, em espécie, daquela que associamos com um mero conceito mental. Esses conceitos mentais não são do tipo dos que associamos com o trabalho do engenheiro ou do poeta ou do moralista, mas com o do pensador que trabalha apenas com o pensamento puro como matéria-prima, o matemático trabalhando em seu estádio. ...Durante três séculos, a ciência havia projetado ideias mecanicistas sobre a natureza e provocado estragos em grande parte da natureza, ao fazê-lo. A ciência do século XX, projetando as ideias da matemática pura sobre a natureza, descobre que elas se ajustam tão perfeita e unicamente quanto o sapato de Cinderela ajustou-se a seu pé.

A frase "projetando as ideias da matemática pura sobre a natureza" é significativa. Mostra que numa ciência como a física ou a química — e em geral em todas as ciências empíricas — é preciso considerar três elementos: 1) fenômenos ou dados naturais, 2) ideias de matemática pura, 3) um sistema de interpretação ou "leis" que capacite o homem a profetizar com certa precisão futuros fenômenos naturais. Este é um fator importante a considerar, pois com isso fica demonstrada a existência de uma distinção fundamental entre matemática e ciências empíricas. A matemática é usada como fator integrador na construção das ciências empíricas.

Num certo sentido, estas últimas são aplicações de ideias matemáticas. A matemática fornece a forma de conhecimento; as ciências empíricas, os conteúdos organizados do conhecimento.
Essa distinção é capital. Pois definindo a astrologia como a álgebra da vida, nós a colocamos na categoria do pensamento matemático — e não na das ciências empíricas. Os resultados de uma concepção desse tipo são de longo alcance.

A palavra álgebra vem de urna palavra árabe al-jebr que significa a redução de partes a um todo. A palavra jabara, da qual se deriva, significa "atar", "unir" (Webster). Portanto, a álgebra tem como função básica a união, ou correlação, ou integração de elementos num todo formulado. A natureza desses elementos pode ser entendida se considerarmos a definição que Webster dá para a matemática: "A ciência que trata das relações exatas entre quantidades ou magnitudes e operações, e dos métodos pelos quais, de acordo com essas relações, quantidades procuradas são dedutíveis de outras pensadas ou supostas".

Dois pontos importantes se destacam numa definição desse tipo. Primeiro, a matemática é vista como uma "ciência de correlação pura" (Bertrand Russell). Segundo, o que ela correlaciona são "quantidades ou magnitudes e operações". A álgebra é um ramo da matemática, mas, a par de correlacionar quantidades, também lida com uma categoria de símbolos convencionais que podem ser dados como representantes de qualquer elemento considerado ou das relações entre quaisquer grupos de elementos. De acordo com nossa concepção, a astrologia é um tipo de álgebra, porquanto lida com elementos simbólicos (planetas, estrelas, segmentos de espaço geocêntrico, rodas astrológicas, Nodos, posições progredidas etc.), que ela "une" numa fórmula descrevendo uma totalidade viva: o nativo. No entanto, esses elementos simbólicos não pertencem ao domínio da quantidade. Representam, ao contrário, qualidades de vida universais. A astrologia é, portanto, um tipo de álgebra de qualidades, e estas não são meras qualidades sensoriais (como branco, azul, grosso, pesado, dolorido etc.), mas se referem a processos vivos — seja no plano fisiológico ou nos planos psicológico e suprapsicológico.

Discutiremos essas afirmações passo a passo, mas parece ser necessário enfatizar o que a astrologia não é, primeiro, antes que possamos especificar o que ela é, fundamentalmente. Em outras palavras, precisamos mostrar sucintamente que a astrologia não é uma ciência empírica, como por exemplo a física, a química ou mesmo a biologia, a zoologia e a história. Estas ciências empíricas lidam com dados experimentais que organizam utilizando conceitos formais matemáticos. Esses dados experimentais são percebidos sensorialmente — diretamente ou por meio de instrumentos que ampliam o campo da percepção sensorial direta. Então, através de um processo conhecido como indução científica, são estabelecidas correlações entre os dados que formam a base do conhecimento exato empírico.

A indução científica é o postulado básico das ciências exatas. Ele pode ser formulado de várias maneiras, mas, de acordo com Bertrand Russell (The Analysis of Matter, p. 167), "precisa levar ao resultado de que uma correlação comprovada como verdadeira num certo número de casos, e que provou nunca ser falsa, tem ao menos um certo grau determinável de probabilidade de ser sempre certa". Essa definição é de grande importância para nós, pois quem, dentre os astrólogos, afirmará que alguma correlação astrológica para a qual se tenha reconhecido um significado definido "provou nunca ser falsa"?

Mas isto não é tudo. O problema de tornar a astrologia "científica" no sentido de uma ciência empírica— mesmo quando não uma ciência "exata" — está envolvido com a proposição, ou melhor, crença, de que planetas ou estrelas na verdade influenciam seres individuais pelo fato de enviarem à Terra ondas semelhantes ao rádio, ou raios, que afetam processos biológicos e psicológicos. Agora, mesmo se esses "raios" fossem descobertos, e se ficasse claro que eles atuam sobre átomos e moléculas de substância terrestre, de maneiras definidas e mensuráveis, isto não provaria de modo algum as descobertas usuais da astrologia. Poderia resultar em um tipo restrito de astrologia natal que reivindicaria — após séculos de pesquisas — o status de ciência experimental, mas isso resolveria apenas um fragmento dos problemas envolvidos com a soma total das ideias astrológicas.

A razão é óbvia. Admitamos que raios estelares ou planetários produzam mudanças físicas ou químicas na substância de átomos e células, sendo portanto capazes de condicionar estados psicológicos. Suponhamos, além disso, que estas mudanças provem ser mensuráveis em termos do relacionamento angular entre os planetas (aspectos astrológicos) e que sejam afetadas pelo setor da órbita terrestre (signo zodiacal) ou do espaço geocêntrico no nascimento (casa) em que os planetas ou estrelas são encontrados. Isto em si já é uma ordem difícil de ser preenchida. Mas, mesmo que tudo nela estivesse cientificamente provado, os seguintes fatores básicos continuariam a ser mistérios altamente a-científicos na astrologia, tanto quanto podemos ver.

Por que a primeira casa representaria assuntos ligados ao eu e à estrutura do corpo; a segunda casa às finanças; a sétima casa ao casamento etc.? Por que os signos zodiacais deveriam estar relacionados com certas partes do corpo? Por que certos planetas "regeriam" certos signos? Além disso, como poderiam as "progressões" ser explicadas "cientificamente"? Como provar algum dia, cientificamente, se as primárias são verdadeiras e as secundárias falsas, ou vice-versa; que o número de graus que distancia dois planetas dá (geralmente) o número de anos entre o nascimento e uma ocorrência caracterizada pelas naturezas de ambos os planetas.

Então, o que dizer da astrologia horária, isto é, da solução de problemas existenciais pela interpretação das configurações do espaço e dos planetas no momento em que o problema surge em nossa mente? Astrólogos "científicos" podem desdenhar a astrologia horária como mera predição de futuro. Mesmo assim, é fácil mostrar que a astrologia natal (estudo de mapas de nascimento) é um caso particular de astrologia horária, pois, conforme Marc Jones afirmou, estudar uma carta natal é meramente responder à questão: "Como deve ser resolvido o problema da minha vida?" Isto, pelo menos, é uma maneira tão lógica de ver a relação entre a astrologia horária e a astrologia natal quanto a formulação: "Uma carta horária é a carta natal de uma ideia". É possível que alguém prefira esta última interpretação, mas a anterior não pode ser facilmente descartada, e a verdade deste assunto não precisa incluir as duas abordagens, de algum modo.

É inútil acrescentar mais "por quês" a esta lista já tão longa. Confiamos que, após um pouco de reflexão clara sobre o assunto, ficará evidente, para qualquer pessoa, que tentativas de transformar a astrologia numa ciência empírica, exata, baseando-a em medidas das influências verdadeiras e raios, estão, quando não fadadas ao fracasso, obrigatoriamente restritas a explicar apenas um fragmento de todo o corpo de ideias que constitui e sempre constituiu a astrologia. Seja o que for que a ciência possa descobrir com relação a radiações cósmicas, não acreditamos que a filosofia da astrologia jamais possa ou deva ser a mesma que a de uma ciência empírica, como a física, a mecânica ou a biologia.

Existe, no entanto, uma categoria um tanto diferente de ciências que não se baseiam na indução científica exata e na causalidade estrita, mas em conhecimento estatístico. O Dr. A. Ritchie-Scott menciona, como pertencentes a esse tipo de ciência no mundo prático, " a teoria de seguros de vida, a moderna teoria do calor, a construção de comutações de telefones, a teoria da hereditariedade de Mendel, o estudo de estatística populacional, testes de sangue, amostragem de minérios etc. ... todas baseadas na teoria da probabilidade e não menos válidas por isso". (American Astrology, julho de 1934)

A par desses exemplos, sabe-se hoje que a física atômica está. se tornando cada vez mais uma ciência estatística, especialmente se as teorias de Heisenberg provarem ser corretas, pois elas "nos fornecem um quadro de um átomo estatístico cujas propriedades e qualidades são a média das propriedades e qualidades de todos os átomos reais envolvidos na emissão de luz" (Sir James Jeans, op. cit., p. 183). A nova mecânica de ondas "lida apenas com probabilidades e montagens estatísticas, e seu aparente determinismo pode ser apenas uma outra maneira de expressar a lei das médias. O determinismo pode ser um tipo puramente estatístico, como aquele em que se baseia uma companhia de seguros, ou o banco de Monte Carlo". Jeans prossegue afirmando:

Sendo assim, não existe nenhuma razão notável pela qual o determinismo evidente da equação de ondas não estivesse escondendo um indeterminismo objetivo completo. No problema matemático conhecido como "caminho a esmo, ao acaso", imaginamos que um viajante caminhe vinte milhas por dia, mas sem nenhuma relação causal entre as direções de suas caminhadas em dias sucessivos — podemos, por exemplo, imaginar que ele arremesse um galho para cima a esmo todas as manhãs, deixando que a direção de sua queda determine a direção da caminhada do dia.
Pode-se obviamente obter uma fórmula matemática para exibir as chances dele estar em vários pontos em noites sucessivas. Agora, se reduzimos a unidade de tempo de um dia para um segundo, de modo que cada passo seja indeterminado, descobrimos que as probabilidades se espalham em ondas, tal como na equação de Schrõdinger; a expansão das ondas corresponde a um determinismo estrito, apesar de a causa física subjacente ser um completo indeterminismo. (op..cit., p. 255)

O único determinismo do qual a física moderna está absolutamente segura é de um tipo puramente estatístico. Ainda vemos as ações de imensas multidões de moléculas ou partículas ajustando-se ao determinismo — este é naturalmente o determinismo que observamos em nossa vida cotidiana, a base da assim chamada lei da uniformidade da natureza. Mas até agora não foi descoberto nenhum determinismo nas movimentações de indivíduos isolados, ao contrário, os fenômenos de radioatividade e radiação antes sugerem que estes não se movem à medida que são puxados ou impulsionados por forças inexoráveis ... eles não são controlados por forças predeterminadas, mas apenas pelas leis estatísticas de probabilidade. (pp. 275-76)

Essas afirmações têm uma relação muito direta com a astrologia e além disso trarão alegria ao coração de quem acredita convictamente no princípio de livre-arbítrio. Embora este assunto seja amplo demais para ser discutido aqui, dois pontos básicos precisam ser mencionados, pois são de importância suprema em qualquer filosofia sólida da astrologia. O primeiro é que em qual- quer tipo de pensamento a respeito da vida encontraremos sempre uma interpenetração fundamental entre valores individuais e coletivos. O indivíduo pode ser livre, mas esta liberdade certamente está presa ao campo magnético, ou "aura", da coletividade a que pertence o "círculo-limite" do ocultismo oriental. Por outro lado, a coletividade também é influenciada e fecundada pela atividade criativa daqueles dentre seus membros que atuam como indivíduos e não como meras cópias fotostáticas do padrão coletivo, ou alma.

Estes dois elementos — indivíduo e grupo — devem estar presentes em qualquer julgamento astrológico, e isto de várias maneiras, as quais abordaremos no prosseguimento de nosso estudo, sucintamente. E bom, entretanto, afincar neste ponto que nenhuma carta de nascimento pode ser julgada com exatidão, se as condições gerais do grupo a que o nativo pertence como indivíduo forem desconhecidas. Isto se refere tanto ao grupo social (família, raça, religião) quanto àquele outro agrupamento em consciência, que cria níveis de vida. A carta de nascimento revelará tendências individuais, mas estas manifestar-se-ão de fato nos termos da condição da família, cidade, nação, raça na qual o indivíduo nasceu. Um trabalhador chinês pode ter exatamente a mesma carta de nascimento que um nobre europeu, de uma família altamente aculturada, nascido na mesma latitude. É óbvio que ninguém poderia inferir corretamente da carta de nascimento apenas, o que seria a vida do chinês, especialmente se se acreditasse que ele fosse um nobre europeu. Pois a vida e o caráter de uma pessoa são determinados não apenas pela equação individual (carta de nascimento), mas também pelo grupo no qual se manifestam. Valores grupais podem estar vagamente sugeridos numa carta, mas apenas à medida que afetam a formação pré-natal do indivíduo.

O que foi dito acima invalida a astrologia? Não acreditamos nisso, mas isso serve para definir sua esfera. Uma carta de nascimento como um todo refere-se a um indivíduo como tal (potencial ou atualmente), e trata de valores individuais. Mas qualquer fator astrológico isolado — como, por exemplo, a posição de certo planeta ou um aspecto entre dois determinados planetas — tem apenas um valor estatístico. E é por isso que nenhum fator astrológico isolado opera necessariamente do mesmo modo definido em todas as cartas natais. Ele é apenas estatisticamente correto — ou, como poderemos ver agora, simbolicamente significativo.

As palavras de Bertrand Russell a respeito do princípio estatístico acrescentarão maior clareza às afirmações acima:

Poder-se-ia pensar que uma média estatística não é muito diferente de uma regra com exceções, mas isto seria um erro. Idealmente, leis estatísticas são leis precisas a respeito de grandes grupos; elas diferem de outras leis apenas por se referirem a grupos, e não a indivíduos. Leis estatísticas são inferidas por indução a partir de estatísticas particulares, tal como outras leis são inferidas de ocorrências isoladas particulares. (op. cit., p. 191)

Em outras palavras, uma ciência não é menos "científica" por lidar com médias estatísticas em vez de ocorrências isoladas, apenas deverá ser claramente considerada como ciência que lida com grandes grupos e não com indivíduos.

A partir daí, poderia parecer que a astrologia seria considerada uma ciência empírica de um tipo estatístico. Mas urna conclusão desse tipo não parece ser totalmente garantida. A astrologia pode utilizar o método estatístico para confirmar suas afirmações, e fará bem ao adotar uma técnica desse tipo — que nunca foi usada com qualquer grau elevado de exatidão científica e em escala suficientemente grande. Mas dizer isso é bem diferente de afirmar que a astrologia é uma verdadeira ciência estatística. A estatística pode demonstrar que entre pessoas famosas o sextil Sol-Lua ocorre numa razão de 12%, enquanto em seres humanos comuns apenas cerca de 5 em 100 casos (o exemplo é dado pelo matemático-astrólogo francês Paul Choisnard). Isto poderia indicar uma certa correlação, entre aquele aspecto e "celebridade" (seja lá o que for que se queira dizer com isso!). Mas a inferência é um tanto inconclusiva. E mesmo que pudesse ser provado que 90% dos músicos excepcionalmente dotados têm uma influência netuniana dominante, e que um número tão grande de soldados importantes têm Sol em Aries etc., isto apenas significaria que determinadas afirmações astrológicas são corroboradas por pesquisa estatística. Isto não indicaria como estes fatos astrológicos foram descobertos originalmente nem, acredito eu, o método correto de descobrir novas verdades astrológicas, e, ainda menos, por que as afirmações são corretas. Mais que isso, se aplicaria apenas a fatores isolados na astrologia e não ao problema bastante diferente de interpretar uma carta de nascimento inteira como o símbolo de um indivíduo.

Como são feitas as descobertas da física moderna? A explicação clássica é que um físico observa um fato novo ou pondera sobre alguma falha de uma antiga teoria e formula uma nova hipótese, que explica o fato novo ou resolve o enigma não resolvido. A hipótese então é conferida testando-se todas as suas possíveis consequências, e passa a ser aceita como teoria se se ajustar a todos os fatores conhecidos e não for invalidada por nenhum. Poderíamos presumir que a astrologia se tenha originado de modo semelhante. Algum evento notável coincidiu com uma conjunção planetária igualmente notável. A hipótese de que ambos estivessem relacionados surgiu na mente de um observador, que a comparou com ocorrências semelhantes, e após sucessivas verificações esta conjunção foi definidamente considerada como causadora de um certo evento ou, ao menos, de certo tipo de evento.

Se a astrologia teve origem dessa maneira, ou não, dificilmente pode ser provado ou negado. Se ela se originou assim, então podemos afirmar que a astrologia alcançou o momento em que seu valor deve ser elevado a um plano totalmente diferente de consciência, a um outro nível mental. Nisto ela seguiria o percurso de desenvolvimento que a matemática e a geometria presumivelmente tiveram. Podemos acreditar que os homens tenham começado a pensar em numerais puramente em relação com objetos concretos — duas maçãs, três pedras etc., ou pensado num triângulo como uma classe de objetos que tivessem uma certa forma visível. Então a ideia abstrata de número, ou triângulo, desenvolveu-se na mente humana — mas sempre com algum tipo de embasamento concreto não totalmente separado da experiência sensorial. O estágio moderno (malmente foi alcançado, em que as geometrias não-euclidianas e as formas superiores de álgebra despojaram completamente o número e a forma geométrica de quaisquer elementos representativos, e reduziram-nos a símbolos estritamente lógicos.

Afirma Bertrand Russell (op. cit., p. 171):

Proposições que formam parte da lógica ou podem ser provadas pela lógica são todas tautologias — isto é, mostram que certos conjuntos diferentes de símbolos são maneiras diferentes de dizer a mesma coisa, ou que um conjunto diz parte do que o outro diz. ...Portanto, tais proposições na realidade se ocupam de símbolos. Podemos conhecer sua verdade ou falsidade sem estudar o mundo exterior, pois elas dizem respeito apenas a manipulações simbólicas. ...Toda mate- mática pura consiste em tautologias no sentido acima... Nossa certeza quanto às proposições matemáticas simples não parece análoga d nossa certeza de que o Sol nascerá amanhã. Não quero dizer que tenhamos mais certeza de um que do outro, apesar de que talvez devêssemos fazê-lo; quero dizer que nossa segurança parece vir de outra fonte. ...É óbvio que, sempre que é verdadeiramente útil saber que dois conjuntos de símbolos dizem a mesma coisa, ou que um diz parte do que o outro diz, isto deve ser assim porque temos algum conhecimento quanto à veracidade ou falsidade do que é expressado por um dos conjuntos. Consequentemente o conhecimento lógico teria muito pouca importância se existisse isolado; sua importância surge por meio de sua combinação com o conhecimento de proposições que não são puramente lógicas.

...Numa ciência avançada como a física, o papel da matemática pura consiste em conectar entre si várias generalizações empíricas, de forma que as leis mais gerais que as sucedem se baseiem num número maior de matérias de fato.


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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar. 

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