sexta-feira, 28 de julho de 2017

Uso e Abuso da Astrologia, por Clélia Romano

Este é um livro eminentemente técnico, visto que trataremos do como fazer para prever isto ou aquilo dada uma carta natal.

No entanto, por mais importante que seja possuir as ferramentas corretas para obter uma resposta ou outra, não podemos esquecer do quadro geral da astrologia como uma disciplina hermética.

Escrevi sobre isso em outro momento, mas aqui, exatamente aqui, quando me dedico a algo, por assim dizer, mais mecânico, e preciso repetir certos fundamentos que devem guiar o bom astrólogo.

Quando escuto antigas lições de Robert Schmidt, mesmo aquelas que versam sobre o que já li e escutei, defronto-me com a poética riqueza imanente a filosofia e linguagem gregas.

Filósofos mais atuais também se alinharam com a linha filosófica que vai alem da realidade cartesiana. Edmund Gustav Albrecht Husserl, por exemplo, foi um matemático e filosofo alemão que viveu no seculo XIX e que estabeleceu a escola da fenomenologia, rompendo com a orientação positivista da ciência e da filosofia de sua época, a qual era baseada em Augusto Conte, o filosofo que cujas palavras "Penso, portanto existo", ficaram célebres.

Husserl, acreditando que a experiencia e a fonte de todo o conhecimento, desenvolveu uma teoria pela qual um assunto pode vir a ser conhecido diretamente em sua essência.

Também um dos mais importantes pensadores do seculo XX, Martin Heidegger, esteve principalmente interessado no SER. Sua critica a metafisica tradicional e sua oposição ao positivismo e ao mundo tecnológico dominante influenciou o existencialismo de Jean Paul Sartre, o enfoque sobre a percepção de Maurice Merlau Ponty e outros.

Estes filósofos tem muita importância para o estudo da psicologia e da astrologia.

O que nos interessa aqui é que a posição dos astros em si nada representa se não houver a consciência a dar às configurações um sentido, isto é toma-las como um oráculo. Os fenômenos visíveis, a luz, só passam a ter significado quando a mente incide sobre eles e os reconhece como um objeto determinado ou um astro. Enxergar não significa ver, pois Ver vai além dos sentidos físicos e pressupõe que o que existe seja "reconhecido", que tenha um nome.

Indo além, se um cavalo passar correndo à nossa frente, o que determina que ele é um cavalo e que está em movimento é nossa consciência e não nossa visão. Tanto isso é verdade, isto é, que vemos com a consciência, com o olhar interno, que às vezes procuramos por algo que está à frente de nossos olhos e não o encontramos, embora nossos sentidos físicos tenham já deslizado pelo objeto.

Outras vezes, só percebemos o significado de algo quando não o possuímos mais, quando ele desaparece. Isso acontece quando, por exemplo, estamos usando uma caneta, de forma puramente mecânica, e sua tinta termina. Naquele momento tomamos consciência da caneta.

Os céus e seus brilhantes astros só passaram a ter significado quando correlacionamos o não significado com o significado, o que ocorria lá acima e o que ocorria na terra. Seu brilho podia ser visto, mas não tinha sentido. Desta forma, a astrologia nasceu da função do Logos, a palavra, interna, o pensamento que desvenda.

Tal função é fornecida por um "algo mais", a cognição. Husserl dizia que o ato da cognição resolvia-se na intuição eidética, que é uma das função do pensamento humano, isto é o ato de correlacionar coisas, como fazemos quando identificamos, por exemplo, no formato sem sentido de uma nuvem um determinado animal, ou quando em um desenho cheio de pontos e amorfo, vemos surgir uma forma conhecida. Fala-se muito na luz, mas a luz não gera oráculos, o que os gera é a correlação que o pensamento faz entre a luz e o significado subjacente a ela.

Na Bíblia, no primeiro capítulo do Gênesis, lemos que no início era o Verbo. O que é o Verbo? E justamente o que os gregos chamavam Logos, a palavra que permite que algo se revele. A astrologia medieval esteve muito ocupada com a técnica, com o bom uso da caneta, sem se interessar pelo que é a caneta.

Disso sinto falta nos livros astrológicos do período pós helenista, por mais capazes que tenham sido os sábios árabes e medievais que se debruçaram sobre a disciplina astrológica e nos legaram seu conhecimento, transmitindo o que, não fosse seu esforço, teria sido perdido para sempre no mundo ocidental.

A busca de significado é um traço da mente humana quase mágico. Porém, tal busca de correlações, não significa que a astrologia tenha se baseado em mitos ou deva fazê-lo. No entanto, a mesma mente que os inventou, foi capaz de relacionar céu e terra.

Por isso, a astrologia grega é viva, guardando,inclusive em seu vocabulário, a preocupação com o sentido da coisa referida, ao invés de usar palavras vazias como Partes, ao invés de Lotes, Graus, ao invés de Moira, que significa a parte destinada a alguém nos 360 "graus" do zodíaco, Sextil, ao invés de Hexágono, etc. etc. etc.

Neste livro ofereço-lhes a técnica, da qual muitos estão, com legitimidade, sedentos. Nesta técnica primaram especialmente os astrólogos árabes, muito pragmáticos, e que nos legaram ferramentas valiosas para nosso ofício.

Mas não podemos, no afã de fazer algo "funcionar", esquecer de correlacionar, de usar nossa função compreensiva. Se usarmos a astrologia como se fosse um martelo em nosso trabalho diário, corremos o risco de empobrecê-la e só perceber o que perdemos quando o martelo se quebrar em nossas mãos.




Clélia Romano, in Técnicas Astrológicas Preditivas, Edição do Autor, 2015.

O livro pode ser adquirido aqui: http://www.astrologiahumana.com/


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