quinta-feira, 23 de junho de 2016

Três Tipos Básicos de Psicologia, por Dane Rudhyar

Para esclarecer alguns assuntos que são origem de confusões constantes, é necessário reconhecer que o termo psicologia é utilizado para significar vários ramos e tipos diferentes de conhecimento. Provavelmente será uma grande ajuda, por ora, considerar a antiga divisão do ser humano em espírito, alma e corpo, e dizer que a psicologia pode ser e tem sido apreciada a partir de três perspectivas básicas. Assim, existe:

1) uma psicologia espiritual, que é um ramo da filosofia ou religião, e contempla todos os valores humanos introspectiva e intuitivamente em termos de credos, ou intuições, ou percepções transcendentais;

2) uma psicologia fisiológica, que considera todos os processos normalmente classificados como "psicológicos" (sensação, atenção, sentimentos, pensamentos etc.) à luz das funções fisiológicas;

3) uma psicologia analítica, que lida primeira e diretamente com os fatos da consciência e o relacionamento estrutural entre as várias funções da psique per se.

O tipo espiritual de psicologia considera o homem real e essencialmente um ser espiritual que usa um corpo com o propósito de adquirir experiências concretas e certas faculdades que só podem ser geradas em contato com a matéria. A existência corporal, entretanto, é tomada como resultado de uma "queda" e tem, como tal, conotação pejorativa. A alma é imortal à medida que tenha assimilado para si a essência espiritual, e a meta é a liberação da escravidão das energias naturais. Uma psicologia como essa, particularmente exemplificada nas ideias dos padres cristãos e em grande medida na psicofilosofia platônica, está ligada à ética. O mundo físico é o mundo das sombras, o mundo do pecado, enquanto a verdade, a bondade e a realidade habitam um mundo arquetípico, que num certo sentido é um domínio espiritual concreto (ou, ao menos, substancial). A psicologia em grande parte é uma questão de entender como essas realidades arquetípicas e a alma humana (que essencialmente pertence a seus domínios) reagem às ilusões e aos caprichos do mundo natural, e por meio de que processo a alma, perdida na rede do corpo, pode desembaraçar-se e tornar a adquirir seu status primordial — mais uma "consciência de relação", que é a fruição do estado incorporado.

Esse tipo de psicologia é encontrado predominantemente no Oriente (o que de nenhum modo significa que apenas lá seja considerado verdadeiro) e em todos os lugares onde as avaliações religiosas, ético-espirituais, alquímicas são enfatizadas em detrimento dos valores físicos ou materiais. É encontrada numa grande variedade de manifestações, recebendo de cada sistema filosófico ou religioso uma formulação específica. E o fundamento usual do ocultismo tradicional, mas ali a encontramos às vezes associada a um tipo de psicologia estrutural que diferencia a psicologia oculta do tipo puramente religioso. No entanto, a diferenciação não é aguda e, ao menos aparentemente, é uma mera questão de ênfase.

O tipo fisiológico de psicologia é aquele em que as reações psíquicas — como sensações, sentimentos, ideações e volições — são consideradas emergindo de processos fisiológicos e por estes estritamente condicionadas. O método desse tipo rigorosamente empírico e experimental de psicologia é o puramente científico, e é apenas a essa psicologia que os cientistas geralmente se referem como "psicologia". Excluindo tudo o que possa ter existido na Índia que se referisse a essa classe de estudo psicológico, podemos datar o início desse tipo de psicologia a partir de Aristóteles. Antes dele, obviamente existiu um longo período de psicologia arcaica, que poderia ser chamada ,fisiológica, no sentido de que no pensamento arcaico a alma não era diferenciada do corpo do modo como passou a ser distinguida depois de Pitágoras. Como vimos num capítulo precedente, foi só ao redor do século VI a.C. que a unidade de natureza viva e homem vivo foi definitivamente quebrada no campo físico e no psicomental. E portanto o tratamento do corpo (medicina) incluía até certo ponto assuntos relacionados com a psique.

Mas, na verdade, as considerações corpo-psique unidos pertenceram à alçada da alquimia nascente. Alquimia é a ciência do ser humano considerado como um composto de processos fisiopsicológicos. A doutrina dos quatro humores do corpo (sangue, fleugma, bílis negra, bílis amarela), correspondendo aos quatro elementos da astrologia (fogo, terra, ar e água) e levando à classificação árabe dos quatro temperamentos (sanguíneo, fleugmático, melancólico e colérico), pertence à alquimia. Na alquimia arcaica (que está proximamente relacionada com as formas originais do Hatha Yoga hindu e mais ainda ao taoísmo recente), a concepção de alma não é muito bem definida, porque espírito e matéria são vistos em junção. O corpo vital (ou corpo pneumático) está no organismo fisiológico, tal como as fibras da manga estão na própria fruta — e a meta das antigas práticas da alquimia era desvencilhar um do outro — desse modo desprendendo, para uso, um corpo espiritual, livre da qualidade terrestre do corpo físico, e base para uma nova consciência, que pode então ser chamada alma.

Em outras palavras, a psicologia arcaica só pode ser relacionada muito superficialmente com o tipo científico de psicologia fisiológica, assim como a química com a alquimia. A partir de Aristóteles, a linhagem da psicologia científica moderna passa por Galeno e os fisiologistas medievais, por Francis Bacon, Thomas Hobbes, Malebranche, James Mill, Johannes Müller, Lotze, Wundt, Williams James, chegando finalmente aos behavioristas, ao grupo da gestalt e a um endócrino-psicólogo' como o Dr. Berman (Glands Regulating Personality). Este último enfatiza aquilo que ele chama "corpo-mente" — ou seja, a unidade de processos fisiológicos e psicológicos — de um modo semelhante, apesar de diametralmente oposto em seus métodos práticos, à alquimia arcaica. O Dr. Berman tem por objetivo a produção do ser humano perfeito, através do tratamento glandular generalizado e do estabelecimento de uma perfeita harmonia funcional. Os verdadeiros alquimistas tinham a mesma harmonia funcional. Os verdadeiros alquimistas tinham a mesma proposta, mas tinham-na em bases diferentes, e tentaram alcançá-la por métodos diferentes.

O terceiro tipo básico de abordagem da psicologia, que chamamos tipo analítico,* lida direta e imediatamente com fatos da vida mental, ou melhor, com o que denomina conteúdos psíquicos.
Ela não coloca nenhuma ênfase no problema da origem exata desses conteúdos, isto é, não estuda especificamente o processo pelo qual uma impressão nervosa ou uma série de impressões se transformam numa verdadeira sensação psíquica, que por sua vez se transforma num hábito, pensamento, instinto etc. Considera a vida psíquica do homem como um domínio em si, e preocupa-se principalmente com o que acontece com esse domínio, considerado mais ou menos autossuficiente e autônomo.

Isto, no entanto, não deve significar que o psicólogo analítico considera a psique essencialmente diferente do corpo. Ao contrário, Freud e Jung começaram seu trabalho psicológico como médicos, e mesmo as mais recentes formulações apresentadas por Jung contêm o elemento terapêutico muito forte. É colocada ênfase na saúde psíquica. O ponto de abordagem da psicologia analítica na verdade parte do corpo para aquilo que ela chama psique. Mas enquanto o behaviorista e o psicólogo estritamente "científico" devem ser comparados aos pesquisadores de laboratório em seu estudo da química e da física de elementos psíquicos separados, o "analista", Jung especialmente, essencialmente é o médico ou aquele que cura, que lida com o equilíbrio funcional do organismo psíquico como um todo.

Em outras palavras, o analista estuda os fatos do funcionamento psíquico, o padrão estrutural dado pelo inter-relacionamento de todos esses fatos, o comportamento da psique como um todo. O que também distingue a psicologia analítica do tipo "fisiológico" acima mencionado é o fato de ser intencional. Ela não analisa com o intuito de mera investigação, mas com uma meta definida de curar, de sarar, de tomar inteiro. O que tenta tornar inteiro é antes de tudo a psique. Mas ela não só reconhece a interdependência de corpo e psique. Quase postula sua identidade. Escreve Jung em Modern Man in Search of a Soul (p. 85):

A distinção entre mente e corpo é uma dicotomia artificial, uma discriminação que inquestionavelmente se baseia muito mais na peculiaridade do entendimento intelectual do que na natureza das coisas. Na verdade, o entrelaçamento dos traços físicos e psíquicos é tão íntimo, que podemos não apenas traçar inferências profundas quanto à constituição da psique a partir da constituição do corpo, mas podemos também inferir de particularidades psíquicas, as características corpóreas correspondentes.

O mesmo pensamento está ainda mais fortemente formulado em seu comentário sobre O segredo da flor de ouro (The Secret of the Golden Flower, p. 131):

É característico do ocidental que, com o propósito de conhecimento, tenha separado o lado físico do lado espiritual da vida, mas estes opostos estão juntos na psique, e a psicologia precisa reconhecer este fato. O `psíquico" é tanto físico quanto mental.

Num outro lugar ele escreve:

A psique é um sistema autorregulador que se mantém em equilíbrio, tal como o corpo. Todo corpo que vai muito longe imediata e inevitavelmente exige uma atividade compensatória. Sem esses ajustes, um metabolismo normal não existiria, nem existiria uma psique normal. Podemos tomar a ideia da compensação, entendida desse modo, como uma lei dos acontecimentos psíquicos. Muito pouco num lado resulta em excesso no outro. A relação entre consciente e inconsciente é compensatória.

(Modern Man in Search of a Soul, p. 20)

Um rápido estudo do significado que Jung atribui aos termos consciente e inconsciente poderá auxiliar o leitor a ter uma visão mais clara do que ele tenciona transmitir com a palavra psique.

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Extraído do livro Astrologia da Personalidade, de Dane Rudhyar. 

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