segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Do mito de Plutão, Ceres e Prosérpina, por Puiggros

Pelo que se sabe, o significado original dos planetas não difere do caráter dos deuses dos quais tomam o nome. Dessa forma, portanto, a mitologia pode oferecer indicações úteis para a compreensão da astrologia, ainda que somente a prática contínua do estudo refine a intuição para discernir a correta interpretação do mito aplicável a cada situação.

A Plutão (Hades) , filho de Saturno (Cronos) , deus do tempo, e de Ops (Réia), deusa da Terra, coube a pior parte na repartição do mundo efetuada com os irmãos quando seu pai foi destronado. Júpiter (Zeus) , o mais poderoso, ficou com o reino dos céus, Netuno (Poseidon), com as águas - e especialmente o mar - e a Plutão, por ser o mais jovem dos três, foi concedido o reino dos infernos.

Esse vasto império é rodeado por dois rios, o Aqueronte e o Estige, que as almas dos mortos devem atravessar para chegar à morada de Plutão.

O velho Caronte, o barqueiro, rechaça os mortos insepultos (é relativamente recente o hábito de enterrar os cadáveres, já que antes eram deixados sobre a terra para alimento dos animais; daí deriva a regência de Plutão /Escorpião sobre as sepulturas) e todos aqueles que não podem pagar o preço da passagem (daí decorre o antigo. costume de colocar uma moeda na boca do defunto) . Em sua barca, transporta os demais para o outro lado e os entrega a Mercúrio (Hermes) , o mensageiro dos deuses, que os conduz para o tribunal, composto por três juízes, Minos, Eaco e Radamanto, que, em nome de Plutão, ministram a justiça. "Pagar um preço" antes de passar pela "justiça de Plutão" são dois conceitos bem-conhecidos por todos aqueles que estudam o planeta ou que experimentaram seus trânsitos.

Uma vez julgados, alguns vão para os Campos Elíseos, o céu, enquanto outros são dirigidos para o Tártaro, o inferno, uma cidade fortificada, guardada por um tríplice muro de ferro e rodeada por um rio de fogo chamado Flégeton; este último é custodiado pelas três fúrias infernais, Alecto, Megera e Tisífone, que não dormem nem de dia nem de noite.

Como se isso não bastasse, Plutão tem como guardião de seu reino o cão Cérbero, um cachorro de três cabeças que não deixa sair nenhuma pessoa que ali entra.

De modo geral, Plutão é representado com sobrancelhas espessas, olhos avermelhados e expressão ameaçadora, com uma forquilha de duas pontas em sua mão direita e uma chave que fecha mas não abre na esquerda. Sua coroa é de ébano, simbolizando provavelmente a obscuridade de seu reino; outras vezes, no entanto, cobre-se com um manto que o torna invisível, outra de suas características, sentado em um trono de enxofre, com o cão Cérbero a seus pés e com as três fúrias a seu lado. É também representado num carro -de três rodas puxado por três cavalos negros (quatro, segundo Ovídio), chamados Meteo, Abastro e Nuvio. As vezes, a seu lado está Prosérpina (Perséfone), segurando um narciso. Em outras, ela se encontra sobre um carro, semelhante ao de Plutão, simbolizando, neste caso, Hecate, que preside à magia e aos encantamentos.,

Plutão, denominado Júpiter das regiões inferiores ou das profundezas da Terra, significa rico e é o deus ativo no interior da Terra. Entende-se por isso a força vital da Terra, a fecundação ou o elemento terra em si mesmo. É também chamado, em latim, Dis, rico, ou Dispater, pai rico. Orcus, outro de seus nomes, significa tragador ou recebedor, uma qualidade da Terra. Foi denominado Februo, que, em grego, significa purgar, purificar que é também uma qualidade da Terra.

Em função da dureza de seu caráter, de sua feiúra e da obscuridade de seu reino, todas as deusas fugiam de Plutão e o recusavam como marido. Cansado dessa situação, ele subiu no carro de três cavalos e foi visitar a ilha da Sicília, dirigindo-se ao monte Érix. Vênus (Afrodite), a deusa do amor, percebeu sua presença e pediu a Cupido (Eros) que, com suas flechas, ferisse o coração de Plutão. Prosérpina, filha de Ceres.(Deméter) e Júpiter - e que, segundo Ovídio, significa as sementes ou messes, a lua e a rainha dos infernos -, encontrava-se no lago Pergusa, próximo do Etna, com margens cobertas de flores e primavera eterna. Entretinha-se colhendo flores e misturando os lilases com as violetas. Quando Plutão a viu, enamorou-se dela e a raptou, apesar de seus protestos e dos gritos de socorro que dirigia a suas companheiras e a sua mãe. Dirigindo a todo galope seus cavalos negros - aos quais, para animar, chamava pelos nomes -, Plutão e Prosérpina atravessaram grandes lagos, dentre os quais os Pálicos, que exalavam um intenso odor de enxofre. Ao chegarem à fonte Aretusa, uma das mais belas ninfas, chamada Cianes, que vivia numa fonte, deteve Plutão, estendendo seus braços por todas as partes. Este último, ao ver que não podia passar, encheu-se de ira e deu um terrível golpe com seu cetro, abrindo a terra e entrando com seu carro até os infernos. Cianes, despeitada com o desprezo que Plutão manifestara por suas águas sagradas, condoeu-se tanto que não cessou de derramar lágrimas até transformar-se completamente em água. Quando Ceres tomou conhecimento dessa desventura, procurou incessantemente sua filha Prosérpina, percorrendo mares e terra. Vasculhou montanhas, cavernas e bosques e, depois de visitar toda a Terra sem encontrar qualquer vestígio, retornou à Sicília. Em sua peregrinação, encontrou a ninfa Cianes transformada em água e, embora não pudesse falar, esta última lhe mostrou o véu de Prosérpina que flutuava sobre as águas da fonte. Ceres compreendeu que o raptor de sua filha havia passado por aquele lugar. Pouco depois, soube pela ninfa Aretusa, que corria por cima e por baixo da Terra, que Prosérpina estava no inferno e era a mulher de Plutão. Ao ouvir tal coisa, Ceres sentiu a morte penetra-Ia, vestiu-se de luto e se fechou por algum tempo numa caverna. Subiu depois num carro puxado por dois dragões e, atravessando a imensidão do espaço, apresentou-se diante de Júpiter com o rosto banhado em lágrimas e os cabelos revoltos, e lhe pediu justiça. Júpiter procurou acalma-la dizendo-lhe que Plutão tinha as mesmas brilhantes qualidades dos demais deuses e que não era nenhuma afronta tê-lo por genro. Diante da insistência de Ceres, consentiu que Prosérpina fosse devolvida à sua mãe, desde que não houvesse comido nada a partir do momento em que entrara no inferno, pois "tal era a decisão do destino". Mas Prosérpina, certa feita em que passeava pelos jardins do palácio, havia visto uma formosa romã, da qual comera sete sementes. Seu retorno à Terra era impossível. Contudo, à força de rogos, Ceres conseguiu que' Júpiter ordenasse que sua filha morasse seis meses com o marido e seis meses com a mãe. Essa decisão devolveu a calma a Ceres.

Está clara a analogia do mito com o ritual agrícola da semeadura, o período no qual a semente está sob a Terra, "até que, seis meses mais tarde, retorna para sua mãe". Estudando detalhadamente o mito, é possível deduzir todas e cada uma das fases desse processo de semeadura e de colheita. Entretanto, não é o céu que copia a Terra; é esta que copia aquele.

Em outras palavras, o mito é um esquema arquetípico de determinadas forças que operam analogamente nos diversos níveis de realidade e que são, portanto, aplicáveis ao homem.

Plutão é a força da vida, a seiva que nutre. Essa seiva está sujeita aos ciclos da Lua (Prosérpina) e, em tal história, estão envolvidos Ceres, a Terra, e Júpiter, o Céu; ela é, de certa forma, uma explicação de como funciona o processo de geração da vida, da alternância vida-morte e da impossibilidade de existir uma sem a outra.

É significativo o fato de que, em 1930, quando é descoberto, Plutão se encontre situado entre duas estrelas, Castor e Pólux. A mitologia diz que Castor, sujeito à mortalidade, morreu numa batalha nas proximidades do monte Taigeto. Pólux, que o amava muito, pediu a Júpiter que devolvesse a vida a Castor ou que o privasse - a ele, Pólux - de sua imortalidade. Júpiter não pôde atendê-lo de modo completo, mas consentiu que, durante todo o tempo que Castor vivesse sobre a Terra, pudesse Pólux habitar nas moradas dos mortos. Assim, viviam e morriam alternadamente.


Extraído do livro:
Plutão. Autor: Puiggros. Editora Pensamento. Esgotado.

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